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    Sob temor de ataques terroristas, papa Francisco faz visita ao Egito

    YAN BOECHAT
    ENVIADO ESPECIAL AO CAIRO

    28/04/2017 02h00

    O papa Francisco desembarca nesta sexta (28) no Cairo para a primeira visita de um líder católico ao Egito desde João Paulo 2º em 2000. Francisco ficará 24 horas no país, mas sua agenda carregada é repleta de simbolismo.

    O papa será recebido pelo presidente Abdel Fattah al-Sisi, com quem tratará, ao menos a portas fechadas, da perseguição aos cristãos coptas.

    Yan Boechat/Folhapress
    Cristãos coptas comungam na catedral do Monastério da Virgem Maria e de São Simão, no Cairo
    Cristãos coptas comungam na catedral do Monastério da Virgem Maria e de São Simão, no Cairo

    À tarde, fará um pronunciamento sobre tolerância religiosa com o grande imã do Cairo, xeque Muhammad Ahmed al-Tayeb, e, no fim do dia, visitará a Catedral do Cairo com o papa da Igreja Ortodoxa Copta, Tawadros 2º. O local foi alvo de atentado a bomba no fim de 2016 que deixou mais de 20 mortos.

    No sábado (29), o líder católico celebrará uma missa em um estádio militar na capital egípcia. No meio da tarde, ele retorna ao Vaticano.

    Francisco chega ao Egito apenas três semanas após atentados deixarem 47 mortos e mais de cem feridos em igrejas cristãs coptas no Domingo de Ramos. Com o temor de novos ataques, o governo montou uma operação de segurança reforçada.

    Ruas serão fechadas, as igrejas receberão patrulhas militares e detalhes da organização estão sob sigilo. Ninguém sabe qual trajeto o papa usará para se deslocar.

    Estão descartados passeios com o papamóvel, mas Francisco rejeitou usar carro blindado, deixando as autoridades ainda mais atentas.

    Nos últimos seis meses, ataques reivindicados pela facção terrorista Estado Islâmico mataram quase cem pessoas no país, ampliando as tensões entre cristãos e muçulmanos. Desde que os extremistas conquistaram vastas áreas na península do Sinai, os cristãos coptas têm sido seus alvos preferenciais.

    No sul do país, mais pobre e rural, as tensões também estão acirradas, com protestos de muçulmanos contra a construção de igrejas e ataques a casas de coptas.

    SECTARISMO

    "Apesar de o governo defender publicamente as minorias religiosas, em especial os coptas, não vemos combate efetivo a incidentes sectários", diz Ishak Ibrahim, da ONG Iniciativa Egípcia para os Direitos Pessoais.

    Ibhraim é cristão —minoria que perfaz cerca de 10% dos mais de 90 milhões de egípcios— e acompanha as investigações de ataques.

    "Ninguém foi preso ou julgado", diz. "Na prática, essa visita beneficia muito mais al-Sisi do que os cristãos."

    Os coptas são os cristão egípcios, comunidade que remonta a 50 d.C. e hoje se concentra sobretudo no sul. Já os católicos romanos no Egito são 0,5% da população.

    Desde que assumiu o poder em um golpe de Estado em 2013, Abdel Fattah al-Sisi se coloca publicamente como defensor dos cristãos: doou fundos para a construção e reforma de igrejas e recebe apoio do papa copta.

    Após os ataques do Domingo de Ramos, Sisi declarou estado de emergência, revogando direitos constitucionais com a justificativa de combater o Estado Islâmico e os ataques aos cristãos.

    No entanto, para os coptas, pouco mudou com sua chegada ao poder. Discriminados e perseguidos, muitos não veem avanço, apesar de dizerem apoiar Sisi.

    "Sejamos sinceros, ninguém nos defende de verdade, nem nossa Igreja. Estamos nas mãos de Deus e condenados a viver na miséria, como os primeiros cristãos do Egito", diz Gergis Farouk, 44.

    Farouk é um dos mais de 125 mil coptas que vivem no que ficou conhecido no Cairo como a Cidade do Lixo.

    É uma favela parecida com as brasileiras, onde homens, mulheres e crianças trabalham coletando e reciclando o lixo produzido na capital.

    Yan Boechat/Folhapress
    Crianças brincam entre sacos na Cidade do Lixo, favela com mais de 120 mil cristãos no Cairo
    Crianças brincam entre sacos na Cidade do Lixo, favela com mais de 120 mil cristãos no Cairo

    Desde a década de 40, quando o êxodo rural trouxe milhares de cristãos das regiões mais pobres do país para o Cairo, os coptas são os responsáveis pela coleta e manuseio dos dejetos. Só na Cidade do Lixo são movimentadas 6.000 toneladas ao dia.

    Farouk, como boa parte de seus vizinhos, nunca trabalhou com outra coisa que não lixo —assim como seu avô, seu pai e seus cinco filhos.

    "A visita do papa do Vaticano é boa, bonita, mas, na prática, não mudará nada, não serve para nós", diz.

    Os coptas não demonstram entusiasmo com Francisco. Nas ruas de bairros cristãos há pouca ou nenhuma referência à visita, ignorada no restante da cidade majoritariamente muçulmana.

    "A visita mostrará que precisamos estar juntos, e, nesse momento complicado, unirmo-nos em torno do amor", diz o bispo copta Thomas de El-Quosia, um dos poucos clérigos que se encontrarão com o papa Francisco.

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