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    Hizbullah mostra sua força com maior repatriação de refugiados na Síria

    BEN HUBBARD
    DO "NEW YORK TIMES", EM BEIRUTE (LÍBANO)

    04/08/2017 07h00

    Omar Haj Kadour/AFP
    Milhares de civis sírios e militantes de uma filial da Al Qaeda fazem fila para serem levados a Idlib
    Milhares de civis sírios e militantes de uma filial da Al Qaeda fazem fila para serem levados a Idlib

    Mais de cem ônibus levando militantes sírios, seus familiares e outros refugiados atravessaram do Líbano para a Síria na quarta-feira (2) com destino a uma província no norte da Síria controlada em sua maior parte por jihadistas.

    Foi a maior repatriação formal de refugiados para a Síria desde que começou a guerra nesse país, em 2011, e a falta de supervisão por parte de organizações humanitárias internacionais provocou receios quanto ao bem-estar dos refugiados.

    O envio dos militantes e refugiados à Síria estava previsto no acordo de cessar-fogo fechado entre o Hizbullah, força armada libanesa e partido político, e a filial síria da Al Qaeda, hoje conhecida como Comitê de Libertação do Levante.

    No mês passado o Hizbullah lançou uma ofensiva para expulsar combatentes da Al Qaeda de um trecho montanhoso na fronteira síria perto da cidade libanesa de Arsal, uma área que há muito tempo vem sentindo os efeitos do transbordamento da guerra na Síria.

    Rebeldes e jihadistas sírios aproveitaram o relevo acidentado da área para montar bases, atacar o Exército libanês e capturar prisioneiros das forças de segurança libanesas. Além disso, mais de 40 mil refugiados da guerra se estabeleceram em Arsal e nos campos esquálidos das redondezas.

    Os combates se encerraram na semana passada com um cessar-fogo, seguido por negociações para a troca de prisioneiros e dos corpos de combatentes mortos, além da retirada de militantes, seus familiares e outros refugiados.

    Hassan Abdallah/Reuters
    Integrantes do Hizbullah comemoram sua libertação após cessar-fogo com filial síria da Al Qaeda
    Integrantes do Hizbullah comemoram sua libertação após cessar-fogo com filial síria da Al Qaeda

    Organizações noticiosas administradas pelo Hizbullah disseram que mais de 7.700 pessoas serão devolvidas à Síria pelos termos do acordo, entre elas mais de 1.100 combatentes. Na quarta-feira a imprensa local informou que 113 ônibus saíram de Arsal e entraram na Síria. Não foi informado quantas pessoas estavam nos ônibus.

    Pelos termos do acordo, as pessoas serão levadas à província de Idlib, controlada em boa parte pela filial síria da Al Qaeda e sujeita a ataques frequentes das Forças Armadas sírias e da Força Aérea russa, sua aliada.

    Autoridades de segurança libanesas ajudaram a mediar o acordo, e o Crescente Vermelho libanês acompanhou os ônibus até a fronteira, mas o Hizbullah vem sendo a grande força por trás da iniciativa, fato que destaca sua força no Líbano e na Síria.

    A influência dos radicais libaneses ficou clara durante uma visita à região de Arsal organizada para jornalistas no fim de semana, a segunda visita desse tipo oferecida este ano a algumas das áreas mais tensas de fronteira do país.

    Durante a excursão, que levou um dia inteiro, os jornalistas atravessaram bases do grupo libanês espalhadas pelas montanhas, algumas delas com abrigos para combatentes, veículos blindados, equipamentos de vigilância de alta tecnologia e tecnologia de mísseis.

    Membros do Hizbullah acompanharam os repórteres em uma visita a um complexo de cavernas que o grupo teria tomado da Al Qaeda, completo com cozinha, latrinas, dormitórios e celas que os libaneses disseram que recentemente continham prisioneiros de seu país. Numa barraca dentro da caverna, um comandante deu explicações sobre a campanha militar, com a ajuda de mapas coloridos.

    A organização disse que coordena sua ação estreitamente com o Exército libanês, que recebe apoio dos EUA e outros países ocidentais. Mas o Exército não tem presença visível na área.

    ATOR REGIONAL

    A força do Hizbullah no Líbano e na Síria vem crescendo nos últimos anos, desde que ele interveio na guerra síria para ajudar o ditador Bashar al-Assad a combater rebeldes que queriam derrubar seu governo. Desde então, os combatentes libaneses vêm sendo cruciais para vitórias das forças do governo perto da fronteira, em Aleppo e outras partes da Síria.

    Os extremistas xiitas descreveram a expulsão da Al Qaeda da área da fronteira como mais uma vitória, desta vez contra um grupo terrorista que ameaçou o Líbano. Muitos libaneses o aplaudiram pela expulsão dos militantes.

    "O Hizbullah está se consolidando como força importante, regionalmente e localmente", comentou Maha Yahya, diretora do Centro Carnegie Oriente Médio, em Beirute. "É o Hizbullah dizendo: 'Agora sou um ator regional e preciso ser levado em conta'."

    George Ourfalian/AFP
    Militantes da filial síria da Al Qaeda e civis oram antes de começar a viagem até a província de Idlib
    Militantes da filial síria da Al Qaeda e civis oram antes de começar a viagem até a província de Idlib

    Mas muitos dos refugiados que retornaram à Síria graças ao acordo do cessar-fogo não tinham ligação com os combates e não são da área para onde estão sendo levados.

    Grupos humanitários como o Comitê Internacional da Cruz Vermelha não tiveram envolvimento no processo, fato que gera dúvidas quanto à decisão dos refugiados de partir e sobre as proteções que eles receberão na Síria, onde oposicionistas frequentemente desaparecem nas malhas do sistema de segurança.

    Uma porta-voz no Líbano da agência de refugiados das Nações Unidas, Lisa Abou Khaled, disse que todas as viagens de volta de refugiados devem ser voluntárias e baseadas em informações objetivas sobre as condições presentes nos lugares para onde eles estão retornando.

    Mas a ONU não pôde determinar se era esse o caso na quarta-feira, ela disse, porque seus representantes não foram autorizados a ter acesso à área para se reunirem com os refugiados.

    Nadim Houry, especialista na Síria na organização Human Rights Watch, disse que o acordo de repatriação foi semelhante a acordos fechados para retirar rebeldes e seus familiares de áreas dentro da Síria depois de elas serem retomadas pelo governo. Muitos desses acordos também levaram pessoas à província de Idlib.

    "Todo o mundo está enviando todos esses civis a Idlib com esses acordos. Como vai ficar a situação quanto a batalha pelo controle de Idlib acontecer?", perguntou Houry. "Idlib não é um lugar de segurança agora."

    O médico sírio Basem Al Qalleeh, que trabalha em Arsal, disse que os refugiados não foram forçados a partir, mas que as condições tinham ficado tão difíceis que muitos decidiram tentar a sorte em outro lugar.

    Ele falou em operações recentes do Exército libanês em que centenas de pessoas foram detidas. O Exército disse que estava procurando militantes, mas pelo menos quatro homens sírios morreram em sua custódia.

    A Human Rights Watch disse que seus corpos mostravam sinais de maus-tratos e tortura e pediu uma investigação. Segundo Qalleeh, as operações do exército libanês deixaram muitos sírios inquietos quanto à sua situação no Líbano.

    "Ninguém está sendo forçado a partir, mas algumas pessoas estão calculando o que é melhor", ele disse. "Elas terão problemas legais se permanecerem no Líbano? Sua vida pode melhorar se forem embora?"

    Tradução de CLARA ALLAIN.

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