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    Referendo na Turquia aprova ampliação de poderes de Erdogan

    DIOGO BERCITO
    ENVIADO ESPECIAL A ISTAMBUL

    16/04/2017 13h27 - Atualizado às 23h33

    Murad Sezer/Reuters
    Turkish President Tayyip Erdogan greets his supporters in Istanbul, Turkey, April 16, 2017. REUTERS/Murad Sezer ORG XMIT: ist602
    O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, participa de comício em Istambul

    O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, venceu o disputado plebiscito constitucional deste domingo (16) que lhe permitirá concentrar ainda mais poderes.

    O "sim" teve 51% dos votos, com 99% das urnas apuradas. O resultado já foi chancelado pelo Supremo Comitê Eleitoral, que divulgará os dados finais nos próximos dias.

    A oposição apontou fraudes e disse que irá contestar a contagem, o que deve abrir novo capítulo de instabilidade no país majoritariamente muçulmano de 80 milhões de habitantes encravado entre a Europa e países do Oriente Médio conflagrados.

    Erdogan telefonou a seus aliados para celebrar a conquista, com a qual aprovou 18 emendas à Constituição.

    Em discurso, ele disse que o resultado consolida "a unidade, fraternidade e harmonia entre os cidadãos" e pediu que a comunidade internacional respeite o voto.

    "Temos muito a fazer. Está na hora de trocar de marcha e ir mais rápido", disse Erdogan. "Estamos fazendo a reforma mais importante da história da nossa nação."

    O presidente, que é acusado pela oposição de perseguir inimigos desde a tentativa frustrada de golpe militar em julho passado, também afirmou que cogita convocar um novo plebiscito para que a população decida sobre a reinstituição da pena de morte.

    O "sim" venceu predominante no interior turco, em regiões governistas como Konya. Mas as três maiores cidades –Istambul, Esmirna e a capital, Ancara– rejeitaram as emendas à Carta. O "não" prevaleceu na costa do Egeu, no oeste, e na parte europeia.

    Simpatizantes do partido governista AKP (Justiça e Desenvolvimento) comemoraram em Istambul com fogos de artifício. Em bairros de oposição como Cihangir, no entanto, houve panelaço.

    A aprovação do plebiscito por uma margem curta levará a atritos políticos. O CHP (Partido Republicano do Povo), principal força de oposição, pediu a recontagem de 37% das cédulas, que não teriam o carimbo oficial e, portanto, seriam irregulares. As autoridades eleitorais, porém, validaram esses votos.

    Alkis Konstantinidis/Reuters
    Supporters of Turkish President Tayyip Erdogan celebrate at the AK party headquarters in Istanbul, Turkey, April 16, 2017. REUTERS/Alkis Konstantinidis ORG XMIT: IST212
    Apoiadores do presidente Tayyip Erdogan comemoram nas ruas de Istambul

    REPRESSÃO

    Com o voto, a Turquia transformará sua democracia parlamentar em um sistema presidencial, extinguindo o cargo de premiê. As mudanças entram em vigor nas próximas eleições, em 2019.

    É a maior alteração política desde o início da república, em 1923, e o fim do califado, em 1924. O presidente poderá, entre outras medidas, nomear juízes à mais alta corte e aprovar o Orçamento.

    Erdogan está no poder desde 2003, quando era premiê. Ele tomou posse como presidente em 2014 e poderá se reeleger mais duas vezes –o que o levaria a superar 25 anos de mando.

    A campanha do governo insistiu em que essas medidas favorecem o país, ao ampliar as prerrogativas do Executivo em tempos de crise.

    A oposição, no entanto, afirma que as mudanças são uma grave guinada ao autoritarismo, em um país no qual a concentração de poder recrudesceu nos últimos anos.

    "Esse plebiscito é uma piada", diz Anil Alçin, 46, que fez campanha pelo "não" na região asiática de Istambul. "Erdogan já tem sua ditadura e pode fazer o que quiser."

    Depois de uma tentativa frustrada de golpe militar em 15 de julho de 2016, o governo prendeu 45 mil pessoas e removeu 130 mil de suas funções públicas. O país está em estado de emergência.

