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    'Ataque cirúrgico' na Coreia do Norte poderia converter-se no pior combate

    MOTOKO RICH
    DO "NEW YORK TIMES", EM SEUL

    06/07/2017 11h48

    O impasse em torno do programa nuclear norte-coreano é moldado há anos pela visão de que os Estados Unidos não contam com uma opção militar viável para destruir esse programa.

    Qualquer tentativa de fazê-lo, dizem muitos, provocaria um contra-ataque brutal contra a Coreia do Sul, algo sangrento e destrutivo demais para que se possa incorrer nesse risco.

    Essa consideração ainda é um dos principais fatores que limitam a reação da administração Trump, mesmo agora que o líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, se aproxima de sua meta de formar um arsenal nuclear capaz de atingir os Estados Unidos.

    Na terça-feira (4), a Coreia do Norte parece ter ultrapassado um novo limiar, testando uma arma que descreveu como um míssil balístico intercontinental. Segundo analistas, o míssil teria o potencial de atingir o Alasca.

    Ao longo dos anos, como faz para crises potenciais pelo mundo afora, o Pentágono vem redigindo e retrabalhando vários planos de guerra, entre os quais uma enorme invasão retaliatória e ataques preventivos limitados, além de conduzir exercícios militares conjuntos anuais com as forças sul-coreanas. Os exercícios são baseados nesses planos.

    Mas as opções militares que existem são mais sinistras que nunca.

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    Mesmo o ataque mais limitado possível encerraria o risco de provocar baixas enormes, porque a Coreia do Norte poderia retaliar com milhares de peças de artilharia que tem posicionadas ao longo de sua fronteira com a Coreia do Sul.

    Embora esse arsenal norte-coreano tenha alcance limitado e pudesse ser destruído em questão de dias, o secretário de Defesa americano, James Mattis, avisou recentemente que, se a Coreia do Norte lançasse mão dele, "provavelmente seriam os combates mais destrutivos que a maioria das pessoas já viu".

    Além disso, não existe precedente histórico de um ataque militar tendo como objetivo destruir o arsenal nuclear de um país.

    A última vez da qual se sabe em que os Estados Unidos cogitaram seriamente atacar a Coreia do Norte foi em 1994, mais de uma década antes do primeiro teste nuclear desse país.

    O então secretário de Defesa William J. Perry pediu ao Pentágono que traçasse planos para um "ataque cirúrgico" contra um reator nuclear, mas desistiu da ideia depois de concluir que tal ataque desencadearia uma guerra que poderia deixar centenas de milhares de mortos.

    Os riscos hoje são ainda mais altos. As autoridades americanas acreditam que a Coreia do Norte já tenha construído até uma dúzia de bombas nucleares, possivelmente muitas mais, e tenha a capacidade de montá-las sobre mísseis capazes de alcançar boa parte do Japão e da Coreia do Sul.

    No início de seu mandato Trump tentou modificar a dinâmica da crise, forçando a Coreia do Norte e sua principal benfeitora econômica, a China, a reconsiderar a disposição de Washington em iniciar uma guerra. Ele falou diretamente sobre a possibilidade de um "conflito grande, grande" na península Coreana, ordenou o traslado de navios de guerra para águas vizinhas e prometeu "resolver" o problema nuclear.

    Mas Trump recuou consideravelmente nas últimas semanas, optando por enfatizar esforços para pressionar a China a frear Kim Jong-un com sanções.

    Afinal, um ataque preventivo por parte dos EUA provavelmente não conseguiria eliminar o arsenal norte-coreano, porque algumas das instalações da Coreia do Norte estão em cavernas nas montanhas ou locais subterrâneos, enquanto muitos de seus mísseis estão escondidos em lançadores móveis.

    A Coreia do Norte já avisou que retaliaria imediatamente, lançando mísseis nucleares. Mas prever como Kim de fato responderia a um ataque limitado é um exercício de teoria de jogos estratégicos. Muitos analistas argumentam que ele não lançaria mão de uma arma nuclear de imediato, nem usaria seu arsenal de armas químicas e biológicas, para evitar provocar uma resposta nuclear dos Estados Unidos.

    ATAQUES INICIAIS

    Separadas pela fronteira mais militarizada do mundo, as duas Coreias já tiveram mais de meio século para preparar-se para uma retomada da guerra que foi suspensa em 1953.

    Embora o arsenal da Coreia do Norte seja menos avançado, a Coreia do Sul tem uma desvantagem geográfica nítida: quase metade de sua população vive a menos de 80 quilômetros da Zona Desmilitarizada, incluindo os 10 milhões de habitantes de sua capital, Seul.

    "Temos esse aglomerado maciço de tudo que é importante na Coreia do Sul —governo, empresas e a população enorme—, tudo concentrado numa megalópole gigantesca que começa a 50 quilômetros e termina a 110 quilômetros da fronteira", disse Robert E. Kelly, professor de ciência política na Universidade Nacional de Pusan, na Coreia do Sul. "Em termos de segurança nacional, é um pesadelo."

