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    Trump faz ameaças, mas tem poucas opções para enfrentar Coreia do Norte

    DAVID E. SANGER
    DO "NEW YORK TIMES"

    05/07/2017 08h23

    AFP
    This picture taken and released on July 4, 2017 by North Korea's official Korean Central News Agency (KCNA) shows North Korean leader Kim Jong-Un (R) reacting after the test-fire of the intercontinental ballistic missile Hwasong-14 at an undisclosed location. North Korea declared on July 4 it had successfully tested its first intercontinental ballistic missile -- a watershed moment in its push to develop a nuclear weapon capable of hitting the mainland United States. / AFP PHOTO / KCNA VIA KNS / STR / South Korea OUT / REPUBLIC OF KOREA OUT ---EDITORS NOTE--- RESTRICTED TO EDITORIAL USE - MANDATORY CREDIT "AFP PHOTO/KCNA VIA KNS" - NO MARKETING NO ADVERTISING CAMPAIGNS - DISTRIBUTED AS A SERVICE TO CLIENTS THIS PICTURE WAS MADE AVAILABLE BY A THIRD PARTY. AFP CAN NOT INDEPENDENTLY VERIFY THE AUTHENTICITY, LOCATION, DATE AND CONTENT OF THIS IMAGE. THIS PHOTO IS DISTRIBUTED EXACTLY AS RECEIVED BY AFP. /
    O ditador Kim Jong-un comemora o lançamento do míssil Hwasong-14 nesta terça-feira (4)

    Quando o então presidente eleito Donald Trump disse no Twitter, no início de janeiro, que um teste de um míssil balístico intercontinental capaz de alcançar os Estados Unidos "não vai acontecer!", havia duas coisas que ele não apreciara completamente: quão perto Kim Jong-un, o líder norte-coreano, já estava de alcançar essa meta, e quão limitadas são as opções de qualquer presidente para barrar as ações de Kim.

    Os sete meses passados desde então têm sido de aprendizado brutal para Trump. Com o lançamento do míssil intercontinental na terça-feira (4), a Coreia do Norte ganhou novo alcance. Especialistas acreditam que o país tenha atravessado o limiar, mesmo que por pouco, com um míssil que parece ser capaz de atingir o Estado americano do Alasca.

    Os testes reiterados promovidos por Kim revelam que uma demonstração mais definitiva de que ele é capaz de atingir a parte continental dos EUA pode não estar muito longe, mesmo que alguns anos ainda se passem antes que ele adquira a capacidade de colocar uma ogiva nuclear na ponta de seus mísseis cada vez mais poderosos. Mas, para Trump e sua equipe de segurança nacional, o marco técnico alcançado hoje vem apenas sublinhar com mais força o dilema estratégico de amanhã.

    Como observou recentemente o ex-secretário da Defesa William Perry, a capacidade norte-coreana de atingir o território dos EUA "muda todos os cálculos". O que se teme não é que Kim venha a lançar um ataque preventivo contra a costa oeste dos Estados Unidos; isso seria um gesto suicida, e, se o líder de 33 anos já demonstrou alguma coisa em seus cinco anos no poder, é que sua preocupação principal é a sobrevivência. Mas, se Kim possui a capacidade potencial de contra-atacar, isso vai moldar todas as decisões que Trump e seus sucessores vão tomar relativas à defesa dos aliados dos EUA na região.

    Veja vídeo

    Há anos a Coreia do Norte já possui a capacidade de alcançar a Coreia do Sul e o Japão sem dificuldades com mísseis de médio alcance, e a inteligência americana acredita que esses misseis são capazes de portar uma ogiva nuclear.

    Mas o teste mais recente sugere que também os Estados Unidos talvez já estejam ao alcance dos mísseis norte-coreanos, e esse fato, como observou recentemente um ex-alto funcionário da inteligência dos EUA, será levado em conta em todas as decisões militares e colocará pressão enorme sobre as defesas antimísseis dos EUA, em cujo funcionamento poucos confiam.

    Trump ainda dispõe de algum tempo. O que os norte-coreanos realizaram enquanto os americanos estavam ocupados festejando o Dia da Independência nacional foi um avanço, mas não uma demonstração forte de seu alcance nuclear.

    O míssil norte-coreano percorreu apenas 933 quilômetros, algo que por si só não constitui uma conquista importante. Mas chegou lá fazendo uma trajetória de 2.735 quilômetros que o conduziu ao espaço e de volta à atmosfera, um voo que durou 37 minutos, segundo cálculos do Comando do Pacífico americano (ou alguns minutos mais, segundo a Coreia do Norte).

    Se essa trajetória fosse achatada, teríamos um míssil capaz de alcançar o Alasca, mas não Los Angeles. Isso reforça a avaliação feita pelo diretor da Agência de Defesa Antimísseis, o vice-almirante James D. Syring, que disse em audiência no Congresso em junho: "Precisamos prever que a Coreia do Norte possa nos alcançar com um míssil balístico".

