• Mundo

    Friday, 22-Nov-2024 19:25:57 -03

    dias melhores

    Filhos de decasséguis se adaptam a escola brasileira com ajuda de projeto

    ANA ESTELA DE SOUSA PINTO
    DE SÃO PAULO

    25/06/2017 02h00

    Acuadas, as gêmeas só falavam entre elas e não saíam da classe nem para tomar lanche, conta Valkíria Bento Luiz, diretora da escola estadual Professor Allyrio de Figueiredo Brasil, em Guarulhos.

    "Já tinham 12 anos, mas choravam como se estivessem no jardim da infância." Eram filhas de decasséguis (brasileiros que imigraram para o Japão em busca de trabalho) que haviam voltado ao Brasil após a crise global de 2008.

    Como elas, cerca de 35 mil crianças experimentavam a mesma angústia: suas famílias haviam deixado o Japão na onda de desemprego que atingiu 250 mil brasileiros.

    A maior parte não sabia ler nem escrever português. As gêmeas de Guarulhos, nascidas no Japão, mal sabiam falar no idioma de seus pais.

    "Foi com a ajuda do Kaeru que elas conseguiram se adaptar e terminar o ensino médio", diz Valkíria.

    Kaeru (palavra que significa tanto "voltar" quanto "sapo" em japonês) é um projeto coordenado pela psicóloga Kyoko Nakagawa para crianças que precisam superar o luto da mudança de país.

    SEM MEDO DA ESCOLA
    Filhos de decasséguis que voltaram ao Brasil em atividade do projeto Kaeru

    "Passou a chegar uma avalanche de gente, muitos sem documentos, sem preparo algum. As crianças haviam perdido tudo o que conheciam, amigos, referências, o tipo de lazer. E o pior é que não puderam escolher, foram trazidas pelos pais."

    Nascida em Tóquio, Kyoko chegou ainda bebê a São Paulo, mas passou por dificuldade parecida. Seus pais achavam que voltariam logo ao Japão e não se preocuparam em lhe ensinar português.

    Aos seis anos, foi encaminhada para uma classe especial e passava os dias na escola sozinha. "Fui salva por uma professora ótima do primeiro ano", diz Kyoko.

    É o que sua organização, patrocinada pela Mitsui, tenta fazer com as 82 crianças atendidas em 31 escolas públicas na cidade de São Paulo.

    "Sem ajuda e sem conseguir se relacionar com os colegas, as crianças acabam se isolando e desenvolvendo distúrbios", afirma.

    O primeiro ano é o mais difícil, e a adaptação pode durar até dois anos. Os cinco integrantes da Kaeru visitam uma vez por semana escolas de bairros com concentração de decasséguis que voltaram, como Saúde, Jabaquara, Vila Carrão, Itaquera, Vila Matilde, Penha e na divisa com Guarulhos, entre outros.

    COM OS AMIGOS

    Além de dar apoio psicológico, a entidade passou a promover encontros aos finais de semana. "Quando estão juntos, podem falar japonês entre si e dividir as experiências comuns." Também fazem excursões por lugares como o parque Ibirapuera, o Instituto Butantan e a museus como a Pinacoteca. "É uma forma de irem se apropriando da cidade", afirma Kyoko.

    Segundo ela, a ajuda se estende aos pais. "As famílias chegam depois de 15 ou 20 anos, sem casa para morar. Ficam de favor na casa de alguém, surgem brigas, alcoolismo, depressão. Para ajudar as crianças, é preciso cuidar também dos adultos."

    Mônica Nakamashi foi uma das mães que se beneficiaram do trabalho da Kaeru. Mãe de três meninas, hoje com 17, 12 e 8 anos, ela tentou por duas vezes a sorte no Japão. Na segunda, ficou por cinco meses.

    Voltou em 2011. "Trabalhava fora o dia todo, com três filhas, e, como não dominava o japonês, não conseguia ajudar nas atividades escolares. Percebi que os anos estavam passando, elas não estavam aprendendo direito, e eu me sentia péssima."

    Tímidas, as filhas mais velhas sofreram com a adaptação ao ensino municipal. "A do meio não queria ir à escola de jeito nenhum, chorava todos os dias. Precisei acompanhá-la por quatro meses até que se adaptasse."

    Em 2012, entraram no projeto Kaeru. "Nas sessões, elas faziam velas, bordados, tricotavam e iam conversando sobre as dificuldades."

    Em pouco mais de um ano, segundo a mãe, a filha mais velha já conseguia ler e escrever em português e havia melhorado seu vocabulário.
    Mônica começou a participar também das oficinas e passeios de final de semana.

    "Conheci famílias com histórias muito parecidas com a minha. Fizemos amizade e trocamos experiências."

    Edição impressa
    dias melhores

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024