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    Ao expor favorito, jornal satírico mudou rumo da eleição francesa

    DIOGO BERCITO
    ENVIADO ESPECIAL A PARIS

    06/05/2017 02h00

    Quando François Fillon venceu as primárias da centro-direita, em novembro passado, se dava por fato que seria eleito presidente da França nas eleições deste mês.

    Então o pato grasnou.

    O semanário satírico "Le Canard Enchaîné", cujo nome significa "o pato acorrentado", publicou uma reportagem ligando o candidato à corrupção. Sua campanha murchou e ele recebeu 20% dos votos, sem chegar ao segundo turno de domingo (7).

    Christophe Archambault - 1º.fev.2017/AFP
    Jornalista lê o jornal satírico "Le Canard Enchaîné", que publicou as denúncias contra François Fillon
    Jornalista lê o jornal satírico "Le Canard Enchaîné", que publicou as denúncias contra François Fillon

    A reportagem da publicação, cuja circulação é de 400 mil cópias por semana, foi recebida como evidência da importância da imprensa, com algum sabor extra por ter vindo de um veículo satírico.

    O evento foi visto também como uma vitória do jornalismo tradicional, por vezes publicado em preto e branco com uma tinta que suja as mãos dos leitores.

    O "Canard Enchaîné", fundado durante a Primeira Guerra (1914-1918), é publicado às quartas. Esse semanário, hoje produzido por um time de 30 repórteres, já ajudou a influenciar o resultado de outras eleições.

    O semanário publicou em 1979 um texto sobre como o então presidente Valéry Giscard d'Estaing aceitou diamantes do ditador centro-africano Jean Bokassa. O caso pode ter contribuído para sua derrota na reeleição.

    O "Canard Enchaîné" é vendido a € 1,20 (R$ 4) e não tem anúncios, o que seus editores dizem ser uma vantagem, ao reforçar a sua independência financeira. É um atrativo para os leitores insatisfeitos com os veículos de maior porte na França.

    O pato —gíria para jornal, em francês— teve lucro de € 2,4 milhões em 2015 (cerca de R$ 8,3 milhões).

    A persistência do sucesso há quase um século também depende da curiosa combinação entre notícia e sátira.

    Seu editor, Érik Emptaz, disse ao britânico "Guardian" que a meta da equipe é: "Cheque os fatos, cheque de novo, faça a tripla checagem e então adicione o humor".

    ACUSAÇÃO

    Fillon teria, segundo o "Canard Enchaîné", contratado sua própria mulher para um cargo público que ela não exerceu. O casal nega.

    Outros candidatos foram suspeitos de corrupção, incluindo Marine Le Pen, da direita ultranacionalista. Ela chegou ao segundo turno.

    Mas Fillon foi especialmente impactado pela reportagem porque havia se apresentado nas primárias conservadoras como um candidato "limpo". Houve um amplo ressentimento do eleitor.

    Ele apresentou uma queixa contra o semanário por publicar o que ele afirma serem notícias falsas.

    Não é a primeira vez que o pato é acuado.

    Anos atrás, a publicação foi processada pelo grupo Bouygues devido à notícia de que a empresa havia tentado influenciar a construção de uma nova sede para o Ministério da Defesa.

    O semanário venceu e pediu € 1 de reparação.

    Há também ameaças de outro tipo. O semanário satírico "Charlie Hebdo", que não é noticioso, foi alvo de um atentado em janeiro de 2015. Atiradores mataram parte de sua equipe de cartunistas. A sede do "Canard Enchaîné" em Paris é atualmente protegida.

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