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    Governo Trump

    Desordem na Casa Branca causa desgaste para o vice Mike Pence

    ASHLEY PARKER
    DO "WASHINGTON POST"

    16/06/2017 17h00

    Lynne Sladky/Associated Press
    O vice-presidente dos EUA, Mike Pence (esq.), cumprimenta Trump após discurso em Miami nesta 6ª
    O vice-presidente dos EUA, Mike Pence (esq.), cumprimenta Trump após discurso em Miami nesta 6ª

    O vice-presidente norte-americano Mike Pence fez 58 anos no dia em que dois funcionários de alta patente das agências de inteligência dos EUA depuseram diante de um comitê do Senado sobre as investigações do FBI (polícia federal americana) quanto à Rússia.

    E um dia antes que James Comey, demitido de seu posto como diretor do FBI, depusesse diante do mesmo comitê para esclarecer por que acreditava que o presidente Donald Trump havia agido de maneira indevida.

    Os dois dias de depoimento consecutivos representam apenas os mais recentes sinais de uma Presidência em desordem. Mas Pence parecia completamente despreocupado, em uma visita a Houston para um evento com astronautas, naquela manhã.

    A equipe dele decorou a cabine central do Air Force Two, o avião vice-presidencial, com balões e fitas, e o recebeu a bordo com um "Parabéns a Você" cantado entusiasticamente.

    "O que é isso?", o vice-presidente perguntou, sorrindo, abrindo bem os braços e contemplando a cena com uma combinação de falsa surpresa e satisfação contida. "Vocês exageraram."

    O governo de Donald Trump parece estar saindo de controle, mas Pence estava –literal e figurativamente– a milhares de quilômetros do torvelinho em Washington, projetando uma postura de serena confiança ou de deliberada ignorância da realidade, a depender da perspectiva do observador.

    E é essa a vida de Pence, que conquistou o apoio e confiança de seu chefe gradualmente. Na segunda-feira, quando Trump realizou a primeira reunião de todo o seu gabinete, Pence ditou o tom ao declarar que trabalhar para o presidente era "o maior privilégio de minha vida" –o que deflagrou uma avalanche de declarações obsequiosas, com os demais presentes se revezando em elogios derramados ao líder.

    Mas o equilibrismo político de Pence começa a mostrar sinais de desgaste, como mostra este retrato do vice, que tem por base entrevistas com 17 assessores, assistentes, amigos, aliados e operadores políticos republicanos. O vice-presidente recusou um pedido de entrevista.

    MEDIDAS DE PROTEÇÃO

    Com a expansão da investigação sobre a Rússia, por exemplo, Pence tomou nesta semana medidas de proteção, contratando Richard Cullen, antigo secretário da Justiça da Virgínia e ex-procurador federal, como consultor jurídico, da mesma forma que Trump apontou o advogado Marc Kasowitz para função semelhante.

    Os assessores do vice-presidente também estão discutindo a possibilidade de buscar ajuda adicional no campo da estratégia –com a indicação de Nick Ayers, estrategista sênior do vice-presidente e presidente do comitê de ação política de Pence, recentemente organizado; ou Marc Short, no momento encarregado de questões legislativas na Casa Branca; ou ainda Marty Obst, antigo diretor de campanha na disputa do governo estadual de Indiana por Pence e hoje diretor executivo de seu comitê de ação política.

    As medidas parecem ter por objetivo, ao menos em parte, recolocar o vice-presidente no papel que lhe é mais confortável –o de apoiar e defender o presidente– e ao mesmo tempo isolá-lo da desordem que cerca a Casa Branca.

    Há quem acredite que o vice-presidente venha sofrendo as consequências do caos político na Casa Branca, e que contar com um assessor mais vigoroso em sua equipe poderia beneficiá-lo.

    "É difícil ser o vice de Donald Trump, porque Trump diz coisas exageradas e, quando você é vice-presidente, tem de ir à TV e defender coisas difíceis de defender", disse Stephen Moore, economista da Heritage Foundation que foi um dos principais consultores da campanha presidencial de Trump. "E ele o faz de maneira incrivelmente habilidosa."

    Mas um funcionário importante da Casa Branca acautelou contra o "veneno de um vice-presidente que está feliz por ser o número dois".

    "Uma das grandes forças, nele, é que nunca diz não –mas é importante que Pence não seja um sicofanta", acrescentou esse funcionário, que pediu que seu nome não fosse revelado para que ele pudesse fazer uma avaliação mais franca.

    EMBARAÇO

    Pence sofreu dois momentos de profundo embaraço que parecem definir seu papel nos primeiros meses do governo.

