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    Governo Trump

    Renúncia de CEOs mostra dificuldade de separar política e negócios

    NICOLE LEWIS
    DO "WASHINGTON POST"

    16/08/2017 07h00

    Kevin Plank, da Under Armour, e Brian Krzanich, da Intel, foram os mais recentes presidentes de empresas a renunciar aos seus postos no Conselho da Manufatura do presidente Donald Trump, por conta da hesitação dele em condenar grupos de ódio que causaram violência mortífera em Charlottesville no final de semana.

    Kenneth Frazier, executivo-chefe da Merck, foi o primeiro a deixar seu posto no conselho, mencionando a necessidade de que os líderes norte-americanos rejeitem claramente as "expressões de ódio, intolerância e supremacia grupal".

    Saul Loeb - 23.fev.2017/AFP
    Donald Trump ri ao lado do CEO da Merck, Kenneth Frazier, em fevereiro; executivo deixa conselho
    Donald Trump ri ao lado do CEO da Merck, Kenneth Frazier, em fevereiro; executivo deixa conselho

    Krzanich ecoou a declaração de Frazier e apelou aos líderes norte-americanos que "condenem os supremacistas brancos e outros de sua laia que se manifestaram e cometeram violências", antes de acrescentar que não era político.

    Mas Plank adotou abordagem muito mais amena ao se distanciar do tumulto político, afirmando que a Under Armour "está engajada na inovação e no esporte, e não na política".

    O último homem de negócios a deixar o conselho, Scott Paul, presidente da