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    Análise

    Sem coalização, novo líder francês pode não ser capaz de governar

    ADRIÁN ALBALA
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    08/05/2017 02h00

    Regis Duvignau/Reuters
    Emmanuel Macron, head of the political movement En Marche!, or Onwards!, and candidate for the 2017 presidential election, is pictured through a window of his hotel during a campaign visit in Rodez, France, May 5, 2017. REUTERS/Regis Duvignau ORG XMIT: SIN100
    O presidente eleito da França, Emmanuel Macron, durante evento de campanha em maio

    Com quase dois terços dos votos válidos, Emmanuel Macron parece, à primeira vista, como vencedor inequívoco –resultado ainda mais impressionante para alguém que era um total desconhecido há menos de dois anos e nunca disputara uma eleição antes.

    Há, porém, três elementos a complicar sua Presidência.

    Primeiro, o voto em Macron se mostra mais um voto de rejeição a Marine Le Pen do que um voto de adesão ao seu projeto "nem de direita, nem de esquerda", ainda mal compreendido pela maioria da população francesa.

    Um indício está no fato de ele ter quase triplicado sua votação do primeiro para o segundo turno. Por que não recebeu essa votação antes?

    Nesse contexto, Macron não recebeu do eleitorado um cheque em branco para fazer o que ele quiser. Sua vitória é percebida mais com desconfiança do que com respaldo.

    Essa desconfiança pode se materializar logo, pois o sistema político francês é bicéfalo, com um presidente chefe do Estado e do Exército e um premiê chefe da maioria parlamentar e do governo.

    Quando o presidente tem maioria na Assembleia Nacional, ele é quem de fato governa. Sem essa maioria, quem governa é o premiê.

    Esse cenário chamado de "coabitação" ocorreu três vezes nas últimas três décadas (sob François Mitterrand e Jacques Chirac) e pode ressurgir agora. Por isso, as eleições legislativas que ocorrerão em quatro semanas serão um "terceiro turno" para definir as políticas a aplicar.

    Assim, será vital a capacidade de Macron de formar uma maioria presidencial.

    E o desafio é maior por ele não ter máquina política forte (seu movimento "Em Frente!" tem um ano e é mal implantado no nível local.

    Isso poderia se traduzir numa revanche dos partidos tradicionais, em particular da direita, que mantém uma base sólida no nível local, para quem Macron é visto como a continuidade da Presidência de François Hollande.

    Mesmo se Macron formar alianças politicas que lhe outorguem a maioria na Assembleia, essa maioria será posta à prova imediatamente.

    O clima político atual não é de esperança. A abstenção neste segundo turno somada aos votos brancos e nulos chega a quase 40% dos inscritos. A eleição de um candidato que prometeu cortes e a flexibilização do mercado de trabalho faz pensar que a "lua de mel" será bem curta.

    Finalmente, a França não tem grande experiência de governos de coalizão. Com contexto social complicado e a baixa adesão a seu programa, Macron terá de ser cauteloso e aprender muito rápido a governar em coalizão.

    Precisará de resultados rápidos, em particular para o desemprego sistêmico (10%), que nenhum governo conseguiu diminuir significativamente nos últimos 30 anos.

    E Marine Le Pen, mesmo vencida, conseguiu duplicar os votos recebidos por seu pai quinze anos antes, na única vez da Frente Nacional no segundo turno. Neste domingo ela chamou à formação de uma aliança de "patriotas", contra o fortalecimento da Europa e do livre mercado. De sua capacidade de "desdiabolizar" seu partido depende sua viabilidade em 2022.

    ADRIÁN ALBALA é doutor em ciências políticas e pesquisador no Núcleo de Pesquisas em Políticas Públicas da USP

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