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    Com Donald Trump, promoção da democracia perde força nos EUA

    JOSHUA MURAVCHIK
    DO "WASHINGTON POST"

    05/08/2017 13h51

    Joshua Roberts/Reuters
    U.S. President Donald Trump awards the Medal of Honor to James McCloughan, who served in the U.S. Army during the Vietnam War, during a ceremony at the White House in Washington, U.S. July 31, 2017. REUTERS/Joshua Roberts ORG XMIT: WAS734
    O presidente Donald Trump durante solenidade na Casa Branca, em Washington

    O Departamento de Estado dos EUA estaria estudando uma nova declaração de missão que não mencionará a ideia de promover a democracia no mundo. Um assessor da Casa Branca sugeriu recentemente que a declaração pendente de Estratégia Nacional de Segurança do presidente será guiada por diretrizes semelhantes.

    Se a administração de Trump seguir adiante com esses planos, estará rompendo com décadas de política externa americana. Os funcionários da administração podem achar que a democratização é uma meta vaga e ineficaz, que não tem lugar em um enfoque de barganhas intransigentes que coloca a "América em primeiro lugar". Mas essa conclusão não condiz com a experiência dos presidentes Ronald Reagan e Harry S. Truman, dois dos governantes que foram os guardiões mais intransigentes e eficazes dos interesses nacionais americanos.

    Quando Reagan derrotou Jimmy Carter, prometeu uma política externa mais pragmática. Alguns de seus seguidores pensavam que isso significaria rejeitar a ênfase de Carter sobre os direitos humanos, algo que eles enxergavam como sintoma de fraqueza. Alexander Haig, o primeiro secretário de Estado de Reagan, disse: "O terrorismo internacional tomará o lugar dos direitos humanos como nossa preocupação". Assim, a administração Reagan propôs como secretário adjunto de direitos humanos uma pessoa que afirmara sem rodeios que os direitos humanos não tinham lugar a ocupar na política externa.

    Quando o Senado rejeitou esse nome, Reagan deixou o cargo vazio durante meses, enquanto sua equipe discutia o assunto com mais cuidado. No final a equipe rejeitou a visão de Haig, dizendo: "Os direitos humanos estão ao cerne de nossa política externa". Outros assessores mais sensíveis ao "soft power" do que Haig, cuja origem era militar, persuadiram Reagan a passar por cima de Haig.

    Mas Reagan redefiniu a política externa americana para dar mais ênfase à democratização. Ele concluiu que não se ganhava muito simplesmente criticando ou punindo autocratas por violações cometidas. A meta mais importante seria construir sistemas de governo em que as violações de direitos humanos fossem mais raras e pudessem ser reparadas. Em outras palavras, democracias.

    Assim, o governo dos EUA começou a trabalhar de modo mais sistemático do que nunca para fomentar a democratização. As políticas e os mecanismos instalados por Reagan fomentaram uma maré global que levou o mundo a passar de mais ou menos um terço democrático para quase dois terços, segundo a ONG Freedom House e vários estudos acadêmicos. É claro que as ações dos EUA não foram as únicas responsáveis por essa transição, mas contribuíram para ela. O apoio do país ao movimento polonês Solidariedade e a dissidentes em outras partes do bloco soviético ajudaram a colocar abaixo o império soviético, e pressões dos EUA persuadiram generais a deixar o governo militar em El Salvador e outros países latino-americanos. Uma pressão suave teve mais ou menos o mesmo efeito na Coreia do Sul e Filipinas.

    Essa maré levou uma vida melhor a milhões de pessoas, além de ter tornado o mundo mais pacífico, mais próspero e mais aberto aos EUA. E ela levou embora a União Soviética, pondo fim à Guerra Fria.

    E essa não foi a única instância em que a difusão da democracia em outras partes do mundo acabou proporcionando grandes benefícios aos EUA. Após a Segunda Guerra Mundial, o presidente Truman enfrentou a questão de o que fazer com o Japão e a Alemanha, os inimigos derrotados que as forças americanas tinham passado a ocupar.

    A Alemanha tinha vivido a democracia apenas uma vez, por pouco tempo, durante a República de Weimar. O mais perto que o Japão já havia chegado da democracia havia sido no final do século 18 e início do século 19, quando partidos políticos ganharam destaque. Esses experimentos progressistas tinham durado pouco nos dois países, por contarem com pouco apoio popular. Assim, os observadores bem informados duvidavam que fosse possível implantar a democracia nesses dois países. Como disse a eminente antropóloga Ruth Benedict, os Estados Unidos não poderiam "criar um Japão livre e democrático por decreto".

    Apesar disso, Truman decidiu por uma política de democratização, e o êxito dela superou as expectativas. O acadêmico Robert Ward comentou jocosamente a respeito do general Douglas MacArthur e seus assessores que transformaram o Japão: "Se tivessem sabido mais [sobre a história e as tradições japonesas], teriam realizado menos".

    Além de fazer com que fosse possível gerações de japoneses e alemães viverem com liberdade, a democratização desses dois países os converteu em elementos fundamentais na política de segurança dos EUA na Ásia e Europa e também da prosperidade no pós-Segunda Guerra Mundial que ancorou a posição dos Estados Unidos.

    É desnecessário dizer que os esforços americanos de construção democrática, durante as ocupações, nos anos do governo Reagan ou desde então, foram repletos de erros e falhas. Houve erros de sobra mesmo na grande história de sucesso do Japão, e eles foram ainda mais abundantes na debacle da ocupação americana do Iraque, mais recente.

    Não existe fórmula que explique adequadamente por que a democracia deita raízes em alguns países e não em outros. Alguns países onde as condições para isso parecem inteiramente propícias -por exemplo a Rússia ou a China, com altos níveis de instrução e economias em crescimento-resistem obstinadamente à democracia. Outros países em que a democracia parece improvável -Índia ou Botsuana, por exemplo-a praticam há muito tempo.

    A promoção da democracia não é uma ciência. Algumas abordagens vêm dando bons resultados em alguns lugares, mas não em outros. Todos podemos concordar que, apesar do enorme sucesso do período imediatamente após a Segunda Guerra Mundial, os EUA não devem invadir países unicamente para impor a democracia. Em lugar disso, o projeto democrático deve avançar por meios pacíficos e, frequentemente, de maneiras que não sejam limitadas por outras considerações, já que a democratização raramente será nosso único objetivo.

    Deixando os slogans de lado, todos os presidentes americanos naturalmente puseram a América em primeiro lugar. Mas nossos líderes mais sábios e mais eficazes também reconheceram que um mundo mais democrático não apenas realiza nossos ideais como também beneficia admiravelmente nossos interesses nacionais.

    Tradução de Clara Allain

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