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    'É preciso desintoxicar os palestinos', diz chefe de ONG de mídia israelense

    DANIELA KRESCH
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE TEL AVIV

    12/06/2017 07h00

    Abbas Momani/AFP
    Palestinian women pose for a "selfie" photograph with a cell phone as they wait in queue by a mural of Fatah leader Marwan Barghuti, painted on a section of Israel's controversial separation wall, next to Qalandia checkpoint in the occupied West Bank on June 9, 2017, in order to attend the second Friday prayers of the Muslim holy month of Ramadan at al-Aqsa mosque in Jerusalem. / AFP PHOTO / ABBAS MOMANI ORG XMIT: AM1644
    Palestinas fazem "selfie" ao lado de grafitti com imagem do líder palestino Marwan Barghuti, do Fatah, no muro entre Israel e a Cisjordânia

    Há pouco mais de 20 anos, Itamar Marcus, um imigrante americano que decidiu morar em Israel quando adolescente, trabalhava num dos ministérios do governo do ex-primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin. Depois do assassinato de Rabin, continuou no governos Shimon Peres e Benjamin Netanyahu, mas logo concluiu que faltava algo entre os políticos israelenses: informações sobre a narrativa palestina em relação aos israelenses em seus programas de TV e livros escolares.

    "Ninguém entendia como era importante saber o que eles diziam para seu próprio povo, não em inglês para estrangeiros, mas em árabe", contou Marcus à Folha em seu escritório, em Jerusalém.

    Em 1996, Marcus fundou o Palestinian Media Watch (PMW), que monitora e analisa o conteúdo da mídia e dos livros escolares da Autoridade Palestina (AP), entidade fundada nos Acordos de Oslo (1993) e que, até hoje, representa os palestinos apesar de o grupo islâmico Hamas, na prática, controlar a Faixa de Gaza.

    "Imediatamente, percebi que havia entrado numa espécie de mundo paralelo", disse Marcus. "Poucos sabem realmente quais as mensagens que as novas gerações palestinos recebem de sua liderança sobre Israel e os judeus".

    Hoje, a PMW é uma das maiores fontes de informação sobre a mídia oficial palestina para o mundo. Marcus viaja constantemente ao exterior e é bastante convidado para entrevistas e análises em canais de TV como CNN e BBC. Ele é criticado pela mídia pró-palestina e, recentemente, retirou o nome da PMW da porta de seu escritório por temor de atentados.

    Marcus testemunhou no subcomitê de Educação do Senado americano sobre a incitação contra Israel nos livros escolares da Autoridade Palestina e o pagamento de salários mensais para presos palestinos condenados por terrorismo.

    Mohammed F Emran/University Press
    Itamar Marcus sentou-se com a imprensa universitária para uma entrevista.Photo Mohammed F Emran / University Press ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
    Itamar Marcus, que fundou o Palestinian Media Watch

    *

    Folha - A Palestinian Media Watch visa revelar o conteúdo da mídia e dos livros escolares oficiais palestinos. Como o senhor avalia essa atuação?

    Itamar Marcus - Temos tido muito sucesso. Hoje, as informações que nós publicamos se tornam base de debate na imprensa e entre líderes mundiais. No recente encontro entre o presidente americano Donald Trump e o presidente palestino Mahmoud Abbas, por exemplo, a questão do pagamento de salários, pela Autoridade Palestina, para presos palestinos em Israel foi assunto importante da pauta.

    Nós é que revelamos, em 2011, que a AP paga salários mensais para assassinos que mataram centenas de civis, entre eles mulheres e crianças, e foram presos e condenados pela Justiça em Israel. Desde então, falei sobre isso em países como Reino Unido, Noruega, Suécia, Dinamarca e Holanda. Começou, então, uma pressão mundial sobre a AP para acabar com esses pagamentos.

    Essa pressão levou a algo?

    Sim. Nosso maior objetivo, a longo prazo, é que a AP pare de incitar ao ódio e passe a ensinar a paz às crianças palestinas. Começamos a ver mudanças depois de revelar programas infantis de TV da AP que passam mensagem às crianças de que judeus são descendentes de macacos e de porcos, são o próprio Satanás ou colaboradores do Satã.

    Quando converso com parlamentares de países doadores à AP, digo que são responsáveis pelo fato de que a próxima geração de palestinos não poderá fazer a paz com Israel porque, para eles, somos "inimigos de Deus".

    Qual é a reação, nesses países?

    Na primeira vez em que fui ao parlamento da Suécia, só sete parlamentares foram me escutar. Da segunda, 27. O mesmo acontece no Reino Unido. Os britânicos chegaram a congelar, temporariamente, suas doações para a AP.

    Essa pressão faz efeito sobre a liderança palestina?

    Sim e não. Depois que o parlamento da Holanda decidiu exigir o fim dos pagamentos a presos, a AP fechou o Ministérios dos Presos. Mas descobrimos que, logo depois, foi aberto um escritório, sob controle da Organização para Libertação da Palestina (OLP), com a mesma equipe para fazer a mesma coisa. O ex-ministro se tornou o chefe desse escritório, que tem as mesmas pessoas, fica no mesmo prédio e tem o mesmo site.

    Os palestinos dizem esses presos são combatentes da liberdade e que, portanto, merecem reconhecimento e sustento financeiro.

    É verdade. Por causa da incitação de sua liderança, os palestinos acham que quem mata crianças e mulheres grávidas é herói. Esta semana, vimos que a Universidade Nacional An-Najah criou a "Classe da Noiva do Litoral Dalal Mughrabi", uma terrorista que, junto com outros oito palestinos, matou 37 israelenses —12 deles crianças— em 1978 dentro de um ônibus numa estrada na costa de Israel. Agora ela é celebrada como heroína, um "modelo".

