• Mundo

    Thursday, 02-May-2024 02:06:19 -03

    O que é necessário para os protestos na Venezuela surtirem efeito

    AMANDA ERICKSON
    DO "WASHINGTON POST"

    27/04/2017 12h25

    As manifestações de protesto na Venezuela nas últimas três semanas chegaram quase ao ponto de ebulição.

    Tudo começou quando o Supremo Tribunal de Justiça destituiu a Assembleia Nacional de poder. O Supremo é controlado pelo presidente Nicolás Maduro, discípulo de Hugo Chávez, enquanto a legislatura democraticamente eleita é dominada por opositores do governo de Maduro. O Supremo Tribunal tentou, na prática, destituir a Assembleia Nacional de sua autoridade, mas reverteu a decisão subsequentemente.

    Carlos Garcia Rawlins/Reuters
    Manifestantes entram em confronto com a polícia na Venezuela nesta quinta (26)
    Manifestantes entram em confronto com a polícia na Venezuela nesta quinta (26)

    Isso por si só já seria o bastante para levar a população à rua. Mas muitos venezuelanos já estão vivendo uma situação insustentável. A escassez de alimentos deixou boa parte da população passando fome, e o acesso a produtos básicos e remédios é intermitente, na melhor das hipóteses. A inflação está descontrolada e a criminalidade faz parte do cotidiano. A corrupção e a má gestão desperdiçaram as enormes reservas petrolíferas do país.

    Mais de 1 milhão de pessoas vêm saindo às ruas há dias em todo o país, na "mãe de todos os protestos", para exigir a renúncia imediata de Maduro e seu vice-presidente (recentemente sancionado nos EUA por alegado envolvimento com narcotráfico).

    O Supremo Tribunal reverteu sua decisão, mas isso não acalmou a oposição. O governo reagiu com gás lacrimogêneo e balas de borracha. Quando isso não funcionou, Maduro convocou seus seguidores a pegar em armas e agir como uma milícia cidadã, saindo às ruas com a finalidade de prevenir um golpe militar. Pelo menos 24 pessoas já foram mortas, e centenas foram detidas.

    Mesmo assim, a oposição prometeu permanecer nas ruas até que sejam convocadas eleições presidenciais (previstas, por enquanto, para 2018).

    Estes são alguns dos maiores protestos já vistos no país. Mas será que vão funcionar? A cientista política Erica Chenoweth, da Universidade de Denver, teceu algumas considerações sobre isso.

    Chenoweth estuda movimentos de massa. Em alguns de seus estudos mais recentes ela analisou todos os esforços populares para derrubar o governo -cerca de 500 deles. E analisou e quantificou os dados para descobrir o que torna esses movimentos eficazes. Segundo sua pesquisa, os protestos de massa têm probabilidade maior de surtir efeito quando dois fatores estão presentes.

    Para começar, ela disse, um número grande de pessoas nas ruas é importante, mas apenas se os manifestantes representam segmentos realmente diversos da sociedade. E a participação não precisa ser avassaladora. Basta levar 3,5% da população de um país para as ruas para um movimento ter grandes chances de surtir efeito.

    Chenoweth diz também que esses movimentos são mais eficazes quando são inovadores e flexíveis, especialmente no caso de regimes mais repressores. Movimentos que, segundo ela, "começam a se diversificar para abranger outras formas de não cooperação, como greves econômicas, boicotes, coisas que sejam capazes de aplicar diversos tipos de pressão sobre o adversário ao mesmo tempo em que minimizam os riscos. Especialmente em países de repressão forte, os protestos podem encerrar grande perigo, mais ainda quando se tornam prevísíveis."

    Essa flexibilidade ajuda com outro fator crucial: a resiliência, mesmo quando a repressão é intensificada.

    Outro fator chave: mudanças na lealdade das forças de segurança. Para Chenoweth, isso não significa que a polícia precise começar a participar de marchas com os opositores. Basta que policiais faltem ao trabalho ou se recusem a disparar contra manifestantes "porque não têm vontade de espancar um bando de senhoras de idade".

    Em último lugar há um fator que talvez pareça o oposto do que se poderia imaginar: os movimentos de oposição não violentos têm o dobro da eficácia dos movimentos violentos. Para Chenoweth, isso pode se dever ao fato de que os movimentos não violentos atraem uma gama mais ampla de pessoas e são sustentáveis por um tempo mais longo.

    Esses fatores estão presentes na Venezuela? Miguel R. Tinker Salas, especialista regional no Pomona College, tem dúvidas quanto a isso.

    Ele observa que a Venezuela é palco de protestos há 16 anos. Embora o movimento atual seja maior, Salas não crê que esteja atraindo o tipo de participantes diversos que seriam necessários para modificar a situação. "Acho que os oposicionistas não ampliaram sua base", ele disse. Outra coisa que preocupa é que a oposição apresentou reivindicações muito rígidas: a renúncia inegociável de Maduro. Isso não deixa margem para o governo, por exemplo, programar eleições regionais este ano, nas quais os candidatos oposicionistas provavelmente seriam os vencedores. Essa intransigência faz com que seja mais difícil atrair moderados para os protestos.

    Também não existem muitas evidências de que os protestos tenham levado as forças de segurança a vacilar, disse Salas, especialmente o exército cidadão leal a Maduro.

    Mesmo assim, ele acha que a carestia presente em todo o país está mobilizando pessoas antes dispostas a deixar o governo corrigir seu rumo. A ideia de carestia vai contra a ideia que os venezuelanos têm sobre seu país -um lugar que sempre foi rico em recursos e onde a população não passava necessidades. "Isso assusta as pessoas, porque foge da narrativa construída", disse Salas.

    Mesmo assim, ele duvida que Maduro renuncie ao poder, a não ser que ocorra algo dramático. E, mesmo que a oposição consiga seu intento, o analista se preocupa com o que virá depois. "Não está claro o que a oposição quer realizar, qual é seu propósito final. Qual é seu programa positivo para liderar o país?".

    Tradução de CLARA ALLAIN

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024