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    'Black blocs' contra Maduro desafiam oposição e ameaçam pegar em armas

    NORIS SOTO
    DA BLOOMBERG

    26/07/2017 07h00

    Havia silêncio no porão úmido e escuro no noroeste de Caracas, onde dezenas de jovens de ambos os sexos, sentados no chão, preparavam suas armas. Eles despejavam asfalto, gasolina e tinta em latas de cerveja e garrafas de refrigerante, amarrando tiras de tecido para fazer mechas.

    Os coquetéis molotov são baratos e fáceis de fazer. Se eles estão cumprindo sua meta é o tema de um debate acirrado na Venezuela. Depois de meses de manifestações incansáveis contra o presidente Nicolás Maduro, muitos militantes estão frustrados.

    Juan Barreto - 22.jul.2017/AFP
    Manifestante mascarado contra Nicolás Maduro atira coquetel molotov em confronto com guardas
    Manifestante mascarado contra Nicolás Maduro atira coquetel molotov em confronto com guardas

    O grupo no porão falava sobre isso com vozes abafadas —não queriam que ninguém no bairro de classe média os encontrasse. Estava claro, porém, que muitos tinham chegado ao limite.

    As forças de segurança contra as quais eles lutam, as tropas com capacetes que atiram latas de gás lacrimogêneo, fortes jatos de água e balas.

    "Todos merecem morrer", disse um dos que fabricavam bombas, despejando devagar gasolina em um vidro.

    O chamado às armas vindo de alguém da resistência pode ser o estímulo inicial para um movimento de guerrilha urbana que o país não vê há meio século.

    É cedo para dizer se eles realmente cumprirão as ameaças, mas o discurso ousado é um sinal perturbador para os líderes de oposição da corrente dominante, que emitiram instruções —recentemente súplicas— pela realização de comícios e marchas pacíficas.

    Esses pedidos caem cada vez mais em ouvidos moucos. Ativistas mascarados atiram suas bombas caseiras, pedras, vidros cheios de fezes, qualquer coisa que esteja à mão. Eles já invadiram prédios de escritórios, quebraram vitrines de lojas e bloquearam ruas.

    "Não sabemos exatamente como controlá-los, e temos medo de que eles possam exagerar e prejudicar nossa luta", disse o deputado da Assembleia Nacional Angel Alvarado, um antigo inimigo de Maduro e de seu antecessor e mentor, Hugo Chávez. "Esses meninos radicais são um perigo."

    Um jovem em uma esquina de Caracas, com o rosto coberto por um lenço branco, desdenhou dessa visão como sendo a da velha guarda. Sua opinião?

    "Estamos cansados de ser mortos", disse ele, enquanto as multidões cresciam ao seu redor, os agitadores usando capacetes, óculos de natação e máscaras antigás, alguns carregando como proteção escudos feitos de antigos skates.

    "Estamos dispostos a sair armados, a enfrentá-los de igual para igual", disse ele, recusando-se a dar seu nome e se descrevendo apenas como um combatente anti-Maduro de uma família de classe média. "O protesto tem de evoluir."

    Mais de cem pessoas morreram desde o início das manifestações diárias, em abril. Centenas de milhares de pessoas às vezes lotam as ruas de Caracas e outras cidades, gritando contra o que consideram um regime autoritário.

    A decepção com Maduro se infiltrou em todas as classes, unindo ricos e pobres, enquanto o governo de esquerda mergulhava a Venezuela em um colapso econômico sem precedentes. Em um país com as maiores reservas do mundo de petróleo cru, há escassez crítica de alimentos, remédios e dinheiro.

    O momento da oposição ganhou força desde que Maduro revelou planos de reescrever a Constituição do país, convocando uma eleição especial para uma Assembleia Constituinte em 30 de julho.

    O presidente disse em um comunicado que os que querem perturbar a votação ou não participar estão "ferindo o direito à paz, porque o que vamos decidir aqui na semana que vem é entre guerra ou paz, violência ou Assembleia Constituinte".

    Os venezuelanos indignados marcharam na semana passada, levando a capital a uma virtual paralisação. Mais de 7,5 milhões de votos foram dados em um plebiscito não oficial contra o presidente e seu plano de assembleia, denunciado como um complô para se consolidar no poder.

    Os EUA estão avaliando sanções. Maduro, em uma aparição na televisão no domingo (23), estava inflexível. "A direita imperialista acredita que pode dar ordens à Venezuela", disse ele. "Os únicos que dão ordens aqui são o povo."

    'LONGE DEMAIS'

    A intransigência desafiadora de Maduro diante da oposição generalizada é prova, segundo os radicais, de que eles precisam ir além dos coquetéis molotov, do ocasional incêndio a um veículo do governo ou aos latões de lixo.

    A visão dos mais conservadores na coalizão anti-Maduro é que eles já foram longe demais.

    "Existe um elemento de anarquia", disse Ramon Muchacho, prefeito do distrito de Chacao, em Caracas, que é o ponto zero dos protestos na capital. "E há grupos de pessoas que se aproveitam da situação."

    Os saqueadores que usam máscaras para invadir as lojas são criminosos explorando o caos nas ruas, disse Fernando Fernández, que é dono de uma loja de bebidas em Caracas.

    Uma dúzia deles a invadiram numa sexta-feira recente e roubaram uma fortuna em bebidas. "Esta foi a primeira vez que algo desse tipo aconteceu", disse ele. "Não eram da resistência, eram ladrões."

    Esse é um dos muitos perigos citados em discussões contra a intensificação da fúria na campanha contra Maduro: que é difícil conduzir a violência admitida em nome da legítima oposição política.

    Também pode ser exatamente o que as forças pró-Maduro querem, "para que possam justificar mais ataques e mortes", disse Rafaella Requesens, 25, uma líder do movimento estudantil venezuelano.

    "Eu peço a todos esses jovens que querem ampliar o protesto e transformá-lo em algo violento que pensem duas vezes. Não podemos fazer o jogo deles."

    O rapaz de lenço branco em Caracas disse que passou a hora da contenção: as fatalidades estão aumentando, chegando a uma por dia em média desde que os protestos começaram, e Maduro continua presidente.

    "E se eles atirarem em nós com armas de fogo? Também teremos de atirar neles."

    Colaborou ANDREW ROSATI, da Bloomberg

    Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES

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