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    ANÁLISE

    Berço político de Putin e sede da Copa, cidade é alvo pela 1ª vez

    IGOR GIELOW
    DE SÃO PAULO

    03/04/2017 12h40

    Reprodução/Twitter/5tv
    Explosão em metrô de São Petersburgo, na Rússia, deixa mortos
    Explosão em metrô de São Petersburgo, na Rússia, deixa mortos

    O simbolismo associado ao ataque terrorista contra o metrô de São Petersburgo, caso a apuração confirme o que parece evidente, é enorme. A cidade é a "capital europeia" da Rússia, e historicamente se vê como a ponte cosmopolita entre a vastidão asiática do país e a modernidade do Ocidente.

    E a cidade é o berço político de Vladimir Putin, o presidente que por sinal estava por lá quando a bomba explodiu. Ele surgiu como braço-direito do prefeito reformista Anatoli Sobchak, no começo dos anos 90, e quando subiu ao poder levou consigo um grupo composto por economistas liberais e colegas da antiga KGB vindos de São Petersburgo _o tempo passou e houve expurgos, mas esta é outra história.

    Há outros fatores. A cidade sediará, no dia 17 de junho, a estreia da Copa das Confederações da Fifa, jogo entre Rússia Nova Zelândia. A final do torneio também ocorrerá em São Petersburgo, que é uma das sedes da Copa de 2018 que interessam ao Brasil.

    Isso cria alarme, mas usualmente leva ao aumento das medidas de controle. Quando houve ataques inspirados por rebeldes tchetchenos na cidade de Volgogrado, perto da sede da Olimpíada de Inverno de 2014, Sochi, o pânico instalou-se entre delegações. Nada aconteceu, ao fim.

    São Petersburgo, apesar de ser berço histórico do terrorismo que sacudiu os últimos 20 anos do Império Russo antes da revolução de 1917, não tinha sido atingida pelo mal no século 21. Houve vários episódios menores, mas nada como o ataque desta segunda. A descrição do ocorrido aponta para o modelo "lobo solitário" associado a EI (Estado Islâmico) que a Rússia também combate em campo na Síria.

    É também a primeira vez que terroristas agem em cidades grandes russas desde o atentado contra um aeroporto moscovita em 2011, que deixou 37 mortos. Toda a atividade neste tempo esteve concentrada em alvos na conturbada região do Cáucaso, que vive sob intenso controle militar de Moscou por sediar uma miríade de grupos separatistas e fundamentalistas islâmicos _quando não as duas coisas juntas.

    Com a campanha na Síria, os russos ganharam mais um inimigo, o EI, além dos já conhecidos adversários da Tchetchênia e do Daguestão. Ainda que sua ação no país árabe vise apoiar o regime do ditador Bashar al-Assad e mire mais os rebeldes (tanto religiosos como seculares) contrários a ele, o EI também está na lista de alvos. A primeira retaliação foi a derrubada de um avião de turistas russos sobre o Egito, em 2015, que matou 224 pessoas.

    O ataque certamente irá reacender a veia conspiratória da política russa. Em 1999, uma série de atentados em Moscou e outras duas cidades deixou cerca de 300 mortos e foi vital para justificar a brutal campanha da segunda guerra na Tchetchênia, que acabou com a vitória do Kremlin.

    O governo de Boris Ielstin manquitolava para seu final, e o recém-apontado premiê Vladimir Putin fortaleceu-se tanto que viabilizou sua indicação à Presidência quando o titular renunciou em 31 de dezembro _e a eleição em 2000 que abriu a era que leva seu nome na história russa.

    Não foram poucos jornalistas e acadêmicos que apontaram suspeitas sobre os ataques. Eles seriam obras de terroristas com salvo-conduto ou sob vista grossa do FSB, a antiga KGB de onde emergiu Putin. Uma comissão de inquérito foi formada e, três anos anos depois a culpa ficou na conta dos terroristas.

    Neste momento, Putin enfrenta os primeiros protestos sérios contra seu governo desde 2012. Há duas semanas, multidões foram à rua organizadas por meio de redes sociais e ativistas liderados pelo blogueiro Alexei Navalni _que foi preso temporariamente.

    Putin, apesar de ostentar 84% de apoio, vê seu governo ser aprovado por 47% _os dados são do Centro Levada, em pesquisa de 2016. A economia russa está em dificuldades, tentando sair da recessão em que caiu devido ao preço baixo do petróleo que a move e às sanções ocidentais por ter anexado a Crimeia em 2014.

    Com a eleição presidencial de 2018 no horizonte, não faltará quem vá especular que o ataque pode ter sido facilitado para lembrar aos russos a necessidade de um líder forte para atuar contra o terror. Contra o argumento, o fato de que o berço do putinismo foi atingido pela primeira vez com essa magnitude, o que demonstraria fraqueza.

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