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    Trump ganhou agrados de autoridades no entorno de seu resort na Flórida

    MICHAEL LAFORGIA
    STEVE EDER
    DO "NEW YORK TIMES", EM PALM BEACH (FLÓRIDA)

    08/05/2017 17h00

    Para as autoridades da Flórida, uma coisa era brigar com o empreiteiro Donald Trump sobre a altura de suas cercas-vivas, a multidão em seu show de Elton John e o ruído dos aviões sobre seu resort particular, Mar-a-Lago.

    Trump muitas vezes fazia ameaças, ou então elogios. O governo costumava pressionar com multas, ou suportava processos legais.

    Mas lidar com Donald Trump, o presidente, é totalmente outra história.

    Desde que ele foi eleito, as autoridades do condado de Palm Beach rapidamente deram autorização ao clube de Trump para construir um heliponto de concreto, permitiram que o clube fizesse um evento beneficente para a Fundação SEAL da Marinha com uma encenação de tiroteio entre comandos e falsos terroristas e aceitaram assumir os custos, pelo menos por enquanto, de fechar ruas e fornecer segurança extra. Por trás de cada decisão houve um ato de equilíbrio entre o desejo de servir melhor aos eleitores e o instinto político de não irritar o executivo-chefe do país.

    "Alguém me perguntou: 'Vocês acham que vão entrar em algum tipo de combate com o presidente dos EUA?' Isso passou pela minha cabeça? Sim", disse Dave Kerner, um membro democrata da Câmara de vereadores, que teve confrontos com Trump nos últimos 20 anos.

    "Meus colegas republicanos e pessoas da comunidade com quem tenho bom relacionamento me advertiram", acrescentou ele. "Tome cuidado. Se você pressionar demais, poderá haver consequências."

    No início de sua Presidência, Trump transferiu a administração de sua empresa, as Organizações Trump, para os dois filhos mais velhos, Donald Jr. e Eric, e outros executivos. Trump e a companhia tiveram questões com o governo federal ao longo dos anos, principalmente por causa de auditorias do Imposto de Renda. Mas com 12 campos de golfe e mais de 20 outras propriedades com o nome Trump em todo o país, a empresa tem muitos negócios –e disputas– com governos locais.

    As Organizações Trump tem pendências com o fisco de Ossining, em Nova York, a Los Angeles, na Califórnia. Seus edifícios e empresas são submetidos a inspeções habituais, e algumas das cozinhas foram intimadas recentemente por violação do código sanitário.

    Os Trump também planejam uma grande expansão hoteleira, negociando licenciamentos sob sua nova marca, Scion [que significa "herdeiro" ou "ramificação"], em dezenas de lugares, de Dallas, no Texas, a Valley Forge, na Pensilvânia. Todos os hotéis exigiriam a aprovação das autoridades locais.

    'VÁ EM FRENTE E LUTE'

    Na Flórida, líderes locais e estaduais não evitaram disputas com Trump depois que ele comprou Mar-a-Lago, em 1985. E elas muitas vezes acabaram em acordo.

    Durante anos, Trump foi uma fonte de conflitos quase constante. Ele procurou isenções de regulamentos locais, contornou e infringiu ordens e se queixou de tudo, da frequência da abertura de pontes levadiças –"extremamente excessiva", escreveu em uma carta de 2001 a autoridades de transportes– à condição "deplorável" do cais de carga de um vizinho.

    "Com muita frequência o que eu quero envolve várias outras organizações e muita burocracia", escreveu Trump em seu livro de 2008, "Never Give Up" (Nunca desista). "Eles dizem que você não pode lutar contra a Prefeitura, mas eu não tenho problemas em contrariar o senso comum. Pense com sua própria cabeça, vá em frente e lute."

    No início dos anos 1990, ele processou a cidade de Palm Beach, o enclave litorâneo conhecido por seus regulamentos minuciosos e autoridades implacáveis, e ameaçou lotear Mar-a-Lago antes que a Prefeitura lhe permitisse transformar a propriedade em um clube privado.

    Mesmo então, líderes locais condicionaram a aprovação à assinatura por Trump de um "acordo de utilização" de 17 páginas, que seu advogado mais tarde descreveu como "correntes nos tornozelos de um prisioneiro inocente".

