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    Adoração a Simón Bolívar une chavistas e opositores na Venezuela

    GIDEON LONG
    DO "FINANCIAL TIMES", EM CARACAS (VENEZUELA)

    28/07/2017 07h00

    Ariana Cubillos - 24.jun.2017/Associated Press
    Frase de Simón Bolívar é pendurada por opositores na grade de uma base aérea em Caracas
    Frase de Simón Bolívar é pendurada por opositores na grade de uma base aérea em Caracas

    Talvez seja indicativo da polarização da sociedade venezuelana de hoje o fato de que o único homem que parece ser capaz de unir o país morreu há quase 200 anos.

    Simón Bolívar, o venezuelano que libertou boa parte da América do Sul, virou um ícone não apenas de Nicolás Maduro e seus seguidores socialistas, mas também dos adversários mais ferrenhos do presidente.

    Mas, no momento em que o país se prepara para uma eleição crucial em 30 de julho, após três meses de violentos protestos de rua que já fizeram cerca de cem mortos, cada lado tem uma visão muito diferente do que Bolívar representou.

    A esquerda o enxerga como um revolucionário que no início do século 19 libertou os sul-americanos oprimidos da tirania colonial espanhola. A direita, enquanto isso, vê Bolívar como um paradigma de liberdade —um símbolo de tudo que ela diz ter perdido ao longo de quase duas décadas de governo esquerdista.

    Quem caminha pelas ruas da capital, Caracas, vê o rosto de Bolívar em inúmeros murais e cartazes. A moeda venezuelana recebeu seu nome, e ele aparece nas cédulas. Hugo Chávez, o predecessor de Maduro, batizou sua revolução com o nome de Bolívar.

    "Ele foi o maior venezuelano da história, sem exceções", disse José Castellín, engenheiro do setor petrolífero que esteve entre centenas de ativistas de esquerda a participar de uma cerimônia realizada em Caracas na segunda-feira para comemorar o 234º aniversário da morte de Bolívar. "Bolívar pertence a todos."

    A professora Mercedes León de Acevedo, 62 anos, disse que a imagem de Bolívar ganhou vida nova desde que ela era jovem.

    "Quando eu era colegial, nos ensinaram apenas os fatos essenciais a respeito dele: que Bolívar foi militar e político, suas datas de nascimento e morte e nada mais", ela comentou. "Mas hoje, graças a Chávez, conhecemos a história verdadeira e completa de Bolívar."

    Xinhua
    Aliado de Nicolás Maduro segura retrato de Simón Bolívar em ato de apoio ao presidente em 2 de junho
    Aliado de Nicolás Maduro segura retrato de Simón Bolívar em ato de apoio ao presidente em 2 de junho

    CONTROVÉRSIA

    Essa história, porém, frequentemente é enfeitada. As pessoas muitas vezes omitem as partes que não lhes agradam.

    A esquerda tende a passar por cima do fato de que Bolívar, nascido em Caracas em 1783, era filho de uma família rica, dona de fazendas de açúcar e minas de cobre. Os libertários de direita minimizam seu lado autoritário: Bolívar achava que os presidentes deviam ter mandato vitalício e que as cadeiras no Senado deveriam ser passadas de pai para filho.

    Como Chávez e Maduro, Bolívar foi uma figura controversa em vida. Ele sobreviveu a uma tentativa de assassinato em 1828 e, segundo seus adversários, em seus últimos anos de vida foi um ditador sedento pelo poder absoluto.

    Maduro cita Bolívar como inspiração para os candidatos à nova Assembleia Constituinte venezuelana, a ser eleita no domingo. Ela terá o poder de dissolver o Parlamento, reescrever a Constituição e mudar as leis do país. Afinal, Simón Bolívar convocou várias Constituintes durante sua vida e ajudou a redigir várias Constituições sul-americanas.

    Os adversários do presidente enxergam as coisas diferentemente.

    "O governo usa a imagem de Simón Bolívar para seus próprios fins", comentou Scarlett González, uma manifestante em um protesto da oposição. "Bolívar foi um libertador, ele libertou a Venezuela e as Américas. Este governo não tem nada a ver com liberdade. Se Bolívar estivesse vivo hoje ele estaria do nosso lado, do lado certo da história."

    A advogada Mariela Hernández Silva carregava um cartaz com a imagem de Bolívar e o descreveu como "um homem inteligente que se pautava por princípios, mas também cometeu erros".

    "Devemos comemorar o aniversário dele, mas prometer a nós mesmos que esta será a última vez que o fazemos sem democracia", ela disse.

    Antes de uma eleição que pode contribuir em muito para moldar seu futuro, os venezuelanos fariam bem em refletir sobre o discurso final de Bolívar, em 1830, quando ele inaugurou o último Congresso constitucional de sua vida.

    Respeitem o Congresso, ele aconselhou, "senão vocês se afogarão em um oceano de anarquia, deixando como legado para seus filhos nada senão criminalidade, sangue e morte".

    Menos de um ano mais tarde, Bolívar estava morto, e seu sonho de uma "Grande Colômbia" —um país vasto que abrangeria Venezuela, Colômbia, Equador e Panamá— estava despedaçado.

    Tradução de CLARA ALLAIN

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