    O primeiro aconteceu quando ele foi enganado sobre os contatos entre o ex-assessor de segurança nacional de Trump, Michael Flynn, e os russos; e o segundo no mês passado, quando Trump o contradisse publicamente sobre os motivos para a demissão de Comey.

    Um aliado do vice-presidente o descreve como "no limite da paciência", e acrescenta que "existem algumas lacunas na organização".

    Um assessor sênior da Casa Branca disse que Pence estava exasperado com a equipe de comunicações do presidente, que o preparou mal para defender publicamente a demissão de Comey.

    Mas o gabinete de Pence argumenta que Trump jamais puxou o tapete de Pence ao comentar publicamente que havia demitido Comey por conta do inquérito sobre a Rússia; a equipe de Pence diz que o presidente estava simplesmente falando sobre o contexto de sua decisão, e que não cabe ao vice-presidente explicar o processo decisório de Trump.

    "O vice-presidente reafirma tudo que disse e desfruta de um ótimo relacionamento de trabalho com todos os departamentos da Casa Branca", disse Jarrod Agen, porta-voz de Pence.

    Ainda que Trump e Pence tenham um relacionamento pessoal caloroso, os aliados do vice-presidente afirmam que este enfrenta dois desafios sérios. Primeiro, em uma Casa Branca repleta de facções em luta pela supremacia, os interesses dos vice-presidente muitas vezes terminam desconsiderados.

    Talvez mais importante, eles dizem, é que Pence é simplesmente leal demais e se dispõe a papaguear a mensagem da Casa Branca, ainda que isso seja perigoso para sua posição.

    Um antigo assessor de Pence descreveu o papel do vice-presidente na Casa Branca como o de "um funcionário de altíssima senioridade", e não como o de um executivo dotado de poderes autônomos.

    Pence tem um escritório na Ala Oeste da Casa Branca e outro no Eisenhower Executive Office Building, que abriga a sede oficial da Vice-Presidência, e é comum vê-lo flutuando pelos corredores a caminho do Gabinete Oval, como outros funcionários da Casa Branca.

    Outro antigo assessor fala do "respeito quase militar pela autoridade" como característica forte do vice-presidente.

    Diante da revelação de que Flynn o havia iludido sobre seus contatos com os russos, por exemplo, Pence teve de ser instado pela sua equipe a expressar ao presidente sua insatisfação com o então assessor de segurança nacional, de acordo com duas pessoas informadas sobre o incidente.

    E, embora assessores digam que Pence oferece conselhos honestos e francos a Trump em suas reuniões pessoais, alguns aliados do vice-presidente prefeririam que ele fosse mais ousado ao expressar suas opiniões nos debates coletivos que o presidente aprecia.

    EQUILÍBRIO

    O outro lado da moeda, claro, é que ao manter reserva sobre suas opiniões em público, o vice-presidente –que, por exemplo, aconselhou Trump a abandonar o acordo de Paris sobre o clima, mas não alardeou sua vitória– não só despertou boa vontade da parte de Trump como também conseguiu se manter isolado das fofocas e disputas de poder que abalam o governo.

    "Pence encontrou uma maneira de manter o equilíbrio entre a imensa influência que exerce e a posição de um intermediário honesto, e isso é difícil de realizar", disse Ralph Reed, fundador da Faith and Freedom Coalition.

    O vice-presidente –que costuma bloquear de imediato qualquer conversa sobre uma possível candidatura à Presidência- - despertou suspeitas entre os fiéis de Trump ao lançar seu comitê de ação política, o Great America Committee, na metade de maio, pouco depois que Trump demitiu Comey e durante um período de perigo político especialmente intenso para o presidente.

    Ainda que a formação da organização –que pode, por exemplo, custear despesas de viagens de campanha– estivesse planejada há muito tempo, e que ela tenha sido aprovada nos mais altos escalões da Casa Branca, o momento foi infeliz.

    Funcionários da Casa Branca desconfiaram que o vice-presidente estivesse tentando se posicionar de maneira prejudicial a Trump, e Roger Stone, um veterano confidente do presidente, usou o Twitter para dizer que "nenhum vice-presidente na história moderna dos EUA teve um comitê de ação política em ação antes da marca dos seis meses do primeiro mandato de um presidente. Hmmm".

    O comitê de ação política de Pence planejava um lançamento mais vistoso, mas isso foi rapidamente abandonado, e Ayers e Obst afirmaram a assessores de Trump que a organização estava sendo preparada há meses e que sua única intenção era ajudar o vice-presidente a promover a agenda do governo em todo o país.

    "As pessoas precisam escolher", disse Kellyanne Conway, assessora jurídica do presidente. "Elas não podem dizer que ele é completamente leal e ao mesmo tempo que está competindo com o presidente."

