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    ANÁLISE

    Theresa May revela face Dilma em acordo com partido nanico

    LEÃO SERVA
    COLUNISTA DA FOLHA

    26/06/2017 21h16

    "Se a esmola é demais, o santo desconfia". A primeira-ministra britânica não deve ter lembrado do ditado, tão popular no Brasil, ao anunciar o acordo para comprar o voto dos dez deputados do partido "unionista" norte-irlandês DUP, necessários para alcançar maioria no Parlamento e assumir formalmente o governo.

    Theresa May anunciou o apoio em uma reunião na presença de representantes do partido, disse que será bom para todos do Reino Unido. Depois, a líder do DUP, Arlene Foster, falou sobre os termos, digamos, pecuniários do acordo: ele vai envolver R$ 4,3 bilhões em investimentos na Irlanda do Norte ao longo dos próximos dois anos, a mais do que previa o orçamento para a região.

    Foi uma mensagem errada passada com um protocolo errado, como os brasileiros aprenderam no processo em que Dilma Rousseff definhou da maior base parlamentar da história do país para a queda. Partidos nanicos não podem parecer mandar à revelia do voto da maioria. O resultado da submissão do maior ao menor, o Brasil todo já conhece. Os britânicos poderão saber agora: em vez de estabilidade, o acordo cria tempestades.

    Stefan Wermuth/Reuters
    A primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May, após sair de uma igreja em Sonning
    A primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May, após sair de uma igreja em Sonning

    A Irlanda do Norte já é a região com maior investimento público do governo nacional, per capita. A disparidade se explica porque ela saiu de uma guerra civil em 1998. O jornal "Evening Standard" (conservador, diga-se) estima que hoje a diferença é de 21% a mais do que o resto do país. O reino aceita a situação especial, em nome da pacificação.

    Mas o investimento direto anunciado nesta segunda-feira (26) vai se somar ao privilégio já existente. É algo difícil de imaginar que possa ser suportado pela opinião pública em uma democracia estável.

    O primeiro sinal negativo veio do normalmente moderado prefeito de Londres, Sadiq Khan: "Há um evidente desconforto porque o governo vai fazer gentilezas com dinheiro público, para comprar o voto do DUP, às custas das outras regiões do país". Nos próximos dias é provável que reações semelhantes surjam nas outras duas nações que compõem o Reino Unido (Escócia e País de Gales).

    Além dos investimentos públicos diretos para a Irlanda do Norte, o DUP exigiu que o governo abandone o plano de cortar dois gastos na área social: o partido Conservador queria eliminar uma "bolsa" que o governo repassa aos pobres para custear o aquecimento doméstico no inverno; e propunha acabar com os aumentos reais das aposentadorias (uma fórmula chamada de "triple lock", ou três trancas, que garante ganhos reais nas pensões).

    Os dois cortes significariam uma economia de cerca de R$ 60 bilhões ao longo do mandato de cinco anos. A medida é popular mas resulta em mais desequilíbrio orçamentário, que deverá ser pago de alguma forma: aumento do déficit orçamentário, que pode causar juros maiores ou inflação; ou cortes de gastos em outras áreas. Tudo causa impopularidade em médio prazo.

    A indisposição com a primeira-ministra em seu próprio partido é imensa. Só não estourou uma rebelião porque a regra para formação do governo após eleições prevê que se a governante não conseguir, o direito passa ao líder da oposição. Mas se May conseguir e, pouco depois, renunciar, o direito passa a uma pessoa de seu próprio partido. É isso que os adversários internos pretendem.

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