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    Helmut Kohl, chanceler da Alemanha durante a reunificação, morre aos 87

    JOÃO BATISTA NATALI
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    16/06/2017 12h42 - Atualizado às 13h42

    O ex-chanceler alemão Helmut Kohl, arquiteto do processo de reunificação da Alemanha em 1990, morreu nesta sexta-feira (16), aos 87 anos, em sua casa na cidade de Ludwigshafen.

    Kohl chefiou a Alemanha Ocidental de 1982 a 1990 e, até 1998, governou a Alemanha reunificada, tornando-se o chanceler democraticamente eleito que permaneceu por mais tempo no poder –no cargo desde 2005, Angela Merkel, de quem Kohl foi mentor, pode se igualar a ele se vencer as eleições gerais em setembro.

    Reconhecido também por sua influência na adoção do euro pela Alemanha, Kohl era o patriarca de seu partido, a CDU (União Democrática Cristã). "Estamos de luto. Descanse em paz", escreveu a CDU em uma rede social.

    A saúde de Kohl estava debilitada desde que ele sofreu uma queda, em 2008, e passou a usar cadeira de rodas. Um derrame também limitou seus movimentos.

    REUNIFICAÇÃO

    Um dos bordões da política diz que grandes mudanças são quase sempre operadas por dirigentes conservadores. A reunificação da Alemanha Kohl é dos casos mais típicos.

    É bem verdade que não coube a ele, como chanceler, provocar a implosão do comunismo, castelo de cartas que caiu juntamente com o Muro de Berlim, levando pouco depois à dissolução da União Soviética. Essa sucessão dramática de episódios pôs fim ao chamado "socialismo real" no Leste Europeu.

    Mas Kohl foi responsável pela delicada operação que reativou o mapa do Estado alemão unificado, costurado por Otto Von Bismarck, em 1871, e que se dividiu em duas Alemanhas após a queda de Hitler, em 1945.

    Reprodução/Twitter

    Paradoxalmente, a imagem pública de Helmut Kohl foi manchada um ano depois de sua saída do governo. Foi quando a mídia revelou a existência de um caixa dois com a qual a CDU financiou suas campanhas nos anos 80 e 90. Kohl, a princípio, disse que não tinha conhecimento de irregularidades.

    Mais tarde, admitiu que cerca de 2 milhões de marcos (a moeda alemã à época, algo em torno de US$ 1 milhão) em doações não foram devidamente declarados durante seu governo. O partido pagou multa pesada, e Kohl teve sua reputação abalada.

    Ele renunciou em 2000 à presidência de honra da CDU –fazendo justamente emergir o nome de Merkel, que foi ministra em seu gabinete– e passou os últimos anos de sua vida num programado e discreto anonimato.

    Mas o ponto alto de sua biografia permanecerá a reunificação, desencadeada, no fim de 1989, pelo colapso da Alemanha Oriental (descendente da zona de ocupação soviética, em 1945) e pela queda do Muro de Berlim.

    Internamente, Kohl se viu diante de um complicado quebra-cabeças, que era o de reintegrar à República Federal a então Alemanha Oriental, território economicamente assistencialista e ineficiente, segundo as fórmulas generosas do comunismo.

    Sua principal decisão foi a de reconhecer a paridade entre o marco ocidental e o marco oriental, que no mercado negro valia três vezes menos. Era uma forma de assumir o prejuízo monetário para que os orientais tivessem o mesmo poder de compra no capitalismo reinstituído em seus territórios.

    Em termos externos, a questão era a de gerir a imagem de uma Alemanha que passaria a ser a incontestável maior economia da União Europeia. Nesse momento, Kohl recebeu o sinal verde e o estímulo do então presidente da França, o socialista François Mitterrand (1916-1996). A França abria mão da disputa pela hegemonia europeia, em favor de seu grande aliado e ex-inimigo histórico, desde a guerra franco-prussiana de 1871.

    Helmut Kohl nasceu em Ludwigshafen, no Estado da Renânia-Palatinado, numa família católica. A religião o levou à juventude da CDU ainda como secundarista.

    Continuou a militar ao entrar para a Universidade de Heidelberg, onde se formou em história e ciências políticas e fez doutorado. Jovem executivo numa indústria química de Ludwigshafen, elegeu-se vereador em 1960. Foi o início de uma carreira que o levaria, em 1969, ao cargo de governador da Renânia-Palatinado.