    Na metade do ano, Pence vai acelerar seus esforços de arrecadação de verbas para vários comitês do Partido Republicano, que começarão a ajudar nas campanhas de diversos candidatos a partir do recesso de agosto e até o final do ano.

    Ele deve viajar em campanha com Ed Gillespie, o indicado do Partido Republicano para disputar o governo estadual da Virgínia.

    Pence também ajudará nos contatos com diversas organizações conservadoras e planeja para agosto uma viagem a quatro países da América do Sul, com foco em questões de segurança e comércio.

    CAPRICHOS DO MESTRE

    Trump escolheu Pence inicialmente em parte porque ele parecia um candidato ideal à Vice-Presidência –um político bonitão de um jeito genérico, com cabelos grisalhos rebeldes mas bem aparados e um físico compacto que parece refletir os ícones de masculinidade republicanos de eras passadas.

    Mas, no governo de um antigo astro de reality show, Pence, que sempre aplaude o presidente e frequentemente fala sobre sua "liderança de ombros largos", de alguma forma se tornou uma paródia do vice-presidente deferente –um servo sempre à espera, ansioso por atender aos menores caprichos de seu mestre.

    Um operador político republicano recorda uma reunião com líderes empresariais na Roosevelt Room, para a qual Pence se atrasou.

    Ainda que que houvesse uma cadeira vazia na mesa reservada a Pence perto de Trump, o vice-presidente preferiu esperar em pé na entrada da sala, como se fosse um funcionário subalterno, e só se acomodou em seu assento quando surgiu uma pausa na conversa.

    Outros dizem que diferenças de antecedentes e temperamento também impedem que Pence se torne um verdadeiro confidente de Trump.

    O presidente, afinal, habitualmente avalia outras pessoas com base em sua riqueza, e Pence —que brincou durante a campanha que "um montão de zeros" o separava de Trump– não tem como concorrer com os amigos magnatas do presidente.

    Pessoas que conhecem bem as interações entre os dois dizem que o presidente sempre encontra maneiras brincalhonas de lembrar a Pence quem manda de verdade.

    Ele repete constantemente seus gracejos pelo apoio de Pence ao senador Ted Cruz, do Texas, nas primárias republicanas em seu Estado, e gosta de provocar o vice sobre as plateias menores que ele atraía em campanha –uma brincadeira que Pence mesmo começou a repetir.

    Uma pessoa recorda que há momentos, quando Pence fala em uma reunião, em que o presidente faz afagos verbais em tom um tanto condescendente. "Ele não foi uma escolha ótima?", Trump diz, no tom que um pai emprega quando um filho enfim diz algo de útil.

    Joel Goldstein, estudioso da Vice-Presidência e professor de Direito na Universidade de St. Louis, diz que Pence parece desfrutar de contatos pessoais frequentes com Trump e que serve de intermediário entre o Executivo e o Congresso, mas acrescentou que ele muitas vezes causa a impressão de ser "o sicofanta-chefe".

    "Ele corre um risco real, porque sua celebração de Trump muitas vezes se baseia em elogios à pessoa do presidente, e não na substância das políticas que ele está tentando promover. Acho que isso pode fazer com que Pence pareça fraco, nem um pouco presidencial e desprovido de dignidade", disse Goldstein.

    Mas Pence até agora aceitou os rigores e desafios do posto com uma serenidade que alguns amigos e assessores atribuem à sua fé cristã.

    DECISÃO DO NAFTA

    As atribuições oficiais do vice incluem presidir uma comissão de investigação de fraudes eleitorais, presidir o Conselho Nacional do Espaço e presidir o Senado.

    Seus aliados dizem que ele teve papel importante na decisão de Trump quanto a indicar Neil Gorsuch para a Suprema Corte e também influenciou outras decisões ministeriais, entre as quais a seleção de Betsy DeVos para a educação, a de Nikki Haley para o posto de embaixadora na ONU e a de Sonny Perdue para a agricultura.

    Pence também ajudou na retomada do projeto de lei de saúde pela Câmara, depois do fracasso em sua primeira tentativa de aprovação.

    Em um dia frenético no qual chegou a parecer provável que Trump abandonaria o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta, na sigla em inglês), Pence serviu de intermediário junto a empresários, muitos dos quais ligaram para expressar preocupação. "Entendo o que vocês estão dizendo", ele disse a diversos executivos preocupados. "Entrarei em contato."

    E quando Trump decidiu manter os EUA no acordo, Pence voltou a conversar com os executivos, limitando-se a dizer: "Tudo resolvido". Um operador republicano aponta que Pence não tentou assumir nenhum crédito pela mudança na opinião do presidente.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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