    A Coreia do Norte posicionou até 8.000 canhões de artilharia e lançadores de foguetes de seu lado da Zona Desmilitarizada, dizem analistas, um arsenal que seria capaz de disparar até 300 mil projéteis contra a Coreia do Sul na primeira hora de um contra-ataque. Ela conseguiria provocar danos tremendos sem precisar recorrer a armas de destruição em massa.

    Kim poderia ordenar uma reação limitada, atacando, por exemplo, uma base próxima à Zona Desmilitarizada e então fazendo uma pausa antes de continuar. Mas a maioria dos analistas prevê que o Norte escalaria rapidamente se fosse atacado, provocando o máximo possível de danos, para o caso de os EUA e a Coreia do Sul estarem preparando uma invasão.

    "A Coreia do Norte sabe que seria o conflito final. Ela não se entregaria sem lutar", disse Jeffrey W. Hornung, da Rand Corporation. "Será um ataque fulminante."

    A Coreia do Norte já ameaçou muitas vezes converter Seul em um "mar de fogo", mas, segundo analistas, a maior parte de sua artilharia tem alcance de entre cinco e dez quilômetros e não poderia atingir a cidade.

    Mas os norte-coreanos já posicionaram pelo menos três sistemas que são capazes de alcançar a zona metropolitana de Seul: os canhões Koksan de 170 milímetros e lançadores de foguetes múltiplos de 240 milímetros, capazes de atingir os subúrbios do norte de Seul e partes da cidade, além de lançadores de foguetes múltiplos de 300 milímetros, que talvez pudessem atingir alvos mais além de Seul.

    Um estudo publicado em 2012 pelo Instituto Nautilus de Segurança e Estabilidade concluiu que as primeiras horas de um ataque maciço de artilharia norte-coreana sobre alvos militares resultaria em quase 3.000 mortes, enquanto um ataque contra alvos civis mataria quase 30 mil pessoas.

    Para intensificar os danos, a Coreia do Norte poderia também disparar mísseis balísticos contra Seul. Mas Joseph Bermudez Jr., especialista na Coreia do Norte junto à consultoria de inteligência de defesa AllSource Analysis, disse que é mais provável que Pyongyang empregasse seus mísseis para atacar instalações militares, incluindo bases americanas no Japão.

    A DEFESA

    As forças americanas e sul-coreanas poderiam ser colocadas em alerta e preparar-se para retaliar, antes de qualquer tentativa de destruir o programa nuclear norte-coreano. Mas não há muito que poderiam fazer para proteger Seul contra um ataque maciço de artilharia.

    A Coreia do Sul é capaz de interceptar alguns mísseis balísticos com o recentemente instalado sistema antimísseis Thaad, além dos sistemas Patriot e Hawk. Mas ela não possui nada como o Domo de Ferro israelense, capaz de destruir foguetes e projéteis de artilharia, que voam em altitudes mais baixas.

    Em vez disso, tropas sul-coreanas e americanas empregariam táticas tradicionais de "contrabateria", usando radar e outras técnicas para determinar a localização dos canhões do Norte quando fossem tirados de seus bunkers e disparados, para então usar foguetes e ataques aéreos para destruí-los.

    David Maxwell, diretor adjunto do Centro de Estudos de Segurança da Universidade Georgetown e veterano de cinco períodos de serviço militar prestado na Coreia do Sul com o Exército americano, disse que o Pentágono moderniza constantemente suas capacidades de contrabateria.

    Porém, acrescentou, "não existe nenhuma solução mágica que possa derrotar as armas norte-coreanas antes de elas causarem danos importantes a Seul e à Coreia do Sul.

    PREPARAÇÃO DE CIVIS

    Analistas dizem que, levando todos os fatores em conta, as forças americanas e sul-coreanas poderiam levar de três a quatro dias para derrotar a artilharia da Coreia do Norte.

    Quanta destruição o Norte provocaria nesse tempo dependeria em parte da capacidade da Coreia do Sul de retirar pessoas rapidamente e levá-las para locais de segurança. À medida que mais canhões do Norte fossem destruídos e mais pessoas se protegessem, o índice de baixas diminuiria a cada hora.

    O estudo do Projeto Nautilus projeta 60 mil mortos no primeiro dia completo de um ataque surpresa de artilharia sobre alvos militares em volta de Seul, a maioria nas três primeiras horas. As estimativas para o número de mortos em um ataque contra a população civil são muito maiores: alguns estudos projetam mais de 300 mil mortos nos primeiros dias de um ataque.

    O governo metropolitano de Seul diz que existem quase 3.300 abrigos antibomba na cidade, com espaço suficiente para abrigar todos os seus 10 milhões de habitantes.

    Na província de Gyeonggi, que cerca a capital, o governo provincial contabiliza 3.700 abrigos. Muitas estações ferroviárias na região também funcionam como abrigos antibomba, e a maioria dos prédios grandes conta com estacionamentos subterrâneos onde pessoas fugindo de ataques de artilharia poderiam se refugiar.

    Mas críticos dizem que as autoridades locais não estão preparadas para o caos que um ataque de artilharia causaria e que a população tem uma atitude de pouco-caso em relação à perspectiva de uma guerra.

    Tradução de CLARA ALLAIN

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