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    Mensagens contraditórias dos EUA complicam crise no golfo Pérsico

    KATRINA MANSON
    DO "FINANCIAL TIMES"

    05/07/2017 07h00

    Quando os países árabes que impuseram um embargo extraordinário ao Qatar se reunirem para discutir a crise diplomática, nesta quarta-feira (5), os Estados Unidos não terão representante na sala mas ainda assim desempenharão papel muito importante.

    Os dois lados da disputa estão contando com o apoio de Washington para ajudar a resolver o impasse, que dividiu aliados importantes dos Estados Unidos e arremessou a região do golfo Pérsico em sua pior crise em 25 anos, no exato momento em que a Casa Branca instava por unidade. Os países envolvidos, ricos em petróleo e gás natural, estão gastando milhões de dólares com consultores para apresentar seu caso a figuras importantes do poder em Washington.

    A crise irrompeu quando Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos (EAU), Bahrein e Egito suspenderam suas conexões terrestres, aéreas e marítimas com o Qatar, acusando o emirado de patrocinar o terrorismo –menos de três semanas depois que o presidente Donald Trump se reuniu com os líderes de todos esses países em Riad, onde ele tentou cimentar uma aliança contra o Irã.

    AFP
    Prédios na região central de Doha, a capital do Qatar
    Prédios na região central de Doha, a capital do Qatar

    Washington agora está ansiosa por intermediar um fim rápido para o impasse, e ao mesmo tempo extrair de todas as partes medidas que reforcem sua agenda de combate ao terrorismo. Os norte-americanos vêm servindo como anfitriões a diplomatas de todos os envolvidos, nas duas últimas semanas. Mas as divisões internas do governo Trump levaram os norte-americanos a assumir posições contraditórias quanto à disputa.
    Trump expressou repetidamente seu apoio à Arábia Saudita, enquanto o Departamento de Estado é visto como mais simpático ao Qatar e questionou a ação sem precedentes tomada pelos países árabes.

    "Embora um compromisso seja possível, por enquanto existe impasse, porque os dois lados estão ouvindo as vozes que preferem ouvir [da parte dos Estados Unidos]", disse Robert Malley, antigo diretor de política para o Oriente Médio no governo de Barack Obama.

    Ele acrescentou que as mensagens contraditórias de Washington tornam menos provável que os dois lados abandonem suas posições. "É difícil resolver contradições entre aliados se você não consegue resolver as contradições internas em seu sistema", disse Malley.

    Pessoas informadas sobre o assunto disseram ao "Financial Times" que a Casa Branca deixou claro às partes envolvidas que Rex Tillerson, o secretário de Estado, controla as decisões americanas sobre a disputa. Mas embora o Qatar esteja trabalhando por meio do Departamento de Estado e do Departamento de Defesa, funcionários do governo americano dizem que os diplomatas sauditas e dos EAU estão tirando vantagem de suas fortes ligações com a Casa Branca.

    A Arábia Saudita e os EAU descartaram Washington como local de negociação. Mas também estão tomando cuidado para não atravessar o que veem como "linhas vermelhas" dos Estados Unidos, reassegurando o governo Trump de que não existe ameaça direta à base aérea de Al Udeid, no Qatar, que abriga 11 mil militares dos Estados Unidos.

    Doha nega as acusações de terrorismo, diz que deseja melhorar seus esforços de combate ao terrorismo, e está em contato constante com Washington.

    Hamad al-Thani, o embaixador do Qatar nos Estados Unidos, disse ao "Financial Times" que Doha entregou na segunda-feira sua resposta à lista de 13 severas exigências apresentada pelo bloco saudita, a pedido dos Estados Unidos.

    "O Departamento de Estado nos pediu que nos esforçássemos para atender aos pedidos de nossos vizinhos", disse al-Thani. "Acabamos de responder às suas reivindicações e declaramos com muita clareza que negociações só serão iniciadas depois que o bloqueio for suspenso".

    Em um esforço para firmar sua posição, o Qatar, maior exportador de gás natural liquefeito e um dos países mais ricos do mundo, está gastando pesado com contratações. Obteve os serviços de John Ashcroft, secretário da Justiça norte-americana na presidência de George W. Bush, para "reforçar os programas de combate a lavagem de dinheiro e combate ao financiamento do terrorismo".

    "Contratamos Ashcroft para conduzir uma auditoria independente porque sentimos que isso era necessário para provar nossa sinceridade", disse al-Thani, acrescentando que o Ashcroft Group, cujos serviços custarão US$ 2,5 milhões por trimestre, vai avaliar os esforços do Qatar para combater o terrorismo.

    O Qatar também contratou a Information Management Services, uma consultoria de Washington, para "ajudar na melhora do relacionamento econômico e de segurança entre o Qatar e os Estados Unidos", por US$ 1,1 milhões por trimestre, de acordo com documentos apresentados ao governo norte-americano, e mais uma verba de despesas de US$ 250 mil.

    Na ausência de uma linha direta de comunicação com Trump, o Qatar vem tentando fazer lobby junto ao Congresso. Mas conquistar apoio a um país menos conhecido dos legisladores do que a velha aliada norte-americana Arábia Saudita, que também contratou consultores em Washington, pode ser um desafio.

    "Vocês são o emirado com maioria xiita?", perguntou um assessor do Congresso a um representante do Qatar, que ele estava confundindo com Bahrein, durante uma conversa sobre a crise, de acordo com pessoas informadas sobre o assunto.

    Jon Alterman, diretor para o Oriente Médio do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais, disse que, a despeito da tarefa difícil, os qatarianos acreditam que só podem vencer se tiverem o apoio de Washington.
    "Os qatarianos estão confiando principalmente em uma intervenção dos Estados Unidos", ele disse. "Mas para eles é um grande problema descobrir como conquistar o apoio de todo o governo dos Estados Unidos ou pelo menos da Casa Branca".

    Trump usou um jantar privado de arrecadação de fundos de campanha, na sexta-feira, para fazer novos elogios à Arábia Saudita, descrevendo o rei Salman como "fantástico", de acordo com o discurso que fez a partidários, e que vazou para a imprensa.

    "Eles realmente estão combatendo com dureza [o terrorismo]", disse o presidente, em apoio aos sauditas.

    Depois, Trump fez uma piada sobre a pronúncia do nome do Qatar.

    "Eles preferem que você diga Qatar", ele declarou, enfatizando a primeira sílaba da palavra. "Já eu prefiro que eles não banquem terroristas", acrescentou, causando risadas.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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