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    Putin era agente medíocre da KGB, diz antigo superior

    IGOR GIELOW
    ENVIADO ESPECIAL A MOSCOU

    02/07/2017 02h00

    Alexei Druzhinin/Associated Press
    O presidente da Rússia, Vladimir Putin, chega a cerimônia de formatura militares em Moscou
    O presidente da Rússia, Vladimir Putin, chega a cerimônia de formatura militares em Moscou

    O todo-poderoso presidente russo, Vladimir Putin, é um ex-oficial da KGB, forjado nos perigos e ardis da Guerra Fria. Sempre que pode, a imprensa ocidental lembra dessa qualificação de forma ora atemorizada, ora derrogatória, e Putin pouco faz para desfazer a aura.

    "Vamos ser honestos, essa é uma imagem errada. Putin nunca passou de um agente medíocre", afirma um de seus antigos superiores, o general aposentado Nikolai Leonov, 88.

    Ele tem autoridade no assunto: ficou na KGB de 1956 a 1991 e era o número dois do temido serviço secreto soviético no período em que Putin serviu na Alemanha Oriental, entre 1985 e 1990.

    "Quando nós tínhamos um cadete fluente em alemão, como era o caso de Putin, se ele fosse bom iria para a Alemanha Ocidental ou para a Áustria, para a linha de frente", conta Leonov.

    "Mas ele foi para o lado oriental, que era comunista. Bom, então se fosse importante iria para Berlim, que era o ponto de contato com o lado ocidental, e estaria em coordenação com a Stasi –a polícia secreta do regime socialista alemão."

    Putin foi colocado em Dresden, no interior alemão-oriental. "Não havia nada para fazer lá, só os de segunda classe iam para lá. Quando alguém voltava, de todo modo, se fosse bom iria para Moscou para se preparar para um próximo posto", continua.

    O hoje presidente voltou para sua terra natal, Leningrado, a atual São Petersburgo. "O círculo se fecha. Ele foi colocado na universidade local para espionar alunos estrangeiros, que em sua maioria eram comunistas leais mesmo", diz o general.

    Para ele, que ocupou a chefia adjunta da Primeira Diretoria da KGB entre 1983 e 1991, Putin não pode dizer que "foi forjado" na agência.

    "Há até um sinal típico disso. Ele está sempre atrasado para compromissos. Isso é estranho, escandaloso para um oficial de inteligência. Nós pecamos pela pontualidade excessiva, porque a vida de nossos comandados dependia disso."

    Leonov é citado aqui e ali na internet como "amigo e mentor" de Putin, mas nega ter conhecido diretamente o então oficial subalterno, até pelo que qualifica de insignificância dele na estrutura –o presidente chegou à patente de tenente-coronel.

    Em seu favor, ressalte-se que Putin nunca se gabou de ser alguém importante na KGB. No livro-depoimento "Primeira Pessoa", publicado logo após assumir pela primeira vez o Kremlin em 2000, o presidente é econômico em falar sobre seu recrutamento ao fim do curso de direito, em 1975, e sua melhor lembrança sobre os tempos de Dresden foi ter ganhado peso por causa da boa cerveja local.

    Era, admite, "uma posição menor". Ainda assim, a mídia ocidental insiste em reforçar esse passado como uma prova do quão sinistro Putin pode ser: basta ver como ele é retratado na imprensa liberal dos EUA ou, em particular, no Reino Unido.

    Não que isso não o favoreça. "O mistério reforça a imagem de homem misterioso, forte, conhecedor de segredos. E o Ocidente morre de saudade da Guerra Fria", diz o cientista político Konstantin Frolov, de Moscou.

    Até a linguagem corporal do presidente, que costuma andar com o braço direito junto ao corpo, como se estivesse a ponto de sacar uma arma, é vista como herança de seu treinamento na KGB.