    Indicado por seu partido como candidato a chanceler, em 1976, foi derrotado pela coalizão de centro esquerda, de Helmut Schmidt. Tornou-se, então, líder da oposição no Bundestag (Parlamento). O social-democrata Schmidt caiu em outubro de 1982 após perder um voto de confiança parlamentar, e Kohl, aliado aos liberais, tornou-se chanceler. As eleições parlamentares do ano seguinte solidificaram seu poder, em aliança com a CSU, a União Social-Cristão da Baviera.

    Wolfgang Rattay - 27.ago.2012/Reuters
    ORG XMIT: WR06 Former German Chancellor Helmut Kohl is seen in the former lower house of parliament Bundestag in Bonn August 27, 2012. The Konrad Adenauer Foundation (KAS) of Germany's Christian Democratic Union (CDU) party, named after Germany's first post-WWII-war Chancellor Konrad Adenauer, marked Kohl's 30th anniversary of his 16-year-long era as German Chancellor. REUTERS/Wolfgang Rattay (GERMANY - Tags: POLITICS HEADSHOT)
    Ex-chanceler alemão Helmut Kohl

    Já naquele momento a preservação da prosperidade alemã estava condicionada a seu papel na União Europeia, o que levou Kohl a acirrar aliança com a França de Mitterrand. Foi simbólico o encontro de ambos em 1984, em Verdun –solo da batalha que marcou a derrota alemã na Primeira Guerra Mundial.

    Era um novo atestado de reconciliação, iniciado bem antes por De Gaule e Adenauer. Mas, agora, com um guarda-chuva institucional europeu bem mais sólido. A Europa se uniria por laços institucionais bem mais fortes em 1992, com o Tratado de Maastricht, em que Mitterrand e Kohl foram os grandes arquitetos.

    Também aliada dos Estados Unidos em razão da Guerra Fria, Kohl preservou e fortaleceu a presença militar americana em solo alemão. Relacionou-se bem com o presidente Ronald Reagan, em companhia de quem –gesto altamente simbólico– visitou cemitérios militares americanos da Segunda Guerra Mundial.

    Mas a Alemanha também mirava na direção do Leste Europeu, fundamental para a "detente" que aliviaria as tensões na Europa. Kohl, o que foi visto como um gesto bastante ousado, convidou em 1987 para visitá-lo o líder da Alemanha Oriental, Erich Honecker.

    Esse embrião de degelo se tornaria de grande utilidade quando, em 1990, se efetivaria a reunificação das duas Alemanhas. Ambas se consideravam até então como dois Estados que dividiam uma única nação.

    Nas Olimpíadas, por exemplo, as duas Alemanhas desfilavam juntas nas cerimônias de abertura. Em lugar de cada uma cantar seu próprio hino, ambas adotavam o último movimento da "Sinfonia no. 9", de Beethoven.

    Kohl tirou proveito desse sentimento de unidade e se dispôs a pagar o alto preço da modernização da ex-RDA (comunista) em praticamente todos os setores: estradas e sistema de transportes, habitação, parque industrial, informatização e tecnologia.

    E, no que foi uma consequência natural da reunificação, foi Kohl que abandonou Bonn, junto ao Reno, e transferiu a capital de seu país para a reunificada Berlim.

    *

    HELMUT KOHL
    CRONOLOGIA

    3.abr.1930
    Nasce em Ludwigshafen, na Alemanha

    1960
    Casa-se com Hannelore Renner

    1969
    Vira governador do Estado da Renânia-Palatinado

    1973
    Assume a liderança da CDU (União Democrata Cristã)

    1982
    É eleito chanceler da Alemanha Ocidental

    1989
    Cai o Muro de Berlim, que separava as duas Alemanhas; poucas semanas depois, Kohl propõe confederação que levaria à reunificação

    3.out.1990
    Alemanha é reunificada

    1998
    Ao tentar se reeleger chanceler, é derrotado pelo social-democrata Gerard Schroeder

    1999
    Admite ter recebido doações eleitorais não declaradas enquanto estava no poder

    2008
    Casa-se com sua segunda mulher, Maike Richter; sofre uma queda que fragiliza sua saúde

    16.jun.2017
    Morre aos 87 anos em sua casa em Ludwigshafen

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