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    Governo Trump

    Em 2 meses no poder, Donald Trump já coleciona fracassos

    MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
    DE NOVA YORK

    26/03/2017 02h00

    Com pouco mais de 60 dias no poder, o presidente dos EUA, Donald Trump, já coleciona uma série de fracassos, coroada na sexta-feira (24) com o recuo na votação do projeto de reforma do Obamacare. Apesar da maioria republicana, a Câmara não reuniu votos para a aprovação.

    O fiasco expôs a incompetência política do governo, que perdeu para si próprio, e as feridas que se abriram no Partido Republicano desde que Trump obteve a indicação da legenda para concorrer à Casa Branca.

    O presidente admitiu que seu grande erro estratégico foi inaugurar a agenda do Legislativo com a mudança na lei de saúde –e não com a reforma tributária para cortar impostos, tema que tem mais fácil aceitação entre republicanos, embora ainda possa encontrar resistência em algumas alas.

    Num país em que a assistência à saúde nunca atingiu um grau de universalização comparável ao de nações europeias, onde prosperou o Estado de bem-estar social, a reforma sancionada por Barack Obama, em 2010, ampliou de maneira expressiva o alcance dos cuidados médicos. Um escritório ligado ao próprio Congresso estimou que a reforma, se aprovada, deixaria 24 milhões desassistidos.

    Longe de ser perfeito, o Obamacare foi bombardeado nos últimos anos por republicanos, que o acusam de promover uma intromissão indevida do Estado ao tornar obrigatória a contratação de planos de saúde e subsidiá-los (com aumento de tributos) para setores de baixa renda.

    Para conservadores puro-sangue, a lei de Obama deveria ser abandonada em favor de um sistema que eliminasse subsídios e devolvesse aos indivíduos e ao mercado a iniciativa de organizar fundos mútuos e seguros com coberturas variadas de acordo com os interesses e possibilidades de cada um.

    Mais cautelosos, parlamentares republicanos moderados passaram a temer as consequências de uma reforma que retirasse direitos logo antes das eleições de 2018 para o Congresso –o que daria aos democratas um discurso pronto de campanha.

    As divergências expressam impasses da direita americana, num contexto em que mudanças demográficas e sociais pressionam por mais amparo governamental e solicitam dos políticos um tipo de sensibilidade nem sempre compatível com o conservadorismo privatista mais rígido e ideológico.

    Para Trump, o fiasco foi o mais grave de sua breve e mal avaliada gestão –o patamar dos que aprovam seu trabalho é de 40%, o mais baixo entre presidentes nessa fase do mandato.

    A seu favor, o republicano conta até aqui com a melhoria da economia –que na verdade já vem do período de Obama– e com sua coreografia de CEO hiperativo com as mangas arregaçadas a assinar ordens, disparar ataques contra a mídia de inclinação progressista e martelar sua retórica de América e trabalhadores em primeiro lugar.

    Além da derrota na Câmara, Trump já teve dois decretos de veto à imigração derrubados na Justiça e enfrenta problemas em investigações que se conectam e colaboram para desgastar seu capital político.

    A primeira delas diz respeito às ligações subterrâneas entre membros de sua equipe e os serviços de inteligência da Rússia –que parecem retiradas do enredo de um improvável filme de espionagem. O que a muitos soava como mirabolante teoria conspiratória da democrata Hillary Clinton tornou-se um pesadelo político que arrastou Trump para o meio de uma investigação do FBI.

    O caso ganhou proporções de escândalo quando o conselheiro de Segurança Nacional, o general Michael Flynn, viu-se compelido a deixar o governo menos de um mês depois de ter assumido. A causa foi a revelação de que Flynn ocultou do vice, Mike Pence, as conversas telefônicas que manteve com o embaixador da Rússia em Washington, acerca das sanções impostas pelo governo de Barack Obama a seu país.

    Depois da mentira do general, foi a vez de o secretário de Justiça, Jeff Sessions, ser apanhado numa dissimulação –o "Washington Post" revelou que ele havia se encontrado duas vezes com o mesmo embaixador, informação que escondera ao ser sabatinado pelo Senado.

    Sob pressão, Sessions, numa manobra que faz lembrar o padrão político brasileiro, determinou seu próprio afastamento das apurações sobre os contatos com a Rússia e se manteve na função.

    Numa aparente tentativa de desviar a atenção do imbróglio sobre a conexão russa, o presidente usou uma rede social para acusar, sem embasamento, seu antecessor de ter ordenado grampos telefônicos na Trump Tower, o quartel-general de sua campanha. O caso motivou uma segunda investigação –que nada encontrou até o momento.

    Trump agora diz que aposta na implosão do Obamacare para relançar um plano de reforma com adesão dos democratas. Mas terá primeiro que recompor seu partido e minimizar suas áreas de atrito –um tipo de esforço conciliatório que não parece impresso em seu DNA.

    *

    MEDIDAS DE TRUMP

    APROVADAS
    - Muro na fronteira com o México
    - Oleoduto do Canadá a Texas e Illinois
    - Indicação de Neil Gorsuch à Suprema Corte
    - Saída da Parceria Transpacífico (TPP)
    - Renegociação do Nafta
    - Aumento das exigências para visto americano
    - Restrição à atuação de lobistas na Casa Branca
    - Congelamento de contratações de funcionários
    - Corte de recursos a "cidades-santuário"

    APROVADAS EM PARTE
    - Deportações: cogita poupar imigrantes ilegais sem crimes graves

    DERRUBADAS
    - Fim da reforma de saúde de Obama: retirada pela Câmara
    - Veto a refugiados e cidadãos de seis países: suspenso pela Justiça

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