O Brasil votou contra uma resolução do Conselho de Direitos Humanos da ONU que renovava o mandato da ONU (Organização das Nações Unidas) para monitorar os impactos das políticas fiscais sobre os direitos humanos, argumentando que a medida é contrária às reformas econômicas do governo.
O voto foi uma mudança brusca de posicionamento, já que o Brasil não costuma votar contra resoluções no conselho, no máximo se abstém, e já havia apoiado essa mesma resolução quando ela foi apresentada em 2008, 2011 e 2014.
Timothy A. Clary - 19.set.2016/AFP | ||
O presidente Michel Temer em reunião da ONU em setembro |
A resolução critica especificamente programas de austeridade fiscal como aqueles que estão sendo implementados no Brasil. "Programas de reforma estrutural e condicionalidades limitam gastos do governo, estabelecem tetos de gastos e não dão atenção adequada à oferta de serviços sociais, e apenas alguns poucos países conseguem atingir uma taxa de crescimento mais alta e sustentável com esses programas."
O Planalto já tinha se irritado com a ONU em dezembro, quando o relator Philip Alston afirmou que a PEC que limita gastos públicos nos próximos 20 anos "é inteiramente incompatível com as obrigações do país em direitos humanos".
"O efeito principal e inevitável da emenda, que visa a congelar o orçamento para mostrar austeridade fiscal, será prejudicar os pobres pelas próximas décadas", disse Alston, afirmando que a legislação irá resultar em gastos reduzidos em saúde, educação e previdência.
Ao explicar o voto contra a resolução, a representante do Brasil na ONU, Maria Nazareth Farani Azevedo, defendeu longamente as políticas de austeridade propostas pelo governo Temer e criticou as gestões petistas.
"A resolução é contrária aos principais elementos da política econômica atual no Brasil, particularmente nossos esforços para retomar equilíbrio fiscal e, dessa maneira, preservar as políticas sociais do país", disse ela. Segundo Azevedo, o texto aborda questões cruciais de forma "desequilibrada e parcial".
A embaixadora se queixou de que Cuba, que propôs a resolução, não havia incorporado sugestões do Brasil.
"Acreditamos que os Estados podem implementar reformas estruturais que sejam compatíveis com o objetivo de melhorar os serviços sociais, mas a resolução não reconhece isso."
Em sua resposta diante de representantes na ONU de diversos países, a embaixadora se lançou em uma vigorosa defesa das políticas do atual governo.
"Apesar da mais séria recessão econômica já registrada na história do país, o Brasil tem conseguido achar seu caminho para a recuperação. Nos 9 meses do governo Temer, medidas importantes foram aprovadas, outras reformas estão em discussão, todas com o objetivo de preservar as políticas sociais e proteger os direitos à educação, saúde, moradia", disse.
E criticou as gestões anteriores. "O aumento dos gastos públicos para os níveis registrados nos últimos anos não vai garantir progresso social no Brasil, ao contrário, ele não é sustentável e teria efeitos desastrosos para a economia, que poderiam ameaçar os avanços sociais que buscamos."
Apesar da oposição brasileira, a resolução foi aprovada com 31 votos a favor e 16 contra. O voto brasileiro significou também uma ruptura com as nações do "sul geopolítico", que votaram em bloco a favor da resolução.
O Brasil se alinhou a países como Estados Unidos e Reino Unido, cujo representante afirmou que o conselho de direitos humanos não é o lugar correto para se discutir dívida externa.
"Foi uma tentativa fracassada do Brasil de minar a capacidade da ONU de monitorar os efeitos de reformas econômicas e fiscais sobre os direitos humanos", disse Camila Asano, coordenadora de Política externa da Conectas.
A resolução determina que um relator da ONU irá avaliar os impactos das reformas econômicas sobre os direitos humanos e organizar consultas de especialistas. A embaixadora se opôs a essa avaliação, dizendo que ultrapassa o mandato do conselho de direitos humanos da ONU.
ITAMARATY
Em nota, o Itamaraty afirmou que propôs modificações ao projeto de resolução proposto por Cuba, mas as sugestões não foram aceitas. Segundo pessoas que acompanharam a decisão, o governo brasileiro considerou que o parágrafo 2 da resolução questiona a política fiscal do governo brasileiro, portanto é inaceitável.
O trecho critica "programas de reforma estrutural" que estabelecem "tetos de gastos e não dão atenção adequada aos serviços sociais".
Esse mesmo parágrafo, ipsis litteris, estava na resolução de 2014 que foi aprovada pelo governo brasileiro.
"A resolução deixa de reconhecer que há uma variedade de políticas pelas quais os países podem implementar reformas estruturais, desde que levem em consideração a promoção e proteção dos direitos humanos, garantindo o suprimento de serviços sociais e a capacidade de manter padrão de crescimento sustentável", diz a nota do ministério.
"Ao invés disso, o texto da resolução vale-se de linguagem restritiva para caracterizar qualquer programa de reformas estruturais como limitador do gasto público e da atenção adequada à provisão de serviços sociais."
O Itamaraty ressaltou que estará aberto a eventuais visitas do relator da ONU, cujo trabalho de monitoração dos efeitos das políticas fiscais está previsto na resolução. O ministério afirmou que mantém o "apoio ao sistema internacional de direitos humanos" e está aberto a visitas ao país de todos os relatores especiais da comissão.