As políticas públicas do Brasil passam por avaliação nesta sexta-feira (5), quando o país é submetido à Revisão Periódica Universal pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra (Suíça).
É a terceira vez desde a criação do conselho, em 2006, que o Brasil é avaliado pelos Estados-membros da ONU.
A revisão acontece a cada quatro anos e meio. Nela, o país avaliado deve apresentar um relatório que responda como implementou as recomendações feitas na revisão anterior. Esse documento, somado a um relatório elaborado pela sociedade civil e a outro redigido pela ONU, servem de base para novos questionamentos dos países-membros.
Fabrice Coffrini - 18.nov.2008/AFP | ||
Cúpula do Salão dos Direitos Humanos, na sede da ONU em Genebra; Brasil será avaliado nesta sexta |
Grande parte dos países questionam o Brasil sobre a violência nas prisões, especialmente após os massacres em presídios no início deste ano, a violência policial e a questão indígena, que voltou ao noticiário nesta semana depois do ataque a índios do povo Gamela, no Maranhão.
A questão de igualdade entre os gêneros também foi citada por representantes de diversos países, que elogiaram a decisão de incluir o 'feminicídio' como agravante no Código Penal.
Segundo o relatório da ONU para esta revisão, "os riscos que enfrentam as populações indígenas são maiores do que nunca desde a adoção da Constituição de 1988". Entre esses riscos está a PEC 215, emenda constitucional que transfere do Executivo para o Legislativo a prerrogativa de demarcar terras indígenas. A ONU recomenda a rejeição da proposta, que atualmente tramita na Câmara.
A PEC do Teto, que limita as despesas do governo federal ao Orçamento do ano anterior corrigido pela inflação, e outras medidas do ajuste fiscal do governo federal foram classificadas por Philip Alston, Relator Especial da ONU para pobreza extrema, como "inteiramente incompatíveis com as obrigações de direitos humanos do Brasil".
"Vai atingir fortemente os brasileiros mais pobres e mais vulneráveis, vai aumentar os índices de desigualdade em uma sociedade já muito desigual, e definitivamente assinala que direitos sociais são uma prioridade muito baixa para o Brasil nos próximos 20 anos."
VIOLÊNCIA POLICIAL
A última revisão do Brasil, em 2012, teve questionamentos principalmente sobre violência policial e o sistema carcerário. O país recebeu 170 recomendações dos outros membros da ONU.
O relatório que a ministra de Direitos Humanos, Luislinda Valois, apresentará em Genebra afirma que, destas 170 recomendações, 100 foram totalmente implementadas, 56 estão em processo de implementação, nove foram parcialmente implementadas e quatro não têm avaliação.
A falta de uma metodologia que explique como se deu essa classificação é uma das críticas ao documento do governo Michel Temer, segundo a coordenadora de política externa da ONG Conectas, Camila Asano. "Depois de quatro anos [desde a última revisão], o Brasil acaba tendo de dar uma resposta que não é embasada", afirmou à Folha. Segundo ela, não foram apresentados indicadores sobre o acompanhamento das políticas públicas.
Uma recomendação feita pela Espanha, por exemplo, sobre violência policial, pedindo a revisão dos programas de treinamento das forças de segurança enfatizando uso da força proporcional e o fim das execuções extrajudiciais, é apontada pelo governo como "totalmente implementada".
A desmilitarização da polícia foi a única recomendação da revisão de 2012 rejeitada. A proposta por uma reforma da polícia brasileira aparece novamente no relatório elaborado pela ONU para a revisão desta sexta-feira.
Após visita ao Brasil, o Subcomitê da ONU para Prevenção da Tortura afirmou estar "profundamente preocupado com as numerosas alegações em relação a atos violentos da polícia militar, que conduz patrulhas para manter a ordem pública e prender suspeitos".
MARIANA
A ONU também criticou a pouca atenção dada pelo governo brasileiro aos efeitos da tragédia no rio Doce, após o rompimento de uma barragem de minérios em Mariana (MG), em novembro de 2015. Segundo a entidade, o relatório brasileiro "menciona brevemente o pior desastre socioambiental do país".
"No plano nacional, persiste o desafio de efetivação de políticas públicas e normativas ambientais. Um exemplo é o ocorrido na cidade de Mariana, Minas Gerais, em 2015." Esta é a única menção ao desastre no relatório de 66 páginas elaborado pelo governo Temer.
"A tragédia deixou claro que tanto o Estado como as empresas responsáveis, Samarco, Vale e BHP Billiton, estão despreparados para lidar com uma situação de desastre humano e ambiental em largas proporções como esta", afirmou a ONU.
Segundo um grupo de especialistas da ONU enviados ao Brasil, "um ano após o colapso [da barragem], as medidas que o governo brasileiro e as empresas envolvidas atualmente desenvolvem foram simplesmente insuficientes para lidar com a extensão massiva de prejuízos ambientais e humanos".
LEI DE MIGRAÇÃO
Algo positivo a ser apresentado pelo Brasil é a nova Lei de Migração, aprovada pelo Senado e que aguarda a sanção de Temer. "É uma lei muito mais moderna, condizente com as leis internacionais e compatível com a Constituição brasileira", avalia Asano.
A ONU já pedia que o país adotasse uma legislação mais moderna em substituição ao Estatuto do Estrangeiro, de 1980.
A nova lei acaba com série de restrições existentes, como proibição de estrangeiros participarem de manifestações políticas e sindicatos, de fazerem transmissões radiofônicas e serem donos de aeronaves. A lei proíbe a pronta deportação de migrantes detidos nas fronteiras, garantindo-lhes acesso a um defensor público. Determina também um prazo de 24 horas para decidir sobre o que fazer com os migrantes que passam dias ilhados no chamado "conector", área dentro do aeroporto de Guarulhos.