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    Líbia virou centro de comércio online de armas, diz relatório

    THOMAS GIBBONS-NEFF
    DO "WASHINGTON POST"

    03/05/2017 11h24

    A Líbia se tornou desde 2007 um grande centro de vendas de armas ilícitas, muitas delas feitas por meio de aplicativos de mensagens e redes sociais, segundo estudo divulgado nesta terça-feira (2).

    O relatório, que rastreou mais de 1.300 tentativas de vendas online feitas de 2014 a 2015, foi publicado pelo Small Arms Survey, com sede em Genebra, usando dados colhidos e analisados pelo grupo Armament Research Services. Seus autores dizem que os dados são relativos a apenas uma parte minúscula das vendas ilícitas de armas na Líbia, mas o estudo destaca tendências nesse comércio crescente.

    Mahmud Turkia/AFP
    Membros de uma milícia líbia em parada após batalhas contra o Estado Islâmico
    Membros de uma milícia líbia em parada após batalhas contra o Estado Islâmico

    As 1.346 vendas rastreadas no estudo abrangeram armas vindas de 26 países, incluindo os EUA, China, Bélgica e Turquia. Quase todas as armas de pequeno porte tinham finalidade de autodefesa ou esportiva, mas alguns dos envolvidos nas transações tinham vínculos com milícias líbias.

    "As vendas online parecem ser responsáveis por apenas uma parte pequena do comércio ilegal de armas na Líbia, mas seu relativo anonimato e a facilidade de ingresso e distribuição nos países devem criar dificuldades singulares para os órgãos policiais e as operações de monitoramento", disse em e-mail Nic Jenzen-Jones, diretor da Armament Research Services.

    No ano passado, usando os dados preliminares obtidos por parte do documento de trabalho da Small Arms Survey, o "New York Times" informou que grupos militantes e terroristas estão usando redes sociais como o Facebook para traficar desde armas pequenas até mísseis antiaéreos na Líbia, no Iraque, Síria e Iêmen. A política do Facebook em relação às transferências de armas não parece ter mudado desde a publicação do artigo. A empresa de mídia social proíbe vendas de armas, mas requer que seus usuários denunciem eles próprios as páginas envolvidas nessas transferências. Como muitos grupos são sigilosos ou fechados ao público, as páginas em questão muitas vezes reúnem milhares de membros e operam por meses antes de serem fechadas.

    O Facebook não respondeu a um pedido de declarações.

    Os grupos muitas vezes não se esforçam para ocultar a natureza de suas páginas, usando imagens de armas e nomes como "Mercado Líbio de Armas de Fogo", que já foi removido. Quando um grupo é fechado, diz o estudo, seus membros principais geralmente abrem nova página e em pouco tempo voltam a traficar armas.

    As transações documentadas no estudo foram realizadas principalmente por vendedores individuais, embora alguns destes sejam extensões online de bazares físicos de armas situados na Líbia. Além de rastrear os grupos envolvidos, o estudo usou entrevistas realizadas com oito "fontes confidenciais" que oferecem uma amostra dos líbios envolvidos no comércio ilegal de armas. Sete deles têm menos de 35 anos, e a maioria utiliza a venda de armas para complementar sua renda. Pelo menos um deles vende armas, principalmente armas belgas de pequeno porte, para ajudar a financiar seus estudos.

    Um engenheiro residente em Trípoli, citado no estudo como "Fonte Confidencial Sete", disse aos autores do estudo que é muito fácil obter armas de fogo, mesmo sem o mercado online e sem uma conexão de internet.

    "Bastam alguns telefonemas para você conseguir uma arma, que pode ser desde uma de 9mm até um fuzil", disse a fonte.

    Entre 1992 e 2003 a Líbia esteve sujeita a um embargo rígido de armas imposto pelas Nações Unidas após o envolvimento suspeito do país na explosão de um jato que caiu sobre Lockerbie, na Escócia, e a derrubada de um jato comercial francês sobre o Níger em 1989. De acordo com o estudo, a maioria das armas documentadas nas transações online vem da era anterior ao embargo, mas algumas –incluindo possíveis armas fornecidas em sigilo ao regime de Muammar Gaddafi– parecem ter aparecido também em grupos nas redes sociais.

    Segundo o estudo, as armas de mão são as que mais aparecem nos dados, devido ao desejo dos líbios de possuir armas que possam ser escondidas. Mas o estudo estipula que as pistolas foram representadas de modo desproporcional, comparadas à maioria das armas presentes no mercado líbio de armas pequenas. Mais de 60% dos fuzis automáticos documentados eram variações do Kalashnikov, enquanto 14% eram rifles FAL de fabricação belga.

    O estudo documenta três mísseis antitanque franceses MILAN, provavelmente de um contrato de 2007 com Gaddafi, que foram postos à venda online. Também apareceram nos dados do estudo dois rifles alemães Heckler & Koch, conhecidos como G36. Os números de série dos rifles foram tirados e substituídos por uma sequência numérica que não corresponde ao formato do fabricante. E, segundo a Heckler & Koch, a empresa nunca vendeu armas de qualquer tipo à Líbia sob o governo de Gaddafi.

    Após a revolução líbia e a intervenção da Otan, em 2011, as lojas de armas, que durante o regime de Gaddafi eram sujeitas a controle rígido, foram saqueadas, e dezenas de milhares de armas pequenas inundaram a região, incluindo mísseis terra-ar disparados sobre o ombro. Além de aparecerem nos mercados online, as armas surgiram em zonas de conflito no Oriente Médio e norte da África.

    Tradução de Clara Allain

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