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    Governo Trump

    Análise

    Turbulência na política externa expõe briga dentro da Casa Branca

    MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
    DE NOVA YORK

    11/04/2017 15h07

    Se não foi um sucesso estrondoso, a retaliação contra o ataque com armas químicas supostamente ordenado pelo ditador sírio, Bashar al-Assad, atingiu em parte o alvo que Donald Trump esperava.

    Além dos afagos circunstanciais de boa parte da mídia, sua ação obteve bons índices de apoio em pesquisas. Na do Gallup, 50% dos americanos foram favoráveis; na da CBS News, 57%.

    Para quem perdia prestígio em alta velocidade e sofria diária marcação de veículos e articulistas da grande imprensa, a trégua, por efêmera que seja, veio a calhar e pode ter dado ao presidente uma confirmação do valor de seus instintos pessoais de sobrevivência —o que é, no final das contas, um perigo, tratando-se de uma liderança com vocação personalista e autoritária.

    Trump já declarou que não é presidente do mundo, mas dos EUA. "América primeiro", como se sabe, é o seu lema. O mundo, já disse também, é "uma bagunça" que basicamente existe para prejudicar interesses norte-americanos. Melhor manter distância.

    Era esse o discurso de campanha. Os EUA não iriam mais se meter no Oriente Médio. Atacar a Síria seria brincar com uma possível Terceira Guerra Mundial e a política de derrubar regimes seria sepultada. Remover Bashar al-Assad, como reafirmou os EUA na ONU, não era prioridade.

    As promessas acabaram alvejadas por 59 mísseis Tomahawk. Não por acaso vários representantes do conservadorismo linha-dura que apoiaram Trump manifestaram-se contra a retaliação e ameaçaram sair do trem.

    A reviravolta na política externa —se é que se pode falar em política externa— demonstra quão errático pode ser o presidente, a depender de suas intuições e de seu pragmatismo —e também dos resultados das estratégias propostas por seu círculo mais próximo de conselheiros.

    E nesse terreno, a Casa Branca vê-se às voltas com outra confusão. O conselho de sábios do palácio está em guerra para conquistar influência sobre Trump.

    O estrategista-chefe Stephen Bannon, que detesta muçulmanos, tem ojeriza ao establishment e quer refundar os EUA (e quem sabe o universo) com seu improvável ideário de "direita alternativa", procura desempenhar o papel de guardião dos compromissos de campanha.

    É o mentor, por exemplo, das ordens executivas contra a imigração. Mas está em flagrante declínio, enquanto Trump cada vez mais colide com a extrema direita, que lhe causou a grande frustração de não aprovar a reforma do Obamacare na Câmara.

    A estrela em ascensão é Jared Kushner, o genro de 36 anos, também de família endinheirada, que poderia ser definido em matéria de política como um centrista da elite 1%.

    Mike Segar - 7.jun.2016/Reuters
    Donald Trump speaks as his son-in-law Jared Kushner (L) and his daughter Ivanka listen at a campaign event at the Trump National Golf Club Westchester in Briarcliff Manor, New York, U.S., June 7, 2016.
    Jared Kushner (à esq.) com sua mulher, Ivanka, durante comício de Donald Trump em junho de 2016

    Bannon passou as últimas semanas bombardeando Kushner. O site de notícias Breitbart, do qual o estrategista se afastou formalmente, publicou uma série de notícias desfavoráveis ao genro, que Bannon classifica como um democrata.

    Outro alvo é o conselheiro para assuntos econômicos, Gary Cohn, um banqueiro que fez carreira no Golman Sachs, foi acusado de racismo em outros tempos, e é formalmente filiado ao Partido Democrata.

    O terceiro ator da disputa é Reince Priebus, o chefe de gabinete, que foi presidente do Comitê Nacional do Partido Republicano. Também tem atritos com Kushner e Cohn, e disputa com Bannon a ala direita —é um homem de partido e não um ultraconservador contra tudo.

    Trump já deu uma bronca pública em todos eles. Especula-se que estuda mudanças no gabinete. Os ventos por ora parecem apontar na direção do centro, numa tentativa de mais diálogo com o establishment e com os democratas.

    Mas, claro, a biruta do populismo personalista de Trump (ele também já foi democrata) pode virar a qualquer minuto.

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