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    Crescente isolamento pré-eleição faz de chegada a Caracas cenário zumbi

    SYLVIA COLOMBO
    ENVIADA ESPECIAL A CARACAS

    29/07/2017 02h00

    Esvaziado, com diversos balcões que antes abrigavam companhias aéreas de várias partes do mundo, o aeroporto de Maiquetía parecia, na tarde desta sexta (28), mais um cenário da série "The Walking Dead" ou de algum filme sobre o fim do mundo.

    Enquanto o resto da cidade aguardava a "Tomada de Caracas", manifestação convocada pela oposição para pressionar o presidente Nicolás Maduro a cancelar a eleição da Assembleia Constituinte, neste domingo, o aeroporto exibia apenas vestígios de um passado mais heroico e glamouroso.

    Nos anos 70, era em Maiquetía que costumavam chegar os dissidentes que fugiam das ditaduras do Cone Sul, quando a Venezuela recebeu vários intelectuais e militantes, principalmente da Argentina e do Uruguai.

    Depois, o aeroporto teve seus anos dourados quando se transformou no ponto de conexão de voos que levavam turistas europeus, americanos e latino-americanos para suas férias no Caribe.

    Hoje é um local triste e semiabandonado. Aqui e ali se veem placas de empresas aéreas que desistiram há tempos da capital venezuelana.

    Filas de pessoas quietas expõem sentimentos diversos.

    Há o medo do estrangeiro de ser deportado (como o jornalista argentino Jorge Lanata, na última quinta, 27); de viajantes que temem que agentes da alfândega roubem aquela bebida, remédio ou brinquedo trazido do exterior para driblar a carência de produtos no país; e o do venezuelano que crê que vai encontrar o país um pouco pior do que o deixou há uma semana, um mês ou um ano.

    "Vir se despedir de alguém em Maiquetía antigamente era muitas vezes um passeio. O familiar ia alegre de férias, mas quem o levava também desfrutava da paisagem das montanhas, da agitação do aeroporto", diz Pedro García Mariano, 62, que chegava na tarde desta sexta de Houston.

    "Agora é só essa desolação e essas demonstrações de autoritarismo", disse, apontando soldados armados que vigiavam a alfândega.

    Hoje Maiquetía é um exemplo do isolamento da Venezuela, que deixou de ser destino para muitas companhias aéreas devido à turbulência política e à profunda crise econômica do país.

    Duas delas, a colombiana Avianca e a americana Delta, desistiram nesta semana. A Air France interromperá os voos à Venezuela a partir deste domingo (30).

    Na manhã de quinta (27), quem se preparava no aeroporto argentino de Ezeiza para viajar a Caracas via Bogotá pela companhia colombiana foi surpreendido.

    Embora a Avianca houvesse comunicado que deixaria de operar voos de e para a Venezuela em 16 de agosto, a decisão foi antecipada em 20 dias. "São coisas políticas", respondia repetidamente a atendente aos oito passageiros que esperavam voar.

    "Estou cansada, não é questão de querer um governo popular ou elitista, de esquerda ou direita", disse Nora Ruíz, 52, que falava com a Folha enquanto tentava localizar os filhos adolescentes por aplicativo no celular para dizer que provavelmente não voltaria para casa quando esperado. "Só queria, a essa altura, um país normal."

    Já no aeroporto de Miami, os 12 passageiros do único voo desta sexta para a capital venezuelana comentavam os cancelamentos e a alta dos preços dos bilhetes restantes.

    "Entro toda noite na internet para ver promoções, tenho que ir aos EUA uma vez por mês por causa do meu filho, e ganhando em bolívares está cada vez mais difícil", disse Carola Caicedo, 48.

    Na área de transferência para conexões internacionais, pelo qual passou a reportagem da Folha, a pergunta dos funcionários da alfândega era a mesma: "Por que você vai a Caracas?", com cara de susto. Uma hondurenha que conferia os tíquetes perguntou: "Caracas?". E fez o sinal da cruz.

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