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    Nacionalistas russos pedem devolução do Alasca, vendido em 1867 aos EUA

    IGOR GIELOW
    DE SÃO PAULO

    30/03/2017 02h00

    As dificuldades de ocupar territórios distantes da Rússia, palcos de alguns dos protestos que abalaram o Kremlin no domingo (26), não impediram a ressurreição de um movimento popular entre nacionalistas mais radicais no país: aquele que pede a devolução do Alasca.

    Há 150 anos, completados nesta quinta (30), o governo imperial de Moscou vendeu o território para a administração norte-americana por US$ 7,2 milhões, valor hoje equivalente a US$ 123 milhões.

    Reprodução
    Gravura do século 19 relata a assinatura do tratado de compra do Alasca entre Rússia e Estados Unidos
    Gravura do século 19 relata a assinatura do tratado de compra do Alasca entre Rússia e Estados Unidos

    Foi uma pechincha, especialmente se considerada a riqueza em petróleo e gás de seu subsolo que seria descoberta no século seguinte.

    Nada disso era conhecido em 1867, contudo. A Rússia estava enfraquecida pela guerra contra os britânicos na Crimeia (1853-56) e temia perder seu território na América do Norte sem compensações adequadas.

    Já os EUA queriam expandir as fronteiras após sua violenta guerra civil (1861-65).

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    A rússia asiática e o Alasca

    RAIO-X
    ÁREA 1,71 milhão de km2 (pouco maior que o Amazonas)
    POPULAÇÃO 740 mil (equivalente ao Amapá)
    DENSIDADE 0,49 habitante/km2
    ECONOMIA 80% petróleo e gás, pesca e outros

    CRONOLOGIA

    Século 17
    Primeiras expedições russas

    1799
    Estabelecimento da Companhia Russo-Americana

    1804
    Estabelecimento da América Russa

    1867
    Venda para os EUA

    1959
    Território vira Estado

    1968
    Descoberta de petróleo

    1989
    Acidente com petroleiro Exxon Valdez

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    O então Aliaska, nome russo retirado da designação nativa da região para a península junto às ilhas Aleutas, fornecia retaguarda contra tentativas britânicas ou francesas de recolonização da América do Norte.

    Isso não impediu forte resistência doméstica ao negócio, considerado pela imprensa e por congressistas como uma proverbial "fria". O principal proponente do negócios nos EUA, o secretário de Estado William Seward, virou personagem clássico de cartuns satíricos nos quais o czar Alexandre 2º tirava vantagens da venda de um "pedaço de terra gelada".

    TEORIA CONSPIRATÓRIA

    Isso é o que a historiografia clássica diz. Para alguns nacionalistas russos, o que ocorreu foi um golpe palaciano dado pelo irmão mais novo do czar, o grão-duque Konstantin, que teria então embolsado o pagamento com alguns comparsas.

    A tese era popular na União Soviética, que buscava demonizar todos os aspectos do czarismo que veio a substituir em 1917, mas caiu em desuso. Mas a ascensão do nacionalismo da era de Vladimir Putin no poder, a partir de 2000, a reavivou.

    Editoria de Arte/Folhapress
    Cartum mostra pedaço de gelo sendo entregue no Congresso dos EUA, "para esfriar a maioria"
    Cartum mostra pedaço de gelo sendo entregue no Congresso dos EUA, "para esfriar a maioria"

    Ela encontra eco na cultura popular. A banda de rock Lyube, conhecida por seus hinos às virtudes nacionais russas, lançou uma música pedindo o "retorno do Alasca".

    Não existe, contudo, muita produção acadêmica a tentar sustentar a ideia. Um livro foi lançado em 2014 alinhavando os pontos da teoria, "A traição e o roubo do Alasca", do historiador Ivan Mironov.

    Lá estão a ideia da conspiração palaciana e argumentos contrários à ideia de que a Rússia estava fraca: ela tinha ajudado o governo de Abraham Lincoln (1861-1865) durante a guerra civil, e os gastos no Alasca eram exclusivos dos investidores da Companhia Russo-Americana.

    A empresa administrava a região e explorava o comércio de peles desde 1799, tendo 2.500 russos e 8.000 locais sob seu comando —havia também cerca de 50 mil nativos no território.

    Para o historiador, os descendentes de acionistas, que não ganharam nada com a venda, deveriam buscar reparação judicial.

    Mironov é um nacionalista amalucado que ficou dois anos preso por tentar matar o pai do programa de privatizações pós-soviéticas, Anatoli Tchubais, em 2005.

    Mas um leitor em especial comprou sua ideia e até escreveu o prefácio do livro: Dmitri Rogozin. Líder de um partido nacionalista, o Rodina, ele foi alçado por Putin ao poderoso cargo de vice-premiê responsável pela indústria de defesa do país.

    É um radical, mas não um qualquer, com acesso ao centro do poder. O que o chefe dele acha da ideia? Há três anos, Putin ouviu uma piada durante uma entrevista coletiva sobre o Alasca ser um "ice cream", palavra inglesa para sorvete que, numa mistura fonética com o russo, soa como "Crimeia gelada".

    Putin acabara de anexar a Crimeia, península na Ucrânia, na esteira do movimento que derrubou o governo que o apoiava em Kiev.

    Na entrevista, o presidente apenas riu sobre a insinuação de invadir o Alasca e disse que já era muito difícil subsidiar as regiões distantes da Rússia. "É muito frio lá."

    A Rússia tem outras questões territoriais abertas, como a disputa por ilhas com o Japão. E Putin está efetivamente reconstruindo a zona de influência da antiga União Soviética.

    Mas daí a imaginar que ele buscaria reaver o maior Estado do país mais poderoso do mundo há uma distância bem maior do que os 82 quilômetros do estreito de Bering, que a separa da antiga colônia.

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