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    Guerra com Coreia do Norte não será iniciada pelos EUA, diz especialista

    MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
    DE NOVA YORK

    09/07/2017 02h00

    Ora visto como ameaça à estabilidade internacional, ora criticado por seu nacionalismo, que levaria a uma posição isolacionista em relação ao mundo, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ainda deixa margem a dúvidas sobre os rumos de sua política externa.

    O desafio do momento é a ameaça da Coreia do Norte, que prossegue em sua escalada para produzir mísseis capazes de levar ogivas nucleares a grandes distâncias e atingir o território dos EUA.

    Matthew Kroenig, 39, um republicano especialista em estratégias de segurança e política externa, diz que um conflito armado "sempre é possível", mas considera improvável que os EUA iniciem uma guerra. Ele afirma que o objetivo de Trump é criar pressões para levar Pyongyang a negociar seu programa nuclear.

    Com mestrado e doutorado em ciência política pela Universidade da Califórnia em Berkeley, Kroenig é autor de livros sobre assuntos internacionais e ocupou cargos no Departamento de Defesa dos EUA e na CIA (agência de inteligência americana), além de trabalhar como consultor para várias entidades.

    Ele foi conselheiro do republicano Marco Rubio, senador pela Flórida, na corrida pela candidatura presidencial do partido em 2016.

    Naquele período, fez críticas a Trump, mas o defendeu, depois de eleito, num artigo para a revista "Foreign Affairs", em abril.

    Divulgação
    O especialista em estratégias de segurança e política externa, Matthew Kroenig
    O especialista em estratégias de segurança e política externa, Matthew Kroenig

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    Folha - Trump confiou à China um papel importante na contenção da Coreia do Norte, mas os testes com mísseis continuam. Como os EUA vão enfrentar essa crise?

    Matthew Kroenig - Como vimos nos últimos dias, a administração do presidente Trump adotou uma linha mais dura com a China, impondo sanções a bancos e empresas chinesas que fazem negócios com a Coreia do Norte.

    Isso forçará essas empresas a escolher entre manter relações comerciais com a Coreia do Norte ou ficar com os EUA, incluindo-se nisso o acesso ao dólar americano e ao sistema bancário internacional liderado pelos EUA.
    Essas e outras medidas deverão gradualmente exercer pressão sobre a Coreia do Norte com o objetivo de trazer o país à mesa de negociações. Enquanto isso, os EUA devem tomar medidas para defender a si próprio e a seus aliados, como a instalação de sistemas antimísseis na Coreia do Sul e no Japão. A abordagem do governo de Barack Obama, de "paciência estratégica", levou a Coreia do Norte a produzir material nuclear suficiente para até 30 ogivas e um míssil que pode alcançar os EUA. Não será fácil, mas Trump está determinado a resolver este problema.

    Existe chance de guerra?

    Sempre existe uma chance de conflito. Se a Coreia do Norte atacar os EUA ou a Coreia, vamos nos defender e defender nossos aliados. Como disse o secretário de Defesa, James Mattis, nossa resposta será "efetiva e avassaladora". Mas é difícil ver os EUA iniciando uma guerra contra a Coreia do Norte.

    Qual o objetivo da política mais dura do presidente Trump em relação a Cuba? O embargo fracassou, não seria o caso de levantá-lo?

    Eu sei que esse é um assunto observado de perto na América Latina, mas Cuba não é um grande poder, de modo que a política dos EUA em relação a Cuba não é tão significativa globalmente. O embargo não produziu resultados, mas a abertura de Barack Obama ofereceu ao brutal regime dos Castro um passe livre, proporcionando benefícios sem exigir nada em troca, como compromissos de respeito aos direitos humanos.

    A política de Trump, na minha opinião, mantém algumas peças sensíveis da abertura de Obama, mas restaura certas restrições com o objetivo de convencer o regime de Castro a tomar medidas para melhorar a vida de seu povo.

    Trump já disse que não é presidente do mundo, mas o papel dos EUA no mundo é crucial. É possível conciliar a ideia da "América primeiro" com liderança global?

    Os EUA com Trump continuarão a desempenhar um forte papel de liderança global. "América primeiro" não é a mesma coisa que "só América". Isso significa que, para ser forte no exterior, os EUA devem primeiro ser fortes em casa. Isso também significa rever antigas alianças e acordos comerciais com vistas a atualizá-los para o contexto do século 21. Isso é coerente com as políticas dos EUA no passado. Obama, por exemplo, frequentemente falou sobre a "construção de uma nação em casa".

    A retirada do Acordo de Paris não foi uma decisão do tipo "só América"?

    Uma vez que os compromissos assumidos no âmbito do Acordo de Paris não são vinculativos, a decisão de aderir é simbólica e a decisão de sair, tomada pelo presidente Trump, também é em grande parte simbólica. As emissões de carbono dos EUA continuarão a diminuir de qualquer maneira porque as forças do mercado estão empurrando as empresas de serviços públicos nos EUA para trocar o carvão pelo gás natural.

    Como o sr. avalia a primeira viagem do presidente Trump ao exterior? Muitos criticaram suas cobranças aos parceiros da Otan, isso faz sentido?

    A primeira viagem internacional do presidente Trump foi um sucesso. Muitas pessoas temiam que ele fosse fazer um governo isolacionista, mas a viagem mostrou que sua administração estará envolvida com o Oriente Médio e com a Europa, depois de ele ter conseguido êxitos com a Ásia no início do mandato.

    A viagem ao Oriente Médio voltou a esclarecer os compromissos dos EUA na região. Após o acordo nuclear com o Irã, nossos parceiros regionais, como Israel e os Estados do Golfo, temeram que estivessem sendo abandonados, mas essa visita esclareceu que os EUA ficarão com seus parceiros tradicionais contra os inimigos comuns, como o Irã e as organizações terroristas.

    A viagem à Europa também foi bem-sucedida. Trump prometeu aumentar a Iniciativa de Garantia à Europa [fundo de apoio criado em 2014, depois da guerra da Ucrânia] em US$ 1 bilhão, admitiu Montenegro na Otan e adotou políticas, como os ataques na Síria, que confrontam o presidente russo Vladimir Putin.

    Todos os governos dos EUA desde a década de 1950 pediram aos países da Otan que gastassem mais em defesa, isso não é novo. Os funcionários europeus com quem conversei dizem que "não duvidam em absoluto" do compromisso da administração Trump com a segurança da Otan e da Europa.

    O presidente Trump insinuou que ele teria influenciado a decisão dos países árabes de cortar as relações com o Qatar. A base militar americana no Qatar não é um embaraço para o governo dos EUA?

    Os EUA enfrentam um dilema com o Qatar. Por um lado, o país é um anfitrião gracioso de uma importante base militar da coalizão ocidental.

    Por outro lado, Doha adotou, nos últimos anos, várias políticas externas contrárias aos interesses dos EUA.

    Uma crise como essa é sempre inquietante, mas espero que se possa produzir um acordo que resulte em numa relação mais estável entre o Qatar e seus vizinhos.

    *

    RAIO-X
    MATTHEW KROENIG

    Idade
    39 anos

    Formação
    Mestrado e doutorado em ciência política pela Universidade da Califórnia

    Trajetória
    Professor na Universidade Georgetown, foi conselheiro do pré-candidato republicano à Presidência Marco Rubio

    Edição impressa

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