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    Crianças vítimas da batalha em Mossul enchem hospital de campanha

    ANGUS MACSWAN
    DA REUTERS, EM BARTELLA (IRAQUE)

    24/03/2017 07h00

    Suhaib Salem/Reuters
    Iraquiano ferido em Mossul chega ao hospital da ONG Samaritan's Purse em Bartella, no Iraque
    Iraquiano ferido em Mossul chega ao hospital da ONG Samaritan's Purse em Bartella, no Iraque

    O menino iraquiano de 9 anos jogava futebol em um terreno baldio durante um intervalo na batalha por Mossul, quando uma granada de morteiro disparada por militantes da facção terrorista Estado Islâmico (EI) caiu ali perto.

    Ela espalhou estilhaços em suas pernas e virtualmente as decepou. Levado de ambulância para este hospital de emergência a 20 km da cidade, o menino foi operado durante a noite e teve os dois pés amputados.

    Agora ele está sedado em um leito numa tenda de UTI, segurando uma bola de borracha, enquanto Chris, uma enfermeira voluntária da Califórnia, acaricia seu rosto e canta uma canção infantil. Ele provavelmente não tinha percebido que perdeu os pés, disse ela.

    Houve milhares de baixas civis em Mossul durante a ofensiva de cinco meses do governo para expulsar os combatentes do EI do que já foi seu principal bastião no Iraque.

    "Os ferimentos que estamos vendo aqui são a face da guerra —os rostos de crianças e mães", disse o diretor do hospital, Paul Osteen, um cirurgião de Houston, nos EUA. "Eles estão além do terror. Estão entorpecidos."

    O fluxo de feridos e mutilados aumentou conforme a batalha se concentrou nos bairros dominados pelo EI na zona oeste de Mossul, onde mais de 500 mil civis estariam encurralados.

    Suhaib Salem/Reuters
    Voluntários tentam recuperar criança atingida por bombas da batalha entre governo e EI em Mossul
    Voluntários tentam recuperar criança atingida por bombas da batalha entre governo e EI em Mossul

    Os extremistas lutam com morteiros, canhões e carros-bombas, muitas vezes escondendo-se entre os civis nas casas amontoadas e ruas estreitas. A área também foi assolada por ataques aéreos e disparos de artilharia das forças da coalizão liderada pelo Iraque e pelos EUA.

    Este hospital móvel já tratou mais de mil pacientes, muitos deles mulheres e crianças, desde que foi aberto no início de janeiro.

    Os ferimentos são de estilhaços, explosões, granadas despejadas por drones e tiros, inclusive de franco-atiradores que visam deliberadamente os civis, segundo a equipe médica.

    Durante o dia, o ruído da batalha em Mossul pode ser ouvido à distância, indicando que em breve chegarão mais baixas. "Tivemos um grande movimento ontem à noite", disse Osteen.

    Um homem que estava lá tinha passado três dias preso sob escombros. Um menino de 12 anos ficou paralisado da cintura para baixo depois que estilhaços rasgaram seu estômago. Uma menina de 6 anos com os cabelos emaranhados e olhos pretos brilhantes tinha um buraco na perna.

    Outro leito estava vazio. Um jovem tinha sido trazido agonizante e sangrou até morrer.

    Entretanto, por estar tão próximo do conflito, o hospital é capaz de salvar vidas que do contrário seriam perdidas. Antes de sua inauguração, os feridos geralmente eram levados até Irbil, a uma ou duas horas de carro, dependendo das condições. Alguns não sobreviveram.

    O hospital móvel, dirigido pelo grupo de ajuda cristão dos EUA Samaritan's Purse, juntamente com o Ministério da Saúde do Iraque e a Organização Mundial de Saúde, foi trazido de avião da Carolina do Norte e erguido nas planícies de Nínive, perto de Bartella.

    Suas tendas e barracas contêm uma sala de triagem, dois centros cirúrgicos, uma unidade de tratamento intensivo com equipamento de alta tecnologia e pavilhões de recuperação.

    Os médicos, enfermeiros e outros profissionais são voluntários, na maioria dos EUA, mas não apenas. A equipe iraquiana tem um papel vital, inclusive como intérpretes entre médicos e pacientes.

    Durante uma visita da agência Reuters, um menino de 12 anos com um ferimento de bala foi trazido de maca por uma porta de aço no muro de concreto reforçado que cerca o complexo.

    Enquanto um médico fazia sua avaliação, um intérprete iraquiano traduzia suas perguntas e acalmava o rapaz assustado.

    Suhaib Salem/Reuters
    Médicos atendem adulto civil ferido na batalha de Mossul no hospital de campanha em Bartella
    Médicos atendem adulto civil ferido na batalha de Mossul no hospital de campanha em Bartella

    VIDA ODIOSA

    Na ala de recuperação, Lazim, 32, disse que morava em um apartamento que os combatentes do EI ocuparam. Sua família tinha sobrevivido a pão e água nas últimas duas semanas.

    Durante um ataque aéreo, ele e seu filho fugiram. Uma granada de morteiro do EI caiu perto deles e o pai foi ferido na barriga. "Os olhos do meu filho saltaram para fora", lembrou Lazim. Ele está se recuperando, mas o filho perdeu um olho.

    Outro paciente, Omar, 17, disse que não conseguiu ir à escola desde que o EI tomou Mossul, em 2014. Ele sonhava em ser um engenheiro de petróleo. "Foi uma vida odiosa sob o EI", disse.

    Alguns dias atrás, subiu ao teto do seu prédio com o pai e dois primos para alimentar aves de estimação. Uma granada caiu e sua perna direita teve de ser amputada. "Mesmo que eu melhore, não sei o que vou fazer", disse.

    O doutor Brock Adams afirmou que viu muitos ferimentos graves de cargas de morteiro. "Temos crianças com grandes buracos nas pernas", contou. "Tentamos evitar a amputação, mas fizemos várias nos últimos dias, incluindo duplas amputações."

    Muitos dos pacientes também estavam fracos e desnutridos devido à falta de alimentos, disse Osteen.

    Famílias que fugiram de Mossul nas últimas semanas falaram sobre a grande quantidade de civis mortos pelos ataques aéreos. O número ainda não está claro, mas segundo estimativas chega a 3.500.

    Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES

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