    Na década seguinte, Trump e a Prefeitura discutiram sobre questões como a melhor maneira de proteger de incêndios as tapeçarias portuguesas do século 16 em Mar-a-Lago, fotos não autorizadas e os planos de Trump de construir uma marina (o que teria exigido dragar o lago Worth, que é estritamente regulamentado por autoridades locais, estaduais e federais).

    Em 2000, líderes locais ameaçaram penalidades contra o clube de Trump por causa de um convite para um brunch –disseram que parecia que o clube estava sendo usado para um evento por uma empresa de fora.

    Em 2006, as autoridades citaram Trump por uma série de violações em Mar-a-Lago, incluindo a altura das cercas-vivas de ficus (baixas demais) e a frequência ao show de Elton John (alta demais).

    Irritado, Trump protestou contra a queixa do show. "Estou profundamente decepcionado que a Prefeitura tenha querido penalizar meus esforços para receber um dos artistas mais famosos do mundo para um evento beneficente muito digno e uma noite que trouxe grande aclamação a Palm Beach", escreveu Trump em uma carta. "É uma pena que a cidade continue assumindo um tom tão duro quando se trata de Mar-a-Lago Club e de Donald Trump."

    Quatro meses depois de enviar a carta, ele partiu para a ofensiva usando uma arma inconvencional: um mastro de bandeira de 24 metros na frente do clube. Seus advogados afirmaram que só um mastro dessa altura poderia transmitir de modo adequado o patriotismo de Trump. As autoridades o multaram e ele moveu uma ação, acusando-as de violar seu direito à livre expressão, mas depois chegaram a um acordo.

    Em outro processo legal, contra a cidade de Doral, na Flórida, pouco antes de Trump anunciar a candidatura, seus advogados afirmaram que uma proibição de usar cortadores de grama antes das 7h30 infringia seu direito ao devido processo. Trump retirou o caso dias depois e preferiu negociar com a Prefeitura.

    Melissa Nathan, uma porta-voz da Trump Organization, não quis fazer comentários para este artigo.

    O ex-secretário de Obras de Palm Beach, Robert Moore, em uma entrevista em maio de 2016, descreveu Trump como "muito acostumado a conseguir o que quer, na hora em que quer".

    "Às vezes eles eram um tanto extravagantes", disse Moore sobre os pedidos de Trump. "Mas ele sempre tinha uma explicação para sua extravagância. Se não conseguisse tudo o que queria de cara, poderia conseguir o bastante para fazer valer seu tempo."

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    Mar-a-Lago

    ONDE FICA MAR-A-LAGO

    Construção: 1924 a 1927
    Área do terreno: 81 mil m² (mais de 11 campos de futebol)
    Valor de compra: US$ 10 milhões (R$ 31 milhões)
    Custo de filiação: US$ 200 mil (R$ 630 mil)
    Taxa anual: US$ 14 mil (R$ 44 mil), mais impostos
    Quartos: 58
    Banheiros: 33
    Quadras de tênis: 6
    Abrigos contra bomba: 3

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    'O TOM CERTO'

    Quando Trump usava um Boeing 727 nos anos 1990, era o avião mais ruidoso no aeroporto de Palm Beach, segundo antigas autoridades do aeroporto. Certa vez ele foi apreendido por não pagar uma taxa por violação de ruído. Mas Trump reclamava do barulho dos outros aviões que passavam sobre Mar-a-Lago, e muitas vezes mandava funcionários do clube ligarem para o aeroporto e se queixarem, mesmo tarde da noite, segundo esses ex-funcionários.

    De janeiro a março de 2001, por exemplo, uma linha direta do aeroporto registrou 88 reclamações de Mar-a-Lago, segundo documentos.

    Depois da eleição de Trump, os advogados abandonaram seu mais recente processo contra o aeroporto. A questão do ruído perdeu o sentido, pois sua nova posição como presidente faz que o céu sobre Mar-a-Lago se torne uma zona de exclusão aérea sempre que ele estiver lá.

    Na semana seguinte, a comissão que tinha votado repetidamente para combater Trump na Justiça decidiu lhe enviar uma carta de felicitações.

    "Estivemos ocupados trabalhando com autoridades federais para garantir que suas visitas ao condado de Palm Beach continuem aprazíveis", dizia a carta, "e oferecer um lugar longe da Casa Branca para conduzir os negócios importantes do país."

    Todos os comissários concordaram que era importante usar "o tom certo".

    Traduzido por LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES

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