• Mundo

    Friday, 03-May-2024 08:20:53 -03

    Desabitado, oriente russo impõe desafios para Putin

    IGOR GIELOW
    NA RÚSSIA

    09/04/2017 02h05

    Igor Gielow/Folhapress
    Praça com candelabro judaico na frente da estação de trem de Birobidjan, no Extremo Oriente russo.foto Igor Gielow/Folhapress ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Praça com candelabro judaico diante da estação de trem de Birobidjan, no Extremo Oriente russo

    Uma ponte bilionária e pouco usada no fim da Transiberiana, no distante Extremo Oriente da Rússia, simboliza de forma eloquente as dificuldades que o país de Vladimir Putin enfrenta para desenvolver sua vasta porção asiática.

    Os protestos anticorrupção registrados no país no fim de março atingiram várias cidades da região, insinuando que não apenas as manifestações pontuais contra problemas econômicos crônicos estão na ordem do dia.

    A Rússia se divide em 25% de território europeu, que concentra 77% da população de 143 milhões de pessoas. O leste na Ásia fica com o resto e uma densidade populacional de apenas um décimo.

    Seu território é composto por boa parte do distrito dos Urais, pelo distrito da Sibéria e pelo do Extremo Oriente. Essa fatia é a mais desabitada e subdesenvolvida: entre 1998 e 2014, seu PIB cresceu 3 bilhões de rublos (equivalente a R$ 165 milhões), contra 12 bilhões (R$ 661 milhões) de Moscou sozinha.

    É lá que fica a ponte Russky, integrante do conjunto viário criado por Moscou em Vladivostok em 2012, para modernizar a comunicação entre a maior cidade da região e suas duas ilhas principais. Na maior delas, homônima, foi construído um complexo para sediar a reunião de cúpula de líderes asiáticos e do Pacífico, convertido no campus da universidade federal local.

    Folhapress
    RAIO-XEntenda a Rússia asiática
    RAIO-XEntenda a Rússia asiática

    O complexo, enorme e moderno, é deserto. Dos 30 mil estudantes, cerca de 10% moram nos dormitórios, que têm espaço para três vezes mais alunos. "É muito frio aqui", conta Wu, 22, estudante chinês de biologia marinha. No inverno a temperatura pode bater nos 40 graus negativos.

    A ponte custou estimados US$ 1,3 bilhão, e o campus, US$ 2 bilhões. "Não sabemos bem por que gastaram essa fortuna aqui", diz Viacheslav Semonov, taxista na casa dos 40 anos que trabalha na região desde 2006 e se diz eleitor frustrado de Putin.

    Os carros que utilizam a ponte, inclusive o do motorista, sinalizam o predomínio dos vizinhos economicamente mais poderosos. São quase todos japoneses e usados, o que ainda gera um fato pitoresco: como os veículos do país vizinho rodam pela esquerda, os motoristas têm de se virar para trafegar na mão direita vigente na Rússia.

    A cidade ainda tem uma profusão de investimentos sul-coreanos e chineses. A influência dos vizinhos de Pequim, aliás, é a grande preocupação de Putin na colonização das áreas fronteiriças.

    Após decretar o tema "prioridade nacional do século 21" em 2013, o presidente começou a estimular a migração ao estilo dos czares, ou seja, dando terra de graça. O problema é que o território, de 1 hectare, é insuficiente para produção econômica sustentável.

    O site do programa informa que 7.448 dos 73.623 pedidos por terra já foram aceitos até aqui, mas não diferencia quem já morava na região e eventuais forasteiros.

    O Extremo Oriente russo tem 6,1 milhões de habitantes, contra 110 milhões de chineses concentrados na Manchúria, ao sul. Em alguns pontos, o comércio é todo de produtos da China.

    Devido ao frio extremo do inverno, durante dois meses não há atividade econômica no Extremo Oriente e partes da Sibéria.

    Assim, os subsídios abundam: os 408 mil passageiros que voaram para o Extremo Oriente em 2016 chegaram lá por meio de um programa de incentivo que deu pouco mais de US$ 50 milhões às empresas aéreas locais.

    Os centros populacionais seguem a ferrovia Transiberiana, unindo Moscou a Vladivostok. São soluços, minúsculos ou grandes como o ponto final de 600 mil habitantes, ao longo da maior parte dos 9.289 km de rota.

    "Israel de Stálin"

    Na estação de trem, letreiros estão em russo e iídiche, língua dos judeus do Leste Europeu. Na praça à frente há uma menorá, o candelabro judaico. Poderia ser uma vila de maioria russa em Israel, mas é Birobidjan, 8.350 km a leste de Moscou.

    A cidade é a capital da Região Autônoma Judaica, a "Israel de Stálin", um lugar com área pouco maior do que Porto Velho que foi criado em 1934 pelo ditador para acomodar os judeus soviéticos e estimular a ocupação do vazio demográfico na fronteira.

    O lugar demonstra que as tentativas de colonização da região sempre enfrentaram obstáculos.

    "Vieram de todos os lugares, mas o clima acabou espantando a todos", conta Albina Sergeieva, curadora do museu da única sinagoga local. De um pico estimado em 30 mil judeus na região, hoje há pouco mais de 2.000 residentes.

    Além do clima, ajudaram a afastar os colonos a repressão ocorrida nos anos finais do stalinismo.

    O fim da União Soviética trouxe o epílogo da saga, com cerca de 10 mil judeus emigrando para Israel a partir dos anos 90.

    Hoje, os remanescentes lutam para preservar a cultura dos pioneiros, visível também nas placas de rua e em um restaurante típico ao lado da sinagoga.

    "Os jovens querem ir embora, judeus ou não", diz a professora Galya Ivanova, 30, lembrando a dificuldade de morar no Extremo Oriente russo.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024