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    Julgamento de jornalistas passa despercebido na Turquia

    MEHUL SRIVASTAVA
    DO "FINANCIAL TIMES", EM ISTAMBUL

    30/07/2017 03h26

    Ozan Kose/AFP
    Turcos seguram exemplares do jornal 'Cumhuriyet' em protesto em Istambul
    Turcos seguram exemplares do jornal 'Cumhuriyet' em protesto em Istambul

    Em um tribunal lotado no Palácio da Justiça em Istambul, jornalistas acusados de atos relacionados a terrorismo passaram cinco dias lutando contra os promotores do Estado sobre algumas das questões mais profundas que o país enfrenta.

    Eles discutiram a antiga aliança do governo com um religioso exilado, Fethullah Gülen, que é acusado pelo golpe fracassado do ano passado. Debateram os limites da livre expressão, a natureza da dissidência aceitável e a definição de tirania e desobediência civil.

    Nos canais de notícias da Turquia e nas primeiras páginas dos jornais, porém, quase não há menção a um julgamento que os diplomatas ocidentais acompanham de perto. Num canal favorável ao governo, os 17 membros do jornal "Cumhuriyet" são descritos como terroristas. Em um jornal de oposição, os jornalistas, dentre os mais conhecidos do país, são mártires da derrocada dos padrões democráticos na Turquia.

    Mas para a maior parte da mídia, dominada quase totalmente por canais leais ao presidente Recep Tayyip Erdogan, o julgamento poderia não existir –um pequeno resumo na página 7, uma menção rápida em um sumário de notícias na televisão.

    "Isso diz algo sobre a situação do jornalismo e da livre expressão na Turquia", disse Asli Aydintasbas, membro associado do Conselho Europeu de Relações Exteriores. "Isto deveria ser notícia de primeira página em todos os jornais. Mas a maioria se esquiva de reportagens que acham que poderiam irritar o governo."

    Os réus são acusados de "ajudar uma organização terrorista sem ser membros" –uma construção jurídica que permitiu que o governo prendesse dezenas de jornalistas depois do golpe fracassado de julho de 2016.

    Dezenas de canais de mídia também foram fechados desde que Erdogan impôs o estado de emergência após a tentativa de golpe.

    O julgamento, que começou nesta semana, tornou-se um reflexo da turbulência na Turquia. Mulheres levam ao tribunal, às escondidas, biscoitos caseiros de gergelim, esperando passá-los a seus maridos sob as cadeiras.

    Policiais armados impedem que um menino de 10 anos abrace seu pai. Os juízes se queixam de que colunistas lotam a plateia, e os promotores sorriem com escárnio para os réus que consideram as acusações frágeis.

    De um lado do tribunal, os promotores estão decididos a provar que o "Cumhuriyet", conhecido por suas críticas a Erdogan, foi usurpado por gulenistas, que reuniram riqueza e influência por meio de uma infiltração clandestina na economia e no Estado.

    Depois de ser infiltrado, o jornal teria servido a Gülen, que o governo acusa não apenas de ser o cérebro do golpe fracassado, mas também de causar anos de vazamentos embaraçosos e investigações com motivos políticos destinados a minar Erdogan.

    Do outro lado, estão alguns dos jornalistas mais conhecidos da Turquia. Entre eles, Kadri Gursel e Ahmet Sik, que se tornaram famosos por advertir o país sobre os perigos da infiltração gulenista que hoje são acusados de ajudar.

    Sik, aliás, está em um ambiente conhecido; cinco anos atrás, quando Erdogan e Gülen ainda eram aliados, ele foi condenado a um ano de prisão neste tribunal por ter escrito um livro, "O Exército do Imã", que denunciou a influência de Gülen no Estado.

    Ele e outros acusados usaram o julgamento para lançar ataques agressivos à amnésia do governo sobre sua aliança anterior com Gülen, que nega envolvimento na tentativa de golpe.

    Os comentários de Sik levaram o promotor a pedir, na sexta (28), que novas acusações fossem feitas contra ele. E o juiz decidiu que quatro dos 17 réus, incluindo Sik, devem continuar presos ao longo do julgamento.

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