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    ANÁLISE

    Sonho de califado é destruído, mas chance de EI se erguer é enorme

    YAN BOECHAT
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    10/07/2017 02h00

    A retomada de Mossul pelas Forças Armadas Iraquianas, com o apoio da coalizão internacional liderada pelos EUA, é um feito e tanto. O Estado Islâmico viu sua maior conquista militar ser dizimada, e o sonho de um califado islâmico foi destruído.

    Mas nada disso significa que a maior organização terrorista que o mundo já viu esteja ameaçada. Ao contrário. As chances de o grupo se fortalecer ainda mais na vasta área de deserto entre os rios Tigres e Eufrates são enormes. O EI, a partir de agora, perde as características de um proto-Estado que chegou a ter o tamanho da Grã-Bretanha e controlou quase 10 milhões de pessoas, mas pode reforçar a aura do grande protetor dos sunitas oprimidos.

    Foi assim que ele nasceu e se fortaleceu. O EI é, antes de tudo, resultado da guerra sectária que tomou conta do Iraque após a queda de Saddam Hussein (1937-2006). Em última análise, é uma revolta sunita contra os abusos, as revanches e a opressão dos governos dos EUA, que viam em todo sunita um potencial apoiador de Saddam, e de Nouri Al Maliki, o político xiita alçado ao poder em Bagdá por Washington.

    O que é Estado Islâmico

    Esse caldo de insatisfação foi bem aproveitado por uma figura até então menor da Al Qaeda, Abu Musab al-Zarqawi, talvez o grande ideólogo do que viria a se tornar o EI após a sua morte, em 2006.

    Seu sucessor, Abu Bakr al-Baghdadi, não escolheu a mesquita de Al-Nouri em Mossul para declarar o nascimento do califado islâmico à toa. Maior bastião sunita do Iraque, Mossul foi a cidade que mais sofreu com a campanha iraquiana e americana para extinguir a Al-Qaeda do Iraque, em 2009. Nos anos que se seguiram, soldados xiitas tomaram a cidade e a transformaram em uma espécie de inferno para os sunitas, vistos, como agora, como potenciais inimigos.

    Torturas, extorsões e assassinatos se tornaram rotineiros. Não sem razão, quando os militantes do EI tomaram Mossul, em 2014, foram recebidos como libertadores.

    Os nove meses de batalha entre o EI e as forças Iraquianas deixaram mostras claras de que a relação entre civis, majoritariamente sunitas, e os militares, majoritariamente xiitas, mudou pouco. Acumulam-se acusações de assassinatos, extorsões e tortura. Os ataques aéreos americanos mataram civis aos milhares. Muitos dos que escaparam do horror da guerra vivem agora como prisioneiros em campos de refugiados.

    A vitória militar contra o Estado Islâmico em Mossul não alterou o status quo que serviu como terreno fértil para que ideias extremistas florescessem com tanta facilidade. O sectarismo, ao contrário, se reforçou ainda mais.

    O Estado Islâmico, mais do que uma organização militar, mais que um proto-Estado, mais do que um grupo terrorista de fanáticos religiosos, é, antes de tudo, uma poderosa ideia. Como a história recente tem provado, não bastam bombas e armas para destruir ideias, especialmente as messiânicas.

    A RECONQUISTA
    Iraque proclama vitória contra EI em Mossul

    Califado
    jun.2014 - Líder do Estado Islâmico, Abu Bakr al-Baghdadi, proclama o califado na mesquita de Al-Nuri, em Mossul

    Início da ofensiva
    17.out.2016 - Forças iraquianas lançam, com apoio de coalizão liderada pelos EUA, operação para reconquistar a segunda maior cidade do país, então maior reduto do EI no Iraque

    Entrada na cidade
    Nov.2016 - Exército iraquiano anuncia a entrada em Mossul pelo leste. O líder do EI, Abu Bakr al-Baghdadi, quebra um ano de silêncio para pedir, em uma gravação de áudio, que suas tropas lutem até o martírio

    Zona leste de Mossul 'liberada'
    Jan.2017 - Retomada do túmulo de Jonas, importante santuário destruído pelo EI em 2014; no dia 24, forças iraquianas anunciam "a completa liberação" da zona leste de Mossul

    Cidade Antiga
    4.mai.2017 - As forças iraquianas abrem uma nova frente no noroeste de Mossul. A operação visa completar o cerco a Cidade Antiga, onde dezenas de milhares de civis estão encurralados pelos extremistas

    Mesquita Al-Nuri
    21.jun.2017 - Ao destruírem a emblemática mesquita Al Nuri, no centro de Mossul, os extremistas sinalizaram que já davam a batalha
    como perdida. O EI culpa bombardeio dos EUA pela derrubada

    Últimos combates
    29.jun.2017 - Forças iraquianas retomam parte da área da mesquita destruída de Al-Nuri

    jul.2017 - Os jihadistas multiplicam os ataques suicidas, especialmente com mulheres e adolescentes, para parar as forças iraquianas

    9.jul.2017 - Premiê anuncia retomada da cidade

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