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    Análise

    Pacote bilionário chinês tenta redesenhar geografia econômica

    MARTIN SANDBU
    DO "FINANCIAL TIMES"

    22/05/2017 11h05

    Ao discutir o ambicioso projeto de infraestrutura Um Cinturão, Uma Estrada, na semana passada, argumentamos que o resto do planeta deveria vê-lo pelo que é: não um simples plano de investimento a ser avaliado em bases econômicas convencionais, mas sim uma tentativa de dar forma à estrutura geoestratégica da economia mundial nas próximas décadas.

    Para compreender melhor o motivo, é importante perceber como o relacionamento econômico criado por uma iniciativa bem sucedida poderia ser maior do que a soma de suas partes. (E determinar se a iniciativa pode mesmo encontrar sucesso é uma questão igualmente importante. Christopher Balding argumenta que, até para a China, o custo de cerca de US$ 1 trilhão pode ser pesado demais. E o instituto de pesquisa europeu Bruegel concorda.)

    Jason Lee - 15.mai.2017/AFP
    O presidente chinês, Xi Jinping, discursa no Fórum Cinturão e Rota, nesta segunda (15), em Pequim
    O presidente chinês, Xi Jinping, discursa no Fórum Cinturão e Rota, em Pequim

    Paul Krugman cita seu programa de pesquisa sobre geografia econômica para oferecer uma ilustração clara e sucinta de como conexões de infraestrutura tais quais as contempladas pelo Um Cinturão, Uma Estrada importam.

    Se atividades econômicas são mais lucrativas quando realizadas em escala maior, então melhoras (até mesmo modestas) nos transportes, que aperfeiçoem as conexões entre um lugar e muitos outros, podem criar um polo de atração de investimentos e de crescimento econômico naquele lugar, tendo por base o custo/benefício superior que ele oferecerá (ainda que por pequena margem) no abastecimento de outros mercados.

    Como resultado, "pode-se claramente entender Cinturões e Estradas como uma forma de política comercial estratégica, além de como uma política estratégica-estratégica pura e simples".

    O Bruegel examinou o aspecto "comercial estratégico" da política em detalhe, contemplando os efeitos sobre o comércio internacional tanto da redução dos custos de transporte quanto da redução de barreiras comerciais, caso o aspecto de infraestrutura do Um Cinturão, Uma Estrada venha a ser acompanhados pela criação de uma área de livre comércio entre os países participantes.

    O interessante é que a Europa se beneficiaria da infraestrutura mas sairia perdendo com o acordo de livre comércio, porque parte do comércio seria desviado. É fácil vislumbrar uma situação futura na qual a União Europeia veria uma negociação de livre comércio com a China como um imperativo mais forte, e portanto teria uma posição de negociação inferior àquela de que desfruta hoje.

    Kadira Pethiyagoda, da Brookings Institution, trata da questão "estratégica" em si. O "objetivo de político externa dominante" da China, com a iniciativa Um Cinturão, Uma Estrada, é "atingir paridade estratégica com os Estados Unidos na Ásia e reordenar o ambiente de segurança do país a fim de garantir que sua ascensão não seja restringida".

    A iniciativa Um Cinturão, Uma Estrada pode contribuir para isso em parte porque "os investimentos em infraestrutura da China são realizadas de forma tal que sua influência sobre o país recebedor é difícil de desalojar sem uma violação das normas econômicas mundiais". Pethiyagoda oferece o Sri Lanka como exemplo de país no qual uma mudança de regime não afetou em nada a posição chinesa.

    Para perceber até que ponto vai o lado político da iniciativa, estude os planos que vazaram sobre o Corredor Econômico China-Paquistão, publicados recentemente pelo jornal paquistanês "Dawn". Como apontaram meus colegas do "Financial Times" em sua análise sobre o corredor econômico, esse projeto imensamente ambicioso despertou preocupações no Paquistão (e em outros lugares) em parte por conta do profundo envolvimento planejado para as alas industriais das instituições militares chinesas.

    Nada disso precisa significar que o Um Cinturão, Uma Estrada seja má ideia –especialmente não para a China–, ou que a iniciativa seja um jogo no qual só um lado pode ganhar, e que o restante do planeta precisa combater. Mas significa, como argumentamos na semana passada, que o resto do mundo precisa entender a iniciativa como o plano geoestratégico que ela é, e que os países deveriam responder a ela de acordo com suas visões geoestratégicas.

    Isso se aplica acima de tudo à ponta oposta do eixo que a China está tentando construir: os países europeus e a União Europeia.

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