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    Governo Trump

    Cem dias de Trump fixam novo normal e acirram 'guerra cultural'

    MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
    DE NOVA YORK

    29/04/2017 02h00

    O primeiro best-seller instantâneo da era Donald Trump foi lançado em janeiro, na semana da posse, por David Horowitz —um daqueles clássicos trotskistas das barricadas que se converteram ao ideário de direita.

    "The Big Agenda" ("A Grande Agenda") chegou às livrarias com o intuito de se transformar num sucesso de vendas e apresentar o que seria, ou deveria ser, o programa do novo mandatário para "salvar a América".

    Trump, na visão de Horowitz, assumia a Presidência em condições mais propícias do que as encontradas por Ronald Reagan, em 1981, para imprimir um ritmo intenso de aprovação de medidas nos cem primeiros dias de mandato e iniciar de maneira avassaladora a grande reforma esperada pelo movimento conservador.

    Carlos Barria/Reuters
    U.S. President Donald Trump stands in the Oval Office following an interview with Reuters at the White House in Washington, U.S., April 27, 2017. REUTERS/Carlos Barria ORG XMIT: WAS309
    O presidente Donald Trump no Salão Oval da Casa Branca durante entrevista à Reuters no dia 27

    Embora não se deva subestimar o alcance e a extensão dos inúmeros decretos que o presidente tem assinado, nem tudo aconteceu como previsto.

    Na semana passada, respondendo a perguntas do público num canal de TV a cabo, Horowitz disse, com menos entusiasmo, que Trump estava se saindo "bem", mas lhe faltaria o apoio de um partido menos "covarde".

    Em seu livro, o ideólogo conservador defende a tese de que os republicanos se acostumaram a jogar na defesa, intimidaram-se com o consenso politicamente correto e não souberam reagir aos estigmas lançados contra eles pelos adversários.

    Trump teria prestado um serviço à direita ao mudar esse padrão e atacar os progressistas "na jugular".

    Esse parece ser o sentido da "nova política" que o magnata personalista, nacionalista e midiático representaria na cena americana.

    Autossuficiente e descolado do "establishment" partidário, ele seria uma oportunidade para reverter a hegemonia ideológica democrata, que estaria se encaminhando para a esquerda, em direção ao desmantelamento das liberdades individuais e à consolidação do poder nas mãos do Estado -à destruição, portanto, dos fundamentos da nação americana.

    'NOVO NORMAL'

    Em cem dias de governo, marco precário para avaliações substanciais, o presidente talvez esteja conseguindo estabelecer seu estilo extravagante e agressivo como o "novo normal" da política de Washington.

    Mas seus golpes tropeçam nos percalços do jogo político-partidário e esbarram no sistema de freios e contrapesos da democracia americana, que alguns, com exagero, temiam estar ameaçado pela ascensão do que seria um "novo Hitler" potencial.

    A anormalidade se normaliza sob a vigilância cerrada da imprensa, de setores do Judiciário e dos movimentos de defesa de direitos, que impuseram ao republicano alguns reveses importantes (embora nem todos eles definitivos).

    Não por acaso, ao tentar sem sucesso substituir o Obamacare, a reforma do sistema de saúde implementada pelo antecessor Barack Obama, Trump declarou de maneira simplória que "ninguém sabia que a assistência à saúde era tão complicada".

    Agora, em entrevista à Reuters, admitiu que ser presidente é um trabalho "mais difícil" do que imaginava.

    Também contribuíram para baixar o topete presidencial os sucessivos recordes negativos nas pesquisas de opinião pública. É fato que o republicano perdeu no voto popular (sua vitória se deve ao complexo sistema eleitoral americano, que inclui um colégio eleitoral). Mas, mesmo assim, sua aprovação patina em patamares abaixo do que seria razoável prever.

    As danças de guerra contra o sistema público de saúde, as mulheres e os imigrantes latinos certamente não contribuíram para torná-lo mais popular, tampouco o tumulto administrativo de suas primeiras semanas.

    O conselheiro de Segurança Nacional, o general reformado Michael Flynn, caiu em meio a escândalos de ligações obscuras de assessores com o governo russo —e o FBI abriu uma investigação sobre as acusações do tuiteiro da Casa Branca sobre uma suposta ordem de Obama para grampear o quartel-general da campanha eleitoral republicana em 2016.

    Jamais Trump despertará simpatias da esquerda e continuará provavelmente a enfrentar resistências pendulares no seu próprio partido.

    Seu instinto de sobrevivência, contudo, tem levado a mudanças de rumos, como as que redirecionaram, há poucas semanas, as linhas da política externa anunciadas durante a campanha.

    Até que ponto o republicano será forçado pelo peso das circunstâncias a caminhar para posições mais centristas é uma questão em aberto. Ainda teremos mais de mil e uma noites de governo e uma eleição parlamentar em 2018 para saber.

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