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    Artefatos do campo de Auschwitz serão exibidos em mostra itinerante

    JOANNA BERENDT
    DO "NEW YORK TIMES", EM VARSÓVIA (POLÔNIA)

    28/07/2017 11h02 - Atualizado às 18h37
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    Reprodução
    Vista de portão do campo de Auschwitz, no qual se lê "Arbeit macht frei" (o trabalho liberta)
    Vista de portão do campo de Auschwitz, no qual se lê "Arbeit macht frei" (o trabalho liberta)

    Mais de 72 anos depois da libertação de Auschwitz, a primeira exposição itinerante sobre o campo de extermínio nazista iniciará, dentro de algumas semanas, sua jornada por 14 cidades da Europa e da América do Norte, mostrando artefatos dolorosos a multidões que jamais viram horrores como aqueles de tão perto.

    A empreitada é um dos esforços mais visíveis para educar e informar jovens para quem o Holocausto é um evento histórico distante e pouco compreendido. Museus como a Casa de Anne Frank, o Museu Judaico de Berlim, o Museu Memorial do Holocausto, nos Estados Unidos, e outros se veem em dificuldades para exibir uma parte sombria do passado a um mundo cada vez mais desatento.

    Mas qualquer coisa que possa ser descrita como colocar Auschwitz em excursão desperta objeções instantâneas. Os dirigentes do Museu Estatal de Auschwitz-Birkenau e da empresa que está encarregada da mostra itinerante afirmam que sua intenção não é fazer do sofrimento de milhões de vítimas do nazismo uma fonte de dinheiro.

    Diversos líderes judaicos conhecidos expressaram apoio à ideia de expor peças oriundas de Auschwitz a pessoas que de outra forma talvez não pudessem ver esse pedaço da história. Eles disseram que a cobrança de ingressos não os preocupa demais; os organizadores afirmaram que solicitariam que o preço fosse baixo, nos locais em que seja decidido cobrar entrada, e que estudantes possam visitar a mostra gratuitamente.

    "Se você estivesse dizendo que alguém organizou essa mostra para ganhar milhões, eu objetaria a ela", disse o rabino Marvin Hier, fundador do Centro Simon Wiesenthal, uma organização judaica de defesa dos direitos humanos. "Mas se eles realizarem um lucro que normalmente seria considerado justo, e tendo em vista que o objetivo da mostra é que centenas de milhares de pessoas em todo o mundo possam vê-la, acho que seria legítimo".

    A mostra –anunciada na quarta-feira pelo Museu Estatal de Auschwitz-Birkenau e pela Musealia, a companhia espanhola encarregada de organizá-la– incluirá peças do museu como um galpão dormitório; um vagão de trem do mesmo tipo usado para transportar os prisioneiros ao campo; cartas e depoimentos; e uma máscara de gás, uma lata que continha o gás Zyklon B e outras lembranças mórbidas das câmaras de gás do complexo.

    A exposição, que começou a ser preparada sete anos atrás, é uma resposta ao crescente antissemitismo na Europa e em outras regiões, disseram as pessoas envolvidas.

    "Jamais fizemos algo parecido, e é o primeiro projeto dessa magnitude em nossa história", disse Pyotr Cywinski, diretor do museu estatal, que fica no local do antigo campo de extermínio, no sul da Polônia. "Vínhamos pensando sobre isso há muito tempo, mas não dispúnhamos do know-how necessário".

    Ainda que o Holocausto continue a ser tema importante de estudo para historiadores e seja parte dos currículos escolares de muitos países, o conhecimento sobre os campos de extermínio está desaparecendo, nas gerações mais novas, ele disse.

    Pawel Ulatowski/Reuters
    Vista do campo de extermínio nazista de Auschwitz, na Polônia
    Vista do campo de extermínio nazista de Auschwitz, na Polônia

    A mostra fará sua primeira parada em Madri, e deve estrear em dezembro; depois, circulará por diversos países durante sete anos. As datas e locais exatos serão anunciados dentro de um mês.

    Não basta "sentar entre quatro paredes, contemplar a porta e esperar que os visitantes nos procurem", disse Cywinski, e por isso os dirigentes do museu decidiram sair em busca de uma audiência mais internacional.
    A ideia de uma mostra itinerante surgiu em 2010, quando a Musealia, uma empresa familiar cujas mostras incluem artefatos do Titanic, entrou em contato com o museu.

    Luis Ferreiro, o diretor da companhia, disse que a ideia lhe ocorreu quando estava de luto pela morte de seu irmão, aos 25 anos. Ele disse que encontrou consolo em "O Homem e a Busca de Um Sentido", de Viktor Frankl, sobre suas experiências em quatro campos de extermínio nazistas nos quais esteve aprisionado, depois que sua mulher grávida, seus pais e seu irmão foram executados.

    Inspirado pelas lições de sobrevivência espiritual do livro, Ferreiro disse que decidiu tentar aproximar o tema do Holocausto de pessoas que talvez jamais tivessem a chance de visitar o museu de Auschwitz.

    Foi necessário algum tempo para que Ferreiro conquistasse a confiança do conselho do museu de Auschwitz, que reagiu com surpresa à proposta, vinda de uma companhia que organiza exposições fora do mundo dos museus.

    O museu exigiu que a segurança dos artefatos fosse garantida a cada momento, e que a Musealia respeitasse as normas severas de conservação adotadas pelo museu, entre as quais garantir transporte e armazenagem adequados, e selecionar espaços de exposição com iluminação suficiente e clima controlado.

    O museu também exigiu que os artefatos fossem apresentados no contexto histórico, especialmente porque muitos aspectos da Segunda Guerra Mundial são compreendidos de modo muito vago pelas gerações mais jovens. Por exemplo, perguntar sobre a história e a posição dos judeus na Europa ao público espanhol "provavelmente resultaria em algumas respostas estranhas".

    A exposição vai mostrar que a Espanha –que durante a guerra era liderada pelo ditador Francisco Fraco, aliado de Hitler– não abrigava grandes comunidades judaicas e não teve elos fortes com o Holocausto, ainda que haja exceções notáveis, como o diplomata espanhol Ángel Sanz Briz, que salvou mais de cinco mil judeus húngaros de uma deportação a Auschwitz.

    "Em outras palavras, queríamos mostrar que o regime de Franco era muito simpático ao nazismo", disse Robert Jan van Pelt, professor de História na Universidade de Waterloo, Canadá, e pesquisador sobre o Holocausto que trabalha na organização da mostra. "Mas indivíduos espanhóis podem ter agido de outro modo, e agiram".

    O museu de Auschwitz receberá uma quantia fixa anual para cobrir quaisquer despesas geradas pelo projeto, ainda que nem dirigentes do museu e nem a Musealia tenham especificado o valor. Se a exposição gerar lucro, o montante que o museu receberá aumentará, disse Ferreiro.

    A história de Auschwitz tal qual contada por meio de artefatos vai cobrir a localização física dos campos e seu papel como símbolos do ódio e da barbárie. A mostra começará pela história de Oswiecim, a cidade polonesa que abrigou os campos alemães e tinha população 60% judaica antes da guerra. Depois haverá uma seção sobre as origens do nazismo, pós-Primeira Guerra Mundial.

    Das 1,15 mil peças que serão exibidas, 835 virão do museu de Auschwitz. As demais foram emprestadas por outras instituições, como o museu Yad Vashem, em Israel, ou diretamente por sobreviventes e suas famílias. Muitos desses objetos não foram expostos até hoje.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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