    Talvez seja por isso que Trump não tenha anunciado nenhuma "linha vermelha" que a Coreia do Norte não possa ultrapassar.

    Ele nem sequer reiterou a política anunciada pelo então presidente George W. Bush em outubro de 2006, após o primeiro teste nuclear norte-coreano: que responsabilizaria o país plenamente se ele compartilhasse sua tecnologia nuclear com outro país ou organização terrorista.

    Os assessores de Trump dizem que não enxergam grande vantagem em traçar linhas que podem limitar suas opções. Dizem que preferem manter a Coreia do Norte na incerteza.

    Quais são, então, as opções de Trump, e que desvantagens elas possuem?

    Existe a opção da contenção clássica: limitar a capacidade do adversário de expandir sua influência, como fez os Estados Unidos contra um adversário muito mais poderoso, a União Soviética. Mas isso não soluciona o problema –é apenas uma maneira de conviver com ele.

    Trump poderia intensificar as sanções, reforçar a presença naval americana ao largo da península coreana –"estamos enviando uma armada", ele se gabou em abril– e acelerar um programa cibernético secreto dos EUA para sabotar lançamentos de mísseis.

    Mas, se essa combinação de intimidação e habilidade técnica tivesse tido êxito, Kim não teria conduzido o teste na terça-feira, sabendo que ele apenas levaria a mais sanções, mais pressão militar e mais atividade sigilosa –além de, possivelmente, persuadir a China que ela não tem outra escolha senão intervir de maneira mais decisiva.

    Até agora, o entusiasmo inicial de Trump ao dizer que teria persuadido o presidente chinês, Xi Jinping, a reprimir a Coreia do Norte resultou em desapontamento previsível. Recentemente Trump disse a Xi que os EUA estão dispostos a agir sozinhos para enfrentar a Coreia do Norte. Mas é possível que os chineses vejam isso como uma ameaça da boca para fora.

    Trump poderia tomar outra iniciativa, ameaçando com ataques militares preventivos se os EUA detectarem a iminência de outro lançamento de míssil balístico intercontinental –possivelmente um que vise demonstrar a possibilidade de alcançar a costa oeste dos Estados Unidos.

    Perry argumentou em favor dessa opção em 2006, em artigo de opinião no "Washington Post" que escreveu com o futuro secretário da Defesa Ash Carter. "Se a Coreia do Norte persistir em seus preparativos de lançamentos, os EUA deixariam claro imediatamente sua intenção de procurar e destruir" os mísseis antes de serem lançados, escreveram os dois.

    Mas Perry comentou recentemente que "mesmo que tivéssemos achado uma boa ideia na época", e ele hoje parece ter suas dúvidas a esse respeito, "não é uma boa ideia hoje".

    A razão é simples: nos 11 anos passados desde 2006, a Coreia do Norte construiu mísseis demais de vários tipos para que os benefícios de um ataque desse tipo justifiquem o risco. Ela já testou uma nova geração de mísseis de combustível sólido, que podem ser escondidos facilmente em cavernas nas montanhas e tiradas delas para serem lançadas rapidamente.

    E os norte-coreanos possuem sua arma retaliatória máxima: artilharia disposta na margem norte da Zona Desmilitarizada que poderia atacar a capital sul-coreana, Seul, cidade de 10 milhões de habitantes, um dos maiores centros econômicos da Ásia.

    Em suma, é um risco que a Coreia do Norte aposta que mesmo Trump, com todas suas ameaças, não se disporia a correr. O secretário da Defesa, Jim Mattis, disse no programa "Face the Nation" da CBS em maio que "um conflito na Coreia do Norte provavelmente seria o pior tipo de combate já visto".

    Isso nos leva à opção seguinte, sobre a qual o novo presidente sul-coreano, Moon Jae-in, falou em Washington na semana passada, quando visitou Trump : negociações. Ela começaria com o congelamento dos testes nucleares e de mísseis norte-coreanos em troca de um acordo dos EUA para limitar ou suspender seus exercícios militares conjuntos com a Coreia do Sul.

    Não é de hoje que o líder chinês, Xi Jinping, defende essa abordagem, e na terça-feira ela ganhou a adesão do presidente russo, Vladimir Putin, depois de eles se encontrarem.

    Quando Kim olha para o mundo, ele vê casos como o de Muammar Gaddafi na Líbia –um líder autoritário que abriu mão de seu programa nuclear nascente, apenas para ser deposto, com ajuda dos EUA, assim que seu povo se voltou contra ele. É isso o que Kim acredita que seu programa nuclear vai prevenir: um esforço dos EUA para arrancá-lo do poder.

    Talvez ele tenha razão.

    CONFLITO entre as COREIAs Tensão aumenta com testes de Pyongyang

    Tradução de CLARA ALLAIN

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