O resultado do primeiro turno na França chega bem perto de uma nova Revolução Francesa: pela primeira vez em 60 anos os grandes partidos da direita e da esquerda estão fora do turno decisivo (no caso, Os Republicanos, a nova marca da direita, e o Partido Socialista, reduzido quase a pó).
As causas dessa derrocada dos partidos tradicionais não são difíceis de identificar e, além disso, podem ser encontradas em outros países e não apenas na França.
Pascal Pavani - 23.abr.2017/AFP | ||
Cartazes de Marine Le Pen e Emmanuel Macron são vistos nas ruas de Valence d'Agen, no sul da França |
São os seguintes, como aponta Zaki Laïdi, professor de Relações Internacionais no Instituto de Estudos Políticos de Paris (a badalada Sciences Po): "O crescimento da desconfiança popular em relação às elites, uma sensação de perda de poder, medo da globalização econômica e da imigração, e ansiedade a respeito da mobilidade social e crescente desigualdade".
Que Marine Le Pen use a desconfiança e os medos como catapulta eleitoral é o habitual. Vem sendo assim desde que seu pai, Jean-Marie Le Pen, conseguiu chegar ao segundo turno em 2002, apenas para ser esmagado por Jacques Chirac.
O que surpreende é que Emmanuel Macron, típico produto da elite e do establishment, consiga introduzir-se, ainda por cima como primeiro colocado, no cenário descrito por Zaki Laïdi.
Macron é tudo e nada ao mesmo tempo. Ou, como o descreve Marc Bassets, correspondente de "El País" em Paris, é "o candidato alquimista, a fusão dos contrários, a esquerda e a direita, o sistema e o antissistema, a continuidade e a ruptura, o liberalismo e a proteção".
Ele próprio aceita essa impossível alquimia, ao comparar-se ao general Charles de Gaulle, o mítico herói da França: "Como o general de Gaulle, escolho o melhor da esquerda, o melhor da direita e, inclusive, o melhor do centro".
Serve para ganhar votos e serve, principalmente, para acalmar a ansiedade da Europa, certa de que sua adversária, Marine Le Pen, dinamitaria o conglomerado europeu e instalaria o caos econômico-financeiro no planeta.
Resta ver se Macron, na hora em que tiver que escolher entre os opostos cuja fusão anunciou na campanha, conseguirá dar um jeito no mal estar que é francês mas é também do mundo ocidental.
Há quem ache que sim, que o candidato de En Marche será capaz de repetir Franklin Roosevelt e desenhar "um compacto social, o 'New Deal', que ainda molda a América, quase um século depois", escreve para o Financial Times Nicolas Colin, cofundador de uma firma multinacional de investimentos.
Completa: "Hoje, toda democracia avançada necessita muito da imaginação radical de um moderno Roosevelt".
A fulminante adesão a Macron do socialista Benoît Hamon e de caciques da direita indica que repetir-se-á a aliança habitual que frustra as ambições dos Le Pen e, por extensão, dará ao candidato alquimista a chance de pôr em prática a mágica vendida na campanha.