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    EUA enfrentam 'crise dos mísseis' em câmera lenta na Coreia do Norte

    DAVID E. SANGER
    WILLIAM J. BROAD
    DO "NEW YORK TIMES"

    17/04/2017 08h04

    AFP

    Todos os elementos da crise nuclear da Coreia do Norte ficaram expostos com destaque no fim de semana: o esforço incansável de Kim Jong-un para formar um arsenal, a propaganda política e a enganação em torno do avanço desse esforço, os indícios de uma guerra oculta dos Estados Unidos para solapar o esforço, em vez de ser obrigados a entrar em um confronto aberto.

    Houve o desfile militar na praça central de Pyongyang, com ondas sucessivas de mísseis carregados por lançadores portáteis, visando transmitir a impressão de que o programa de Kim é irrefreável. Em seguida, outro revés embaraçoso: um teste de míssil que falhou segundos depois de lançado, repetindo o que foi visto em um número surpreendente de lançamentos desde que o presidente Barack Obama ordenou a intensificação de ataques cibernéticos e eletrônicos, no início de 2014. Finalmente, houve o teste que não aconteceu, ou ainda não aconteceu: uma sexta explosão nuclear.Imagens de satélite mostram que o artefato está pronto para ser detonado.

    Para Robert Litwak, do Centro Internacional Woodrow Wilson para Acadêmicos, que estuda essa interação potencialmente letal, o que está acontecendo é "a crise dos mísseis de Cuba em câmera lenta". Mas a parte de câmera lenta parece estar se acelerando, na medida em que o presidente Donald Trump e seus assessores já deixaram claro que os Estados Unidos não vão mais tolerar os avanços incrementais que levaram Kim tão perto de alcançar seus objetivos.

    O secretário de Estado, Rex Tillerson, disse repetidas vezes que "nossa política de paciência estratégica se esgotou, endurecendo a posição dos EUA, ao mesmo tempo em que Kim avança constantemente em direção a duas metas principais: reduzir uma arma nuclear para um tamanho capaz de se encaixar em cima de um míssil de longo alcance e desenvolver uma bomba de hidrogênio, mil vezes mais potente que as armas atômicas ao estilo da bomba de Hiroshima que a Coreia do Norte construiu até agora.

    A analogia histórica encerra alguns riscos –o presidente John Kennedy lidou com os soviéticos e Fidel Castro durante 13 dias altamente perigosos em 1962, enquanto as raízes da crise coreana remetem a um quarto de século atrás–, mas um paralelo se destaca claramente. Quando ambições nacionais, ego pessoal e armas letais fazem parte do coquetel, as oportunidades de um erro de cálculo são múltiplas.

    Trump, até agora, vem jogando –militarmente, pelo menos– tão cautelosamente quanto seus predecessores: a série de reuniões de emergência na Casa Branca chegou à conclusão previsível de que, embora os EUA possam ser mais agressivos, não devem chegar a confrontar a Coreia do Norte tão diretamente a ponto de correr o risco de reacender a Guerra da Coreia, quase 64 anos depois de ela ter terminado em um armistício apreensivo.

    Mas o impasse está ganhando contornos cada vez voláteis. A promessa feita por um presidente americano recente de jamais permitir que a Coreia do Norte coloque cidades dos EUA em risco –"isso não vai acontecer!", ele prometeu no Twitter em 2 de janeiro– se contrapõe a um líder norte-coreano jovem e inseguro que enxerga essa capacidade como sua única garantia de sobrevivência.

    Fica claro que Trump não está familiarizado com esse tipo de dinâmica, fato que ele admitiu implicitamente quando revelou que o presidente da China, Xi Jinping, lhe deu o equivalente a um cursinho intensivo sobre relações entre China e Coreia do Norte. Trump emergiu surpreso com o fato de que Pequim não exerce sobre o país vizinho pobre o tipo de controle absoluto que no ano passado Trump insistia ser o caso.

    "Depois de ouvir por dez minutos, entendi que não é tão fácil assim", disse Trump. "Não é o que se poderia pensar."

    No domingo (16), o assessor de Segurança Nacional de Trump, general H.R. McMaster, falou do equilibrismo difícil na relação com a Coreia do Norte. Ele próprio historiador militar, McMaster disse no programa "This Week", da ABC, que, embora o presidente não tenha descartado nenhuma opção, é hora de os Estados Unidos "entrarem em ação, mas sem chegar a lançar um conflito armado, para que possamos evitar o pior" no trato com "este regime imprevisível". Traduzindo: ataques preventivos não estão sendo cogitados, pelo menos por enquanto.

    O fato de Kim não ter conduzido um teste nuclear no fim de semana, para coincidir com o 105º aniversário do nascimento de seu avô, fundador da Coreia do Norte e de seu programa nuclear, pode indicar que Xi Jinping o fez recuar momentaneamente. Na versão da Casa Branca, Xi estaria reagindo a pressões de Trump para que ameaçasse cortar o suprimento energético e os vínculos financeiros com Pyongyang –as duas coisas que a China garante à Coreia do Norte e que são essenciais à sobrevivência desta como Estado.

    "Por que eu chamaria a China de manipuladora de sua moeda quando ela está cooperando conosco no problema norte-coreano?", indagou Trump em um post no Twitter na manhã de domingo, deixando claro que tudo, incluindo as questões comerciais que ele, quando candidato, prometeu que resolveria, pode ser utilizado como moeda de barganha no esforço para desarmar a Coreia do Norte.

    Pyongyang está tentando criar a impressão de que já é tarde demais para alguém tentar desarmá-la –ou seja, que o país já alcançou um ponto decisivo e sem retorno em seu esforço nuclear. Foi por isso que Kim ficou em pé durante horas no sábado enquanto tantos mísseis desfilavam à sua frente, carregados por lançadores portáteis que podem ser escondidos nas centenas de túneis escavados nas montanhas da Coreia do Norte.

    Mas o dia de outro modo triunfal do líder norte-coreano virou constrangedor quando o teste de míssil fracassou. No passado a Coreia do Norte teve muitos êxitos no lançamento de mísseis, tanto assim que seus mísseis eram vendidos em todo o mundo. Então os lançamentos começaram a fracassar, sugerindo a presença de uma ação oculta de Washington.

    Os maiores reveses norte-coreanos giraram em torno do míssil mais perigoso que o país testou até agora, conhecido como o Musudan. No ano passado, o índice de lançamentos fracassados chegou a 88%. Consta que Kim teria pedido uma investigação para apurar possível sabotagem do exterior, e o Musudan deixou de ser visto desde então.

    Questionado pela emissora Fox News no domingo sobre se os EUA tiveram alguma participação no fracasso do lançamento mais recente de míssil, K.T. McFarland, o vice de McMaster que está prestes a deixar o cargo, respondeu: "Você sabe que não podemos falar sobre isso". É provável que tenham participado; ninguém sabe ao certo, mas a ambiguidade, segundo especialistas em inteligência, apenas alimenta a paranoia da Coreia do Norte.

    PERIGO NA VIZINHANÇAGrandes cidades são alvo em potencial das ameaças bélicas da Coreia do Norte

    Tradução de CLARA ALLAIN

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