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    Estratégia de negociação de Trump, blefe traz riscos para os EUA

    NEIL IRWIN
    DO "THE NEW YORK TIMES"

    28/04/2017 11h35

    Em 1987, o empresário imobiliário Donald Trump queria comprar um avião. Ele sentiu que o proprietário estava desesperado para vender o Boeing 727, e por isso sua oferta inicial foi de apenas US$ 5 milhões (R$ 16 milhões), "ridiculamente baixa, é claro", ele escreveu em "A Arte da Negociação". Trump se vangloria de ter adquirido por apenas US$ 8 milhões (R$ 25,6 milhões) um avião que, novo, custaria US$ 30 milhões (R$ 96 milhões).

    Esta semana, testemunhamos o equivalente na esfera pública a uma oferta de US$ 5 milhões por um avião de US$ 30 milhões.

    O governo Trump exigiu verbas para a construção de seu muro na fronteira como parte de um acordo para manter o governo em funcionamento, propôs um imenso corte dos impostos pagos pelas empresas –o que reduziria a arrecadação governamental em trilhões de dólares–, e deixou vazar planos para abandonar o Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte), a fim de tentar forçar México e Canadá a aceitarem mudanças nos termos do pacto.

    É uma abordagem que definiu a carreira de Trump como negociador: fazer uma oferta aparentemente absurda para dar início às negociações, como forma de mudar completamente o referencial para a barganha que virá a seguir. A estratégia certamente pode funcionar, em algumas circunstâncias. Mas também tem limites claros claros em negociações complexas, a exemplo das que envolvem política pública –como demonstra a experiência pela qual o governo passou esta semana.

    A estratégia de negociação de Trump também representa o oposto daquilo que seu predecessor no Gabinete Oval costumava fazer. O presidente Barack Obama tendia a apresentar propostas políticas relativamente próximas ao resultado que se poderia esperar de uma negociação no Congresso –o que muitas vezes incomodava os progressistas, que sentiam que o presidente estava negociando contra ele mesmo.

    A abordagem de Trump pode de fato resultar em um acordo favorável, em certas circunstâncias. E pode ter um "efeito âncora" na formulação dos termos de negociação.

    "O benefício de começar agressivamente é que, se um acordo for alcançado, é provável que ele seja mais vantajoso para você", disse Deepak Malhotra, professor da Escola de Administração de Empresas da Universidade Harvard e autor de "Negotiating the Impossible". "Mas essa tática também acarreta muitos riscos, e esses riscos são muito maiores na política".

    Um grande problema é que formular uma posição extrema pode paralisar as negociações. Se você acredita que seu parceiro na negociação será muito intransigente, pode optar por nem mesmo iniciar a conversa. Pense em como você se comportaria se estivesse vendendo uma casa cujo valor você acredita ser de US$ 500 mil (R$ 1,6 milhão) e alguém aparecesse com uma oferta de US$ 100 mil (R$ 320 mil). Você provavelmente não se disporia a discutir a venda a menos que o interessado voltasse com um número mais plausível.

    Isso vale ainda mais quando a imagem pública e a credibilidade estão em risco, como sempre estão na política.

    "Ofertas agressivas dificultam que os participantes ajam de maneira a preservar sua imagem ou que eles declarem vitória mais adiante no processo –e isso é especialmente importante na política", disse Malhotra.

    Na negociação de Trump para a compra de um avião, em 1987, abrir com uma proposta extrema acarretava risco mínimo e provavelmente resultou em que ele fechasse negócio pagando menos do que teria sido o caso se tivesse sido menos agressivo. A pior coisa que poderia acontecer a Trump seria que o acordo não acontecesse, e que ele tivesse de procurar outro avião para comprar.

    Mas em questões de política pública, o presidente e seus parceiros de negociação colocam sua reputação política em jogo. Se os democratas cedessem quanto às verbas para o muro, talvez perdessem a esperança de aumentar suas bancadas legislativas na eleição de 2018. Se a oferta inicial extrema quanto aos impostos impedir que os democratas ou os republicanos que adotam linha dura quanto ao deficit público participem da negociação, um acordo sobre a reforma tributária se tornará ainda mais difícil.

    E isso é ainda mais verdadeiro quando há alguma forma de blefe envolvida, o que é aquilo que as contrapartes do governo Trump claramente concluíram.

    Blefes e ofertas iniciais baixas são táticas que costumam ser usadas em conjunto em muitas ocasiões –sempre que alguém faz uma oferta extrema mas está mentindo, implícita ou explicitamente, sobre o que acontecerá caso ela não seja aceita.

    O problema é que quando a negociação ocorre na esfera pública, executar um blefe extremo é especialmente difícil. Para começar, Trump é notório por usar essa técnica. Além disso, quanto a questões públicas como o deficit ou acordos de comércio internacional, os outros participantes da negociação têm uma boa ideia sobre o que o governo Trump tem a perder se um acordo não for obtido.

    No comércio internacional, por exemplo, os representantes do México e do Canadá estão bem cientes dos danos econômicos que os Estados Unidos podem sofrer caso se retirem do Nafta. E estão cientes de que grandes setores da economia e líderes políticos importantes atacariam Trump caso isso acontecesse.

    Quanto às negociações para estender as verbas do governo, esta semana, os democratas estão confiantes em que o governo Trump arcará com a culpa por qualquer paralisação do governo, e por isso não se dispuseram a considerar verbas para a muralha de fronteira.

    Combinar uma pedida agressiva a um blefe, em outras palavras, funciona melhor quando o outro lado está desesperado por um acordo e não tem certeza de que a ameaça não será cumprida.

    "Em muitos anos como professor de negociação, já vi muita gente se entusiasmar com o aparente poder de fazer ofertas iniciais extremas", disse Daniel Ames, professor da Escola de Administração de Empresas da Universidade Colúmbia. "As pessoas de vez em quando sofrem de 'febre da âncora', e se precipitam a fazer a primeira proposta, com números que desafiam a capacidade de acreditar da outra parte. E isso pode funcionar, claro."

    Mas, disse Ames, "quando a proposta é acintosa demais, as contrapartes não capitulam cegamente. Às vezes, apresentam uma oferta igualmente acintosa na direção oposta. E, em bom número de casos, elas simplesmente abandonam a negociação".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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