    Por outro lado, a sensação de insegurança, agravada por atentados terroristas e pelo embate com milícias curdas, favorece o argumento do governo de que precisa de um presidente com mais poder.

    "O Exército hoje está dividido demais", diz Hamza Topçu, 23. Parte de um coletivo de jovens pró-governo, ele afirma que a vitória irá permitir a unidade, o crescimento econômico e a independência do Judiciário –embora Erdogan possa agora nomear juízes.

    Os partidários do governo discordam também de que as emendas na Constituição signifiquem a concentração excessiva de poderes.

    Para Ali Said Kose, 26, o termo de comparação são os governos europeus, dos quais a Turquia tem se afastado, alinhando-se à Rússia e ao Irã.

    "Os governos europeus também não têm presidentes fortes? Eles são antidemocráticos por isso?".

    A vitória de Erdogan amarga a complicada relação com a União Europeia, afetando toda a região. A Turquia é membro-chave da Otan, aliança militar ocidental.

    Esses laços já foram abalados nos últimos meses pela campanha do governo. Alemanha e Holanda proibiram comícios oficiais, no que a Turquia descreve como "práticas nazistas". As relações de alto nível com Amsterdã foram rompidas. Com o "sim", a Turquia fica ainda mais longe da adesão à UE.

    REAÇÃO DA UE

    A UE reagiu com cautela à vitória de Erdogan no plebiscito deste domingo.

    Jean-Claude Juncker, chefe da Comissão Europeia (braço executivo da UE) pediu que as autoridades do país "busquem o maior consenso possível" para implementar as mudanças que ampliam poderes do Executivo.

    Ele também disse aguardar relatos de observadores internacionais sobre os indícios de irregularidades.

    VOTO POR REGIÃOGrandes cidades votaram "não", e interior votou "sim"

    *

    PLEBISCITO TURCO
    População votou neste domingo (16) para dar mais poderes a Erdogan

    O QUE ESTÁ EM DEBATE?
    Os turcos aprovaram, por 51% dos votos, alterações na Constituição, transformando o sistema parlamentar em presidencial e abolindo o cargo de premiê. As mudanças devem entrar em vigor em 2019

    QUEM OCUPA ESSES CARGOS HOJE?
    O presidente é Recep Tayyip Erdogan e o premiê é Binali Yildirim, ambos do partido conservador AKP

    O QUE ISSO SIGNIFICA NA PRÁTICA?
    O presidente terá mais poderes, como o de nomear e exonerar ministros e juízes. Ele também poderá emitir decretos em algumas áreas

    É UM PROBLEMA?
    Parte da população acredita que sim. O presidente –ou seja, Erdogan– terá muito mais poder. O cenário preocupa porque, nos últimos meses, o governo já tem recrudescido seu controle

    POR QUE ISSO ESTÁ ACONTECENDO AGORA?
    A Turquia sobreviveu a uma tentativa de golpe de Estado em julho de 2016, o que deu fôlego ao governo de Erdogan e justificou uma série de medidas consideradas demasiado repressivas. A campanha pelo "sim" diz que, neste período de instabilidade, o país precisa de um governo forte

    TODO O MUNDO APOIA?
    Não. O partido de centro-esquerda CHP e o esquerdista HDP, por exemplo, fazem campanha pelo "não"

    E OS EXPATRIADOS?
    A votação fora da Turquia já foi encerrada na semana passada e esse voto ajudou a determinar o resultado -no exterior, o apoio ao "sim" chegou a 59%. Há 5,5 milhões de turcos no exterior, segundo o governo, a maior parte deles na Europa. A população turca é de 80 milhões de pessoas

    QUAL É A OPINIÃO FORA DA TURQUIA?
    Líderes internacionais já demonstraram receio quanto às mudanças na Turquia. A Comissão Europeia divulgou uma nota descrevendo as mudanças como "excessivas"

    ISSO AFETARÁ AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS?
    Provavelmente. Já houve atrito porque governos europeus, como Alemanha e Holanda, impediram comícios em seus países. Erdogan acusou a chanceler alemã, Angela Merkel, de "práticas nazistas"

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