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    Se os EUA atacassem a Coreia do Norte primeiro, seria autodefesa?

    RICK GLADSTONE
    DO "NEW YORK TIMES"

    10/08/2017 12h44

    A admoestação apocalíptica do presidente Donald Trump à Coreia do Norte quanto às suas ameaças nucleares de aniquilar os Estados Unidos sugere que ele pode estar mais perto que nunca de ordenar um ataque –sem esperar que o líder norte-coreano Kim Jong-un ataque primeiro.

    Os partidários de Trump dizem que um ataque como esse, caso aconteça, seria legalmente justificável como ação de autodefesa da parte dos Estados Unidos contra um adversário perigoso e irracional. Outros observadores discordam, e muitos estudiosos das leis internacionais consideram que as questões legais associadas a ataques motivados por autodefesa são complicadas e sujeitas a diferentes interpretações.

    Eis algumas perguntas e respostas sobre o que pode ser considerado legitimamente como autodefesa, sob as leis internacionais, e sobre o que os Estados Unidos precisariam demonstrar para invocar autodefesa como motivo de um ataque à Coreia do Norte.

    Como pode um país invocar autodefesa ao atacar um país que não o tenha atacado?

    O argumento de autodefesa para um ataque como esse não é em geral reconhecido como válido. Mas existem situações nas quais atacar primeiro pode ser interpretado como justificável em termos legais.

    Michael Schmitt, professor do Colégio de Guerra Naval dos Estados Unidos e associado ao Programa de Lei Internacional e Conflitos Armados da Escola de Direito de Harvard, disse que três requisitos básicos precisam ser atendidos: o outro país precisa ter a capacidade de atacar; o comportamento do outro país precisa demonstrar que um ataque é iminente; e não existam outras maneiras de evitar esse ataque.

    O poderio militar da Coreia do Norte parece satisfazer ao primeiro requisito. Mas nos termos do segundo requisito, "temos de determinar se as declarações de Kim são bazófias ou se ele pretende de fato colocá-las em prática", disse Schmitt. Nos termos do terceiro requisito, "só se pode agir em autodefesa quando, se você não agir, seria tarde demais, e não existam outras opções".

    Esses requisitos já foram atendidos?

    Embora a Coreia do Norte possa ter capacidade de atacar os Estados Unidos, há amplo ceticismo quanto à iminência de um ataque. E muitos representantes do governo norte-americano, entre os quais alguns dos principais assessores de Trump, disseram que as demais opções não foram esgotadas.
    "Creio que a resposta a essa pergunta seja claramente negativa", disse Kevin Jon Heller, professor de Direito na Universidade de Londres. "Não há direito de autodefesa contra uma ameaça não iminente".

    Se as condições legais que justificariam um primeiro ataque forem cumpridas, haveria justificação legal para a destruição da Coreia do Norte, algo que os críticos de Trump dizem que ele deu a entender ao ameaçar "fogo e fúria"?

    Os especialistas legais afirmam que um ataque em autodefesa realizado nessas circunstâncias teria de ser "proporcional" - ou seja, concebido de forma a apenas bloquear a ameaça. "Não é uma carta branca para a destruição de outro país", disse Schmitt.

    Como sabemos que a ameaça de ataque de Kim aos Estados Unidos não representa perigo iminente?

    Não podemos ter certeza. Mas a Coreia do Norte tem um pendor bem estabelecido por bazófias e declarações bombásticas, e por fazer ameaças sem cumpri-las.

    "Kim diz loucuras de toda espécie, mas não há histórico de concretização dessas declarações incendiárias", disse Anthony Clark Arendt, professor de administração pública e serviço exterior na Universidade de Georgetown. "Se a Coreia do Norte estivesse preparando um ataque, isso seria visível".

    Por que é importante que o governo Trump tenha justificativa sob as leis internacionais para um ataque inicial à Coreia do Norte?

    Como no caso dos outros 192 países membros das Nações Unidas, a expectativa é de que Estados Unidos ajam de acordo com a lei internacional, o que é vital para sua credibilidade e relações básicas com outras nações.

    Há algo na Carta das Nações Unidas que permita que um país ataque outro antes de ser atacado?

    É uma questão aberta a debate. O artigo 2 da Carta proíbe países de usarem ou ameaçarem o uso de força uns contra os outros, enquanto o artigo 51 não proíbe "o direito inerente de autodefesa individual ou coletiva caso ocorra um ataque armado". Mas o Artigo 51 já foi interpretado de diversas maneiras. Nos termos de uma interpretação restritiva, um ataque precisa acontecer antes que o Estado atacado possa usar força contra o atacante. Interpretações menos restritivas argumentam que um Estado ameaçado de ataque não precisa esperar para que possa executar legalmente um ataque preventivo.

    O que define a iminência de um ataque?

    Isso também é questão aberta a debate e interpretação. Na guerra de 1967 entre Israel e os países árabes, Israel ordenou um ataque depois que o Egito concentrou forças na fronteira do país, "e muita gente concluiu que era razoável que Israel concluísse que um ataque era iminente", disse Ashley Deeks, professor da Escola de Direito da Universidade da Virgínia.

    Mas em 1981, quando jatos israelenses destruíram um reator atômico no Iraque, e o governo israelense afirmou que ele representava uma ameaça ao país, Israel foi condenado unanimemente em uma resolução do Conselho de Segurança da ONU. Muitos observadores afirmaram que os critérios que definem ameaça iminente não haviam sido cumpridos.

    E a definição de ameaça iminente se turvou ainda mais por conta de organizações terroristas, ataques cibernéticos e outras ameaças mais nebulosas. "Dialogamos com aliados e eles concordaram em que a ideia de iminência não quer dizer o momento em que uma arma esteja sendo lançada", disse Deeks.

    Qual é a origem da legitimidade legal de um ataque preventivo?

    A maioria dos estudiosos aponta para uma doutrina estabelecida depois do chamado Incidente do Caroline, em 1837, que envolveu um navio de carga norte-americano suspeito de transportar suprimentos para canadenses rebelados contra o governo britânico. O navio, ancorado do lado norte-americano do rio Niágara, foi abordado por soldados britânicos, que mataram diversos norte-americanos, incendiaram a embarcação e soltaram sua âncora para que ela caísse nas cataratas do Niágara. Os britânicos afirmaram estar agindo em autodefesa, argumento rejeitado raivosamente pelo secretário de Estado norte-americano Daniel Webster.

    A questão foi resolvida por meio de um acordo sobre as condições que constituem legítima autodefesa em antecipação de um ataque. Nas palavras de Webster, um Estado precisa demonstrar que "a necessidade de autodefesa é instantânea, esmagadora, e não deixa outra escolha de meios, ou tempo para deliberação".

    Editoria de Arte/Folhapress

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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