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    Blogueira é sentenciada à prisão por crimes contra a segurança no Vietnã

    JULIA WALLACE
    DO "NEW YORK TIMES", EM HANÓI (VIETNÃ)

    03/07/2017 08h04

    Uma célebre blogueira e ativista ambiental vietnamita foi sentenciada na semana passada a dez anos de prisão, acusada de crimes contra a segurança nacional, incluindo compartilhar propaganda contra o Estado nas mídias sociais.

    Mais conhecida por seu nome online Mother Mushroom (Mãe Cogumelo, em inglês), Nguyen Ngoc Nhu Quynh estava detida e incomunicável desde que foi presa, em outubro, e a presença de espectadores em seu julgamento foi rigidamente controlada.

    Mas uma hora apenas depois de ser anunciado o veredicto, na quinta-feira (29), um de seus advogados resumiu seus argumentos e postou a declaração final da blogueira para ser lida por seus 61 mil seguidores no Facebook.

    "Espero que todos se manifestem e lutem, que superem seus próprios medos para construirmos um país melhor", disse a blogueira, segundo o advogado. A declaração foi repostada milhares de vezes.

    Vietnam News Agency/AFP
    Blogueira Nguyen Ngoc Nhu Quynh durante julgamento no Vietnã
    Blogueira Nguyen Ngoc Nhu Quynh (à esq.) durante julgamento no Vietnã

    No autoritário Vietnã, a internet se converteu no fórum onde se manifestam cada vez mais vozes nacionais dissidentes.

    As conexões do Facebook, em especial, mobilizam a oposição às políticas governamentais; elas exerceram um papel nos protestos de massa contra a reação do Estado a um desastre ambiental no ano passado. O governo vem procurando reprimir a internet, prendendo e ameaçando blogueiros e pressionando o Facebook e o YouTube a censurar o que é postado em seus sites.

    "O Facebook vem sendo usado como ferramenta de organização, como plataforma de autopublicação, como instrumento de monitoramento de pessoas detidas e de quando elas são libertadas", comentou Phil Robertson, vice-diretor para a Ásia da organização Human Rights Watch.

    Segundo ele, o Facebook está sendo usado "para criar conexões entre comunidades que, sem ele, não teriam contato umas com as outras".

    O ativista pró-democracia Nguyen Anh Tuan, 27, disse que se sentiu encorajado pela presença de um número cada vez maior de dissidentes que entram em contato uns com os outros através das mídias sociais.

    Tuan disse que na primeira vez em que foi interrogado pela polícia, em 2011, ele se sentiu completamente só. Seus pais e amigos desaprovavam seus escritos políticos, e ele não conhecia muitas outras pessoas a quem pudesse pedir ajuda.

    Ele ainda sofre assédio da polícia, e seu passaporte foi confiscado. Mas, na última vez em que foi chamado para ser interrogado, ele postou no Facebook uma cópia da convocação e uma mensagem satírica pedindo para ser pago pelo tempo que passou detido.

    Sua mensagem viralizou, e outras pessoas seguiram seu exemplo, postando suas próprias convocatórias policiais no Facebook e pedindo compensação pelo tempo perdido.

    "Diante do ativismo, deixei de sentir que estou só", disse Tuan.

    Kham /Reuters
    O presidente do Vietnã Tran Dai Quang recebe o primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, no Palácio Presidencial, em Hanói, Vietnã
    O presidente do Vietnã, Tran Dai Quang (à esq.), recebe o primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe

    Os usuários vietnamitas do Facebook hoje somam 45 milhões de pessoas, quase metade da população do país. Eles usam o site para organizar visitas à prisão, combinar vigílias diante de delegacias policiais em defesa de detidos e pedir doações para presos políticos. E cada vez mais dissidentes estão migrando seus blogs políticos e pessoais, que podem facilmente ser bloqueados pelo governo, para o Facebook, que é usado por tantas pessoas que bloqueá-lo por completo seria inviável

    Tuan ajuda a organizar um fundo que sustenta as famílias de prisioneiros de consciência, incluindo a mãe e os dois filhos pequenos de Quynh.

    Ele disse que boa parte do apoio agora está chegando de pessoas dentro do país que enviam dinheiro de suas contas bancárias pessoais, em remessas que o governo pode rastrear. No passado, segundo ele, eram as comunidades vietnamitas no exterior que alimentavam boa parte da dissensão e forneciam a maior parte da ajuda financeira.

    "As pessoas sabem muito bem que podem ser rastreadas pelo governo, mas estão ousando fazer", disse Tuan, aludindo aos doadores locais.

    Esse fato não passa despercebido pelo governo, que vem afirmando sua autoridade de maneiras novas. Quynh é uma entre mais de cem blogueiros e ativistas presos no Vietnã, segundo a Human Rights Watch. Na semana passada, outro blogueiro popular, Pham Minh Hoang, foi destituído da cidadania vietnamita e deportado para a França, país do qual também é cidadão.

    O governo promove bloqueios estratégicos do Facebook quando protestos estão sendo previstos.

    No início do ano, pediu ao Facebook e ao YouTube ajuda para eliminar contas falsas e outros conteúdos supostamente "tóxicos", como materiais antigovernamentais, dizendo ter identificado até 8.000 vídeos no YouTube que se encaixariam nessa descrição, segundo o jornal local "Tuoi Tre". O governo também avisou empresas vietnamitas que seus anúncios não devem aparecer ao lado de conteúdos dessa natureza.

    O Facebook disse que sua política prevê o respeito pelas leis nacionais. Mas não há indicativos de que tenha até agora removido do ar qualquer conteúdo do Vietnã.

    Em relatório divulgado no mês passado, a Human Rights Watch detalhou o que descreveu como "uma tendência preocupante" de blogueiros e ativistas sendo espancados nas ruas por capangas conhecidos como "con do". A organização contabilizou 36 ataques desse tipo entre janeiro de 2015 e abril deste ano, apenas um dos quais foi investigado pela polícia.

    O relatório se baseia em parte em fotos e vídeos de seus ferimentos feitos pelos próprios ativistas, frequentemente filmados com smartphones e rapidamente compartilhados online.

    Jonathan London, especialista no Vietnã na Universidade Leiden, na Holanda, disse que, não obstante a repressão recente, a transformação acarretada pela internet em um período curto de tempo tem sido "espantosa e geradora de esperança"

    Segundo ele, "é notável que um país que apenas 15 ou 20 anos atrás tinha um dos índices mais baixos do mundo de utilização do telefone tenha avançado tão rapidamente para uma era de notícias 24 horas por dia e crítica social e política contínua e acessível a todos".

    Tradução de CLARA ALLAIN

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