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    Governo Trump

    Donald Trump molda Presidência com publicações em sua rede social

    ISABEL FLECK
    DE WASHINGTON

    20/07/2017 02h00

    No início do mês, após chamar de "maluco" e de "louca de baixo QI" dois jornalistas de uma rede de TV em sua conta no Twitter, Donald Trump rebateu as críticas a sua forma de usar a rede social, supostamente pouco "presidencial": "É presidencial dos tempos modernos".

    Levantamento feito pela Folha com os mais de 820 tuítes do republicano em seus seis primeiros meses de mandato mostra o que Trump define como um comportamento que se deva esperar de um presidente hoje: ataques a oponentes e à imprensa na mesma medida em que exalta suas políticas.

    Carlos Barria/Reuters
    O presidente Donald Trump participa de encontro de fabricantes americanos na Casa Branca
    O presidente Donald Trump participa de encontro de fabricantes americanos na Casa Branca

    A análise permite ver que 1 em cada 10 tuítes da conta pessoal de Trump, a @realdonaldtrump —a mais usada pelo presidente, com 34,1 milhões de seguidores—, foi usado para atacar a mídia nesses seis primeiros meses.

    Trump criticou mais a imprensa (95 vezes) do que falou de geração de empregos, de aquecer a economia americana ou dos planos para a substituição da reforma da saúde implementada por seu antecessor democrata, Barack Obama —três grandes bandeiras de campanha.

    Somados os ataques de Trump à mídia, aos democratas (incluindo o Obama e a ex-concorrente na campanha, Hillary Clinton) e a juízes que votaram contra o seu decreto barrando a entrada de cidadãos de países de maioria muçulmana nos EUA, o número de postagens se iguala ao das que fazem promoção de suas ações políticas.

    TUÍTE À MODA TRUMP - Número de tuítes postados por Trump

    TUÍTE À MODA TRUMP - Conteúdo dos tuítes

    TUÍTE À MODA TRUMP - Número de seguidores, em milhões

    É como se, da média de 4,5 tuítes por dia —incluindo fins de semana e feriados, em que Trump começa, muitas vezes, a escrever antes das 8h—, um tivesse servisse para atacar jornalistas ou opositores e um para defender o sucesso de seu governo, anunciar encontros e promover decretos.

    Nos últimos dois meses, com as três viagens internacionais de Trump, assuntos de política externa também estiveram mais presentes na conta pessoal do presidente.

    Após declarar a imprensa como inimiga e diante de uma cobertura essencialmente negativa de seu governo, o republicano tem se apoiado na rede social como seu canal prioritário de comunicação com os americanos, longe do que chama de "filtro de notícias falsas".

    Foi nela que Trump anunciou, por exemplo, a indicação de Christopher Wray como novo diretor do FBI (polícia federal americana). É por ela, e não em frente a câmeras e gravadores, que responde a reportagens que classifica como mentirosas.

    Para parte de seus simpatizantes, o canal funciona. "Ele é sincero no Twitter, algo que a maioria dos políticos não é. E gostamos de saber a verdade, o que acontece", disse a enfermeira aposentada Karen Kizis, eleitora de Trump, à reportagem.

    HABITAT

    Na análise do estrategista de marketing David Meerman Scott, autor de "The New Rules of Marketing and PR" (As Novas Regras de Marketing e RP), Trump foi eleito por causa do Twitter e é "natural" que ele continue usando as mesmas técnicas no governo.

    "A forma como ele usa [a ferramenta] é eficaz para deixar o público saber como ele pensa. Saber o que passa na cabeça do presidente é algo novo e interessante", diz, ressalvando que os ataques à imprensa passam dos limites.

    Pesquisa ABC News/"The Washington Post" divulgada na última segunda (17), porém, mostra que o uso que Trump faz da ferramenta não tem apoio da maioria nem entre seus correligionários.

    Neste grupo, 45% dizem aprová-lo, e 44%, reprová-lo. Dos 1.001 adultos ouvidos, 67% discordam da forma como o presidente usa a rede social. Só entre quem se identifica como republicano conservador o hábito de Trump é apoiado pela maioria (56%).

    Ainda segundo o levantamento, 65% dos americanos consideram os tuítes ofensivos; 68%, inapropriados; e 52%, perigosos.

    Trump não poderia deixar de contestar a pesquisa na rede, dizendo que os levantamentos ABC News/"Washington Post" foram os "mais imprecisos" nas eleições.

    "Trump faz um uso inteligente do Twitter se considerarmos que ele consegue se comunicar com os eleitores sem passar pela mídia e que isso o ajuda a determinar uma agenda", diz Robert Entman, especialista em comunicação política da Universidade George Washington.

    Mas o professor alerta que a forma de Trump usar a ferramenta tem saldo negativo para o país. "Mesmo que os jornais apontem as mentiras que ele tuíta, Trump ainda tem credibilidade entre seus eleitores e segue atacando a mídia e seus opositores. Isso causa uma polarização desestabilizadora."

    Entre os exemplos de publicações de conteúdo questionável, estão a postagem em que o presidente acusou (sem provas) Obama de tê-lo grampeado nas eleições e a ameaça feita ao ex-diretor do FBI, James Comey, na qual Trump sugere que teria gravações de suas conversas (ele mesmo se desmentiria).

    Há riscos também para a política externa, e a possibilidade de o presidente agir sob impulso ao se referir, em suas mensagens, a outros governos ainda deixam diplomatas em alerta permanente.

    No fim de maio, o "Wall Street Journal" noticiou que o governo estudava contratar uma equipe de advogados para "filtrar" as postagens e evitar problemas legais —sobretudo nas investigações sobre possíveis elos de sua equipe com a Rússia. Aparentemente, os planos não avançaram.

    Para muitos republicanos, é hora de o presidente largar o celular. O deputado Mark Sanford, comentando a questão no site especializado The Hill, resumiu: "No Twitter Trump vira seu pior inimigo."

    Editoria de Arte/Folhapress

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