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    Força de populistas em lados opostos na França é única, diz cientista político

    DIOGO BERCITO
    ENVIADO ESPECIAL A MARSELHA (FRANÇA)

    20/04/2017 02h00

    As eleições francesas, com primeiro turno neste domingo (23), podem ser decididas por dois candidatos populistas que defendem retirar a França da União Europeia.

    Marine Le Pen, de extrema direita, e Jean-Luc Mélenchon, de extrema esquerda, estão entre os favoritos para o segundo turno em 7 de maio.

    Arquivo Pessoal
    O cientista político Cas Mudde diz que força de extremismos opostos, como na França, é atípica
    O cientista político Cas Mudde diz que força de extremismos opostos, como na França, é atípica

    A força simultânea de populistas de direita e esquerda é atípica, diz o cientista político Cas Mudde, especialista no tema. Professor na Universidade da Geórgia (EUA), ele publicou neste ano "Populismo: Uma Brevíssima Introdução" (Gradiva, Portugal).

    O sucesso de Le Pen e Mélenchon é explicado pelo desastre dos partidos tradicionais e apresenta riscos ao sistema, afirma. Mas a ascensão do populismo tem também consequências positivas, segundo Mudde. Esses partidos trazem à discussão questões que até então escapavam ao debate público, como a migração. "O problema é que dão as respostas erradas."

    Determinadas experiências populistas podem também servir de alerta e frear partidos em outros países, diz. Europeus estão observando o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e se assustam com os resultados. "Eles pensam que talvez não seja uma boa ideia tentar a mesma coisa em casa."

    Quatro candidatos lideram a disputa no primeiro turno francês. Uma sondagem publicada na quarta prevê 23,5% dos votos para o centrista Emmanuel Macron, 22,5% para Le Pen, 19,5% para o conservador François Fillon e 18,5% para Mélenchon. A margem de erro é de 1,4 ponto.

    *

    Folha - Há preocupação na Europa quanto à possível vitória de Le Pen ou Mélenchon. Qual é o risco real?

    Cas Mudde - O populismo é preocupante em si porque leva a uma polarização. Esses políticos enxergam uma distinção moral entre eles e os outros, que chamam de "elite". É difícil entrar em acordo, porque eles pensam que os seus oponentes não têm legitimidade. Isso é um risco ao sistema. Tanto Marine Le Pen como Jean-Luc Mélenchon querem deixar a União Europeia, o que iria destruir o bloco econômico.

    Que contexto possibilitou o fortalecimento simultâneo de partidos populistas na direita e na esquerda?

    A maioria dos populistas bem sucedidos na Europa vêm da direita. Há populistas de esquerda no sul do continente, por exemplo, na Espanha. Mas é um cenário único que ambos os populistas de direita e de esquerda tenham sucesso na França. Isso diz muito sobre o 'mainstream'. Esses partidos só vencem quando o as siglas tradicionais falham.

    O sr. argumenta, em sua obra, que a Frente Nacional, de Le Pen, é um protótipo de todo o populismo europeu. Por quê?

    Foi um dos primeiros partidos populistas e muitas de suas decisões foram copiadas em outros países, como a ideia de que "eu digo o que vocês pensam". E foi um dos primeiros a ter sucesso relativo.

    O sr. tem reservas quanto ao uso do termo "populismo" para descrever esses partidos?

    Esses partidos são mais do que populistas. Hoje tudo é reduzido ao populismo, o que não engloba todo o fenômeno. Há divergências de ideologia que fazem, por exemplo, com que Le Pen e Mélenchon nunca possam trabalhar juntos.

    Parte do sucesso da Frente Nacional está em quebrar tabus, como discutir a crise migratória. Esses tabus estão rompidos para sempre?

    Sim. É muito difícil reinstaurar um tabu depois que ele seja quebrado. Mas o tabu da migração é relativo. A classe trabalhadora já discutia isso, era o 'mainstream' que não.

    O sr. diz que o populismo não é necessariamente negativo. Que efeitos positivos Le Pen e Mélenchon podem ter?

    O populismo é positivo especialmente em países em transição a uma democracia liberal, o que a França já é. Então esse resultado seria pequeno. A contribuição deles é fazer as perguntas certas que não estão sendo feitas. O problema é que eles dão as respostas erradas.

    Partidos tradicionais podem responder essas questões?

    Essas questões são vistas pelos eleitores como propriedade de certos partidos. A migração, por exemplo, é relacionada à Frente Nacional.

    Se a centro-direita passasse a tratar disso, acabaria favorecendo Le Pen, porque os eleitores diriam: "se o problema é a migração, então vou votar na Frente Nacional".

    Há preocupação quanto aos impactos de uma eventual vitória de Le Pen em outras eleições europeias, como a da Alemanha. Eleições podem contagiar umas as outras?

    Eleições nacionais são nacionais. Há um exagero na ideia de contágio entre elas.

    É difícil que um eleitor decida votar em um candidato populista porque um populista venceu em outro país. O que pode acontecer é ele votar em um populista se pensar que um governo populista de outro país cumpriu suas promessas. É difícil, no entanto, que isso aconteça.

    E o inverso?

    Europeus estão observando o presidente dos EUA, Donald Trump, e se assustam com os resultados. Pensam que talvez não seja uma boa ideia tentar o mesmo em casa. Ele terá esse cada vez mais esse efeito.

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