    AIN
    O general russo Nikolai Leonov durante encontro em Cuba
    O general russo Nikolai Leonov durante encontro em Cuba

    OPORTUNISMO

    Leonov aponta o que chama de oportunismo de Putin. "Ele viu que tudo ruía quando voltou a Leningrado, e logo virou amigo dos opositores", referindo-se a Anatoli Sobtchak, o liberal prefeito da cidade que trouxe Putin para cuidar de investimentos estrangeiros em seu gabinete em 1990, dando início à sua carreira política.

    Ex-deputado por um partido nacionalista, Nikolai Leonov afirma que Putin não é tão poderoso quanto parece. "O sistema econômico da Rússia, que nem de longe pode ser chamado de capitalista, é dominado por oligarquias públicas e privadas. Por isso, querem que tudo fique como está", afirma.

    Para ele, o presidente é dominado pelas oligarquias. "Todas as leis são de interesse da grande burguesia, a gasolina é cara enquanto o petróleo tem preço internacional baixo, mas acho que o povo está começando a se dar conta disso", diz, citando os recentes protestos anti-Putin.

    Ele é pessimista sobre o futuro da Rússia. "Somos um barco parado. Muitos países vão passando à nossa frente, como Brasil ou México, e não temos mapa do caminho. Onde estaremos em 5, 10 ou 15 anos?", afirma, rechaçando que a volta do comunismo seja hoje uma opção, apesar de sua clara simpatia ao regime.

    AMIZADE COM RAÚL E FIDEL CASTRO

    As discussões sobre a nova Constituição cubana giram em torno de propostas colocadas na mesa em 2011 pelo ditador Raúl Castro: mandato presidencial de cinco anos com direito a uma reeleição, limite de idade de 60 anos para assumir cargos do Comitê Central, manutenção do unipartidarismo e de eleições indiretas –que irão confirmar o número dois do regime como novo presidente.

    Esse é o resumo dado por Nikolai Leonov após passar seis meses em Havana. A mensagem foi transmitida pelo próprio Castro, de quem é amigo desde 1953, quando ambos se encontraram durante uma viagem de navio após um congresso de jovens comunistas na Romênia.

    Leonov esteve na ilha comunista do Caribe cuidando dos detalhes de uma biografia do amigo ditador que ele está finalizando –e a quem defende ferreamente.

    "A transição está completa. O número dois já está pronto, é o Miguel Díaz-Canel, que é uma pessoa que não tem nada a ver com a origem da revolução. Mas o Partido Comunista continuará no poder", afirma o general aposentado.

    Díaz-Canel, 57, foi elevado ao cargo de primeiro vice-presidente do Conselho de Estado de Cuba, e deverá superar desconfianças do Exército para ser eleito para o lugar de Raúl ao fim do mandato autoconcedido pelo ditador de 86 anos, que expira no ano que vem.

    Em espanhol límpido e lúcido, apesar de ter tido a visão algo comprometida por um derrame recente, Leonov afirma que a aproximação iniciada com Cuba no final de 2014 pelo então presidente dos Estados Unidos Barack Obama "significa uma vitória da revolução".

    Para ele, as ameaças de rompimento por parte do atual mandatário americano, Donald Trump, "são bobagem, não se pode deter agora o processo", ressaltando que o republicano falou grosso, mas não cortou laços diplomáticos com a ilha.

    A carreira do general russo se mistura com a história da Revolução Cubana, ocorrida em 1959.

    Dois anos depois de conhecer Raúl, travou contato com Fidel Castro e Che Guevara, e apresentou o trio ao Kremlin –levando a revolução, na época sob pressão americana, a cair no colo de Moscou, apesar de não ter nada de comunista em sua origem.

    Leonov serviu de intérprete do ditador Fidel Castro durante sua famosa visita a Moscou em 1963, depois de a crise dos mísseis que a União Soviética tentou instalar na ilha quase ter levado o mundo a uma guerra nuclear um ano antes.

    De 1956 até sua aposentadoria, em 1991, Leonov foi o principal especialista em América Latina da KGB e chegou a número dois do serviço secreto –sua história foi objeto de reportagem da Folha há quase dez anos.

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