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    Onda nacionalista refluiu, mas risco continua, diz ex-chefe da UE

    IGOR GIELOW
    DE SÃO PAULO

    02/08/2017 21h46

    A onda nacionalista que ameaçava engolfar a Europa refluiu, mas o perigo segue. Apenas uma maior integração política será capaz de lidar com a questão, e o fórum possível para tanto é a UE (União Europeia).

    É o que avalia o português José Manuel Durão Barroso, que foi o presidente do órgão executivo da UE, a Comissão Europeia, de 2004 a 2014.

    Marcelo Justo - 25.jan.2013 /Folhapress
    O ex-presidente da Comissão Europeia José Manuel Durão Barroso em visita a São Paulo em 2013
    O ex-presidente da Comissão Europeia José Manuel Durão Barroso em visita a São Paulo em 2013

    "O prognóstico de uma maré não se confirmou, mas ainda estamos preocupados. Acidentes podem acontecer", afirmou Durão Barroso, 61, em conversa com jornalistas. Ele é executivo do banco Goldman Sachs e está no Brasil para uma série de eventos —nesta quinta (3), fala no Instituto FHC, em São Paulo.

    A onda foi impulsionada pela eleição de Donald Trump nos EUA e com o voto do "brexit", que decidiu pela saída do Reino Unido da UE, ambos em 2016. Este ano, contudo, viu a extrema-direita derrotada na Holanda e, principalmente, na França.

    "Nós ultrapassamos a crise. Países que tinham problemas estão crescendo, como Irlanda, Espanha e Portugal", disse, citando a adoção do receituário ortodoxo combinando disciplina fiscal, ajuda econômica e reformas liberais —ex-premiê português (2002-2004) pela centro-direita, ele não se estendeu sobre os méritos do atual governo socialista, avaliado positivamente na Europa pela recuperação do país.

    Como a UE é um "projeto político de paz por via econômica", quem é contra a integração hoje "nem sempre é racista ou xenófobo, mas todos os racistas e xenófobos o são". Para ele, a onda foi uma reação à globalização. Lembra que havia "pleno emprego" nos EUA que elegeram Trump, logo, "não é só a economia [que gera a reação], mas também uma questão identitária e cultural".

    Num aceno a seu passado como militante maoista, lembrou "da frase marxista da dialética" para definir o confronto atual entre "fricção e fluxo" na globalização.

    Outro desafio sério para os europeus, avalia, é a Rússia de Vladimir Putin. Durão Barroso estava na chefia europeia quando o Kremlin anexou a Crimeia, em 2014, e trabalhou na costura de sanções com os EUA contra Moscou.

    Nesta quarta (2), Trump sancionou o projeto ampliando as punições a Moscou, que pode punir empresas europeias com negócios energéticos com os gigantes russos de gás e petróleo —que dominam o fornecimento à UE.

    "É preocupante, teria preferido uma melhor concertação com a Europa. Sancionar empresas europeias?", diz o executivo, ponderando, contudo, que o caso é "sui generis". "Não foi uma iniciativa da administração, e sim do Congresso", disse, lembrando o duelo entre Trump e os parlamentares.

    Durão Barroso afirmou, sem detalhar, ter ouvido que os americanos irão estudar caso a caso e evitar penalidades a empresas europeias.

    E defendeu o diálogo. "Seria um erro humilhar a Rússia, assim como foi um erro o [ex-presidente americano Barack] Obama dizer que ela era uma potência regional."

    Ele também citou a crescentemente autocrática Turquia como ponto de tensão para a Europa. "O golpe (contra o governo em 2016) não pode legitimar repressão."

    Sobre as críticas constantes ao centralismo da UE, que de resto alimentam os nacionalismos de hoje, Durão Barroso foi previsivelmente enfático. "O que é pior? Uma burocracia em Bruxelas ou 28 burocracias nacionais?."

    Para ele, o problema maior é o que já chamou de "nacionalização dos sucessos e europeização dos fracassos", uma crítica a políticos de todas as cores ideológicas.

    Disse ter esperança em Emmanuel Macron, "o mais pró-europeu presidente que a França já teve", embora reconheça as dificuldades de fazer reformas necessárias (trabalhista e previdenciária) —que, aliás, comeram dez pontos da popularidade do centrista no último mês.

    Por fim, comentou diplomaticamente a crise política brasileira. "Confio nas instituições. As más notícias preocupam, mas vemos liberdades garantidas."

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