    Não há nenhuma mensagem positiva sobre Israel na mídia da Autoridade Palestina?

    Não. Você nunca vai ver em nenhum jornal da Autoridade Palestina que milhares de crianças palestinas são tratadas em hospitais de Israel. Pelo contrário, num programa infantil, a apresentadora diz: "A ocupação alveja crianças em todos os lugares. Temos que ter cuidado com esses bárbaros, que tentam matar crianças por nenhum motivo".

    Só quando palestinos falam com a comunidade internacional, em inglês e outras línguas. Há, claro, pessoas que querem a paz. Mas não terão exposição, não serão nomeadas para cargos públicos no sistema escolar público.

    O senhor percebe o mesmo fenômeno na mídia israelense?

    Não. Me encontre alguma citação na TV, em Israel, que diz algo parecido. Ou algum conteúdo de livro escolar que diz que os palestinos são o inimigo de Deus, que não haverá redenção na humanidade até que sejam exterminados. Há opiniões políticas sobre os palestinos, mas ninguém diz que são subumanos e têm que ser mortos.

    Israeli Government Press Office/Reuters
    Guerra dos Seis Dias: israelenses entram em Jerusalém leste, em junho de 1967. [FSP-Mundo-05.06.97] An undated file photograph from the 1967 Six Day War shows Israeli troops as they enter the Old City of Jerusalem in an Armored personnel carrier and make their way to the Dome of the Rock, one of the holiest sites in the Moslem world. Israel celebrates June 4 the 30th anniversary of its capture of East Jerusalem. As Israel strengthened security in Jerusalem June 4 on "Jerusalem Day," Prime Minister Netanyahu told the Knesset [Parliament] that "Jerusalem will remain united and whole under Israeli sovereignty for eternity." jwh/Photo by Israeli Government Press Office REUTERS
    Na Guerra dos Seis Dias, israelenses entram em Jerusalém leste, em junho de 1967

    Há 50 anos, depois de vencer a Guerra dos Seis Dias, Israel é criticada por controlar a Cisjordânia e Jerusalém Oriental. Israel errou?

    Sim. Israel esqueceu de contar sua versão da história. Se calou e se preocupou apenas em lutar contra terroristas. Não havia fronteiras claras, em 1967. Havia linhas de trégua pós-guerra de 1948. E essas linhas eram impossíveis de defender.

    Nenhum país pode viver com uma faixa de terra de apenas de 15 km entre um exército inimigo e o mar. Na verdade, a resolução 242 da ONU (de 22 de novembro de 1967) diz que Israel deveria recuar para fronteiras "seguras" e "consensuais", não para as antigas.

    De 1948 a 1967, a Cisjordânia esteve sob controle da Jordânia. E, antes, do Reino Unido. Nunca foi uma entidade palestina. Antes de 1948, quem se identificava como "palestinos" eram os judeus que moravam aqui.

    Como começou essa identificação dos palestinos?

    No aniversario de um ano da OLP, em 1965, uma matéria de jornal explicou isso: "Nosso povo estava sem uma identidade nacional. E então fizemos ações militares e nosso povo ganhou uma identidade", diz a reportagem. Por "ações militares", lê-se terrorismo.

    Quando as pessoas realizam terrorismo em nome de uma causa, acabam recebendo publicidade e prestígio. E quem que não entendem a situação acha que agem assim porque "estão sofrendo", "em desespero".

    Não é verdade?

    Não. O que vemos, no mundo palestino, é que AP apresenta a guerra contra Israel não como um conflito por território, mas como religiosa. O atual assessor de Abbas para assuntos religiosos disse o seguinte: "Nossa luta não é por um pedaço de terra. É entre os que Alá escolheu para a terra sagrada islâmica e os que estão tentando mutilar essa terra". Clérigos dizem que Israel é um projeto do Satanás.

    É antissemitismo?

    Sim. E parecido com o antissemitismo europeu, que diz que os judeus são a fonte de todo o mal do mundo e que só haverá paz quando não existirem. Um ex-diretor do sistema educacional palestino disse, na TV: "Quando um peixe briga com outro peixe no mar, o judeus são os responsáveis". Isso é ideologia nazista.

    O senhor acredita em negociações de paz, diante de seu trabalho na PMW?

    Não pode haver negociações, dessa forma. É uma farsa. Uma pesquisa do Washington Institute perguntou a palestinos se, caso houvesse um acordo de paz com Israel, eles deveriam continuar a lutar para liberar toda a Palestina (incluindo o que é, hoje, Israel). Cerca de 70% disseram "sim".

    Qual seria o cenário ideal, então, no futuro?

    A comunidade internacional precisa pressionar por uma mudança de liderança na AP. E essa nova liderança precisa se livrar de todo o ódio, tem que dizer a seus filhos que, sim, há um conflito territorial. Mas que os judeus não são aliados de Satã.

    É preciso desintoxicar as pessoas, que foram envenenadas. Depois disso, as fronteiras devem ser abertas e temos que cooperar para conviver novamente. Só então, poderemos falar sobre algum tipo de estrutura de governo nacional palestino.

    *

    RAIO-X
    Itamar Marcus, 63

    Nascimento
    29 de agosto de 1953 em Nova York

    Formação
    Bacharelado em Ciências Políticas pela New York City College e mestrado em Cultura Judaica

    Ocupação
    Fundador e diretor da ONG Palestinian Media Watch, que monitora e analisa o conteúdo da mídia e dos livros escolares da Autoridade Palestina.

    Moradia
    Assentamento de Efrat, na Cisjordânia. É casado, tem cinco filhos e quatro netos

    Obras
    "Deception: Betraying the Peace Process" (2011, com Nan Jacques Zilberdik)

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