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    Governo Trump

    Trump prioriza sistema controverso de vouchers em vez de ensino público

    FÁBIO TAKAHASHI
    EM INDIANÁPOLIS (EUA)

    23/07/2017 02h00

    Yuri Gripas - 17.jan.2017/Reuters
    Betsy DeVos testifies before the Senate Health, Education and Labor Committee confirmation hearing to be next Secretary of Education on Capitol Hill in Washington, U.S., January 17, 2017. REUTERS/Yuri Gripas ORG XMIT: WAS832
    A secretária de Educação dos EUA, Betsy DeVos, durante sabatina no Senado

    Os cem estudantes do colégio Holy Angels, em Indianápolis (EUA), não têm dúvidas do que se almeja ali. Nos corredores e nas salas de aula, estão fixados cartazes com a mensagem "Nossos objetivos: faculdade e paraíso".

    Materiais didáticos se misturam a imagens de cruz na escola de ensino fundamental católica. Há missa semanal na quadra do colégio.

    Administrativamente, o que chama atenção é que a maioria dos estudantes dessa escola fundamental particular é financiada com recursos públicos, graças à política implementada pelo Estado de Indiana, em 2011.

    Chamada de vouchers, a iniciativa permite que um estudante que poderia ir para o ensino público migre para a rede particular. Com ele, vai o dinheiro que, inicialmente, seria das escolas públicas.

    Tal uso de recursos é controverso nos Estados Unidos. Muitos especialistas entendem que a política quebra o conceito de separação entre Igreja e Estado, pois 70% das matrículas da rede particular estão em colégios de inclinação religiosa.

    Apesar da polêmica, esse modelo de financiamento é um dos preferidos do governo Donald Trump para o ensino básico.

    O Orçamento proposto pelo republicano para 2018 destina US$ 250 milhões específicos para expansão de vouchers e outro US$ 1 bilhão para a expansão de política chamada "school choice" ("escolha escolar", que abrange vouchers e outras ações).

    Isso num contexto de redução de 14% do Orçamento geral para a educação, um corte de US$ 9 bilhões.

    CONTROVERSO

    A vantagem dos vouchers, dizem os defensores da política, é dar opção aos alunos que poderiam ficar reféns de colégios públicos ruins.

    Entusiasta do modelo, o prêmio Nobel de Economia Milton Friedman (1912-2006) defendia que vouchers também melhoram o sistema ao impor competição entre colégios, públicos e particulares, pelo dinheiro dos impostos.

    A ideia foi encampada por Friedman em 1955 e cresce lentamente. Entre 55 milhões de alunos na educação básica americana, 450 mil usam vouchers ou sistemas semelhantes. Adotaram a política 25 dos 50 Estados.

    Os resultados até agora não empolgam. Alunos que usaram os vouchers não tiveram desempenho melhor que os demais em Milwaukee, Cleveland e Washington DC.

    A revisão de resultados foi feita pelo professor Luis Huerta, do Teachers College, da Universidade Columbia.

    Estudos que usam notas de avaliações nacionais também não apontam vantagem para o sistema. Em Louisiana, os beneficiários dos vouchers chegaram a ter desempenho pior em matemática.

    As hipóteses mais citadas para explicar o fraco desempenho são: as famílias às vezes não têm todos os subsídios para fazer uma boa escolha e grande número de escolas particulares não é melhor que as públicas.

    "Até agora, parece uma falsa ilusão acreditar que a lógica de mercado ajuda a educação, como o governo Trump defende", disse o professor da Columbia à Folha.

    O próprio colégio Holy Angels, de Indianápolis, é um exemplo dessa dificuldade da rede privada. Numa escala de qualidade feita pelo Estado de Indiana que vai de A a F, o colégio tem tirado D.

    Durante visita da reportagem à instituição, em maio, o diretor da escola, Matthew Goddard, afirmou que o perfil dos estudantes, de baixo nível socioeconômico, torna mais desafiadora a melhoria dos indicadores.

    O PLANO DE TRUMP PARA EDUCAÇÃO Republicano pretende ampliar ensino privado, dominado por escolas religiosas

    VANTAGEM

    Entre famílias que usam os vouchers, um dos pontos positivos mais citados é que as escolas particulares oferecem segurança aos alunos.

    "Na escola pública, não me senti bem atendido. A escola era muito grande, alguns professores não pareciam motivados para estar ali", diz Nicholas Ford, 16, que hoje estuda com voucher numa escola particular de Indiana (Estado com o maior número de beneficiários do sistema).

    Professor de matemática no colégio Providence Cristo Rey, também em Indianápolis, Jorge Lopez diz que o fato de o colégio ser católico traz um senso de comunidade importante para o bem estar dos estudantes.

    Antes de cada aula, ele pergunta como os alunos estão se sentindo e se estão enfrentando algum problema.

    O professor teve um aluno que perdeu um parente assassinado. "Ele estava atordoado. Os alunos propuseram uma reza. Não resolveu todos os problemas dele, mas ele se sentiu amparado."

    Como na Holy Angels, a maioria dos alunos na Providence não é católica.

    JUSTIÇA E RELIGIÃO

    A presença da religião nessa política tem sido alvo de discussões jurídicas.

    Em uma das principais decisões sobre o tema, a Suprema Corte determinou em 2002 que o sistema não fere o princípio constitucional de separação Igreja-Estado, pois não foi desenhada especificamente para apoiar instituições religiosas.

    O caso começou com um grupo de contribuintes de Ohio reclamando que seus impostos estavam financiando entidades religiosas.

    Apesar da decisão da corte, Estados têm liberdade de vetarem o sistema.

    O debate voltou com força devido a declaração da secretária de Educação escolhida por Trump, Betsy DeVos.

    Em 2001, ela afirmou que reformas educacionais eram importantes para "avançar o reino de Deus" –DeVos tem fortes laços com a igreja evangélica. A declaração veio a público depois de ela ter sido escolhida por Trump.

    Atualmente, DeVos prioriza em discursos a possibilidade de o "school choice" melhorar o ensino para alunos de baixa renda.

    "Ninguém melhor que a família para definir qual a melhor escola para seu filho. Se ela quiser colégio religioso, qual o problema?", diz Betsy Wiley, presidente do Institute For Quality Education, ONG que busca expandir o "school choice" em Indiana.

    A organização defende que o sistema deva ter menos amarras. Em Indiana, há teto de renda familiar para que o estudante possa receber os vouchers, mas o limite é elástico o suficiente para contemplar famílias de classe média.

    Tantas polêmicas têm feito até republicanos declararem que podem alterar o Orçamento de Trump. A decisão final deve sair nas próximas semanas.

    O jornalista FÁBIO TAKAHASHI elaborou esta reportagem durante o programa Spencer Fellowship in Education Reporting, na Universidade Columbia (EUA)

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