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    Perseguida em Mianmar, minoria islâmica foge de violência militar

    CLAUDIA JARDIM
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM BANGLADESH

    12/05/2017 02h00

    Hassina Begun, 35, deu à luz 8 filhos, mas em seu barraco, no campo de refugiados de Kutupalang, em Cox's Bazar, Bangladesh, apenas 4 meninas, sobreviventes, vivem com ela.

    Na mais recente ofensiva do Exército de Mianmar contra a minoria muçulmana rohingya, Hassina conta que militares birmaneses invadiram de madrugada seu vilarejo, em Rakhine, no oeste de Mianmar.

    "Pegaram os homens, meninos e os levaram para a plantação de arroz. Eles foram obrigados a colocar a cabeça na água. Ameaçavam disparar se alguém levantasse, mas eles atiraram do mesmo jeito. Quem não morreu pelos tiros foi degolado com uma faca", relata a refugiada rohingya, sentada no chão de seu barraco feito de bambus e plástico.

    Entre os assassinados estavam o marido e três filhos de Hassina. O filho mais novo, Hiyazudin, 3, sobreviveu e assistiu ao massacre da família. "Ele chorava chamando pelo pai", afirma.

    Editoria de Arte/Folhapress

    Após os disparos, conta a refugiada, os militares ergueram cinco pilhas de corpos. "Numa pilha cheguei a contar 32 corpos. Depois jogaram querosene e atearam fogo", afirma. Hiyazudin continuava chorando, sozinho, enquanto os corpos eram carbonizados.

    "Os militares o pegaram e o jogaram na fogueira, vivo. Queimaram meu bebê vivo." Hassina cobre o rosto com seu hijab negro enquanto chora. Seu vilarejo também foi incendiado.

    A "operação limpeza" encabeçada pelo Exército de Mianmar entre outubro de 2016 e fevereiro deste ano seria uma resposta à morte de 9 policiais birmaneses em consequência de um ataque de rebeldes em Maungdaw, perto da fronteira com Bangladesh.

    De acordo com a ONU, a violência contra os rohingyas teria deixado mais de mil mortos, incluindo crianças. A ONU ainda acusa as forças de segurança birmanesas de torturas, estupros em série e desaparições forçadas que poderiam ser considerados "crimes de lesa humanidade" e "limpeza étnica".

    "Estes fatos foram cometidos com base na identidade das vítimas", afirma à Folha, Adama Dieng, assessor especial para a Prevenção de Genocídio da ONU. "Podemos estar frente a uma situação de crimes atrozes e há risco de genocídio."

    O governo de Mianmar, da líder de fato e prêmio Nobel da Paz, Aung San Suu Kyi, nega as acusações. Em entrevista à BBC, Suu Kyi diz que "limpeza étnica é muito forte" para definir os crimes cometidos em Rakhine. "Acho que há muita hostilidade lá —são muçulmanos matando muçulmanos", afirma.

    A ONU aprovou, em março, uma resolução que determina o envio de uma missão internacional a Rakhine para investigar os crimes denunciados pelos rohingyas, "garantindo plena responsabilidade aos perpetradores e justiça para as vítimas".

    Por enquanto, Mianmar rejeita a entrada da comissão internacional e a qualifica como "inaceitável".

    Após a repressão, mais de 75 mil rohingyas fugiram para Bangladesh, nos campos de refugiados de Kutupalang e BaluKhali. Eles dependem fundamentalmente da ajuda de ONGs. O esgoto corre a céu aberto enquanto as crianças brincam, nuas, em meio à sujeira. Cólera, difteria, malária e hepatite já afetaram mais de mil pessoas só em Kutupalang, de acordo com o médico Nur Al Qalay.

    Um homem vestido com uma túnica branca se aproxima de um terreno baldio —convertido em cemitério— carregando um corpo diminuto envolto em um tecido branco. "Disseram que ele não tinha forças", disse o refugiado Abul Kalan enquanto arrastava um pouco de terra para fechar o túmulo do filho, nascido havia dois dias. Nos últimos 3 meses, morreram 27 bebês recém-nascidos, filhos de mães refugiadas.

    ESTUPROS

    Taiaba Begun, 30, cruzou a fronteira há um mês. Era madrugada quando seu marido fugiu pouco antes da chegada dos militares. Grávida de 8 meses, ela gritou para acordar o filho de 7, pegou a pequena de 2 anos no colo e correu. "Quando olhei pra trás para ver se meu filho vinha, vi um militar cortando o pescoço dele com uma faca", relata.

    Taiaba não pôde parar para lamentar. Fugiu para outro povoado. Lá, 12 dias após ter dado à luz, seria atacada novamente. "Os militares jogaram minha bebê no chão e me estupraram."

    O médico rohingya Nu Al Qalay afirma ter registrado mais de cem casos de violência sexual no último mês. O número total, no entanto, é indeterminado. O vice-diretor para Ásia da ONG Human Rights Watch, Phil Robertson, diz que os estupros são uma "arma de guerra" usada pelo Exército birmanês. "Estamos diante de uma catástrofe humanitária. É preciso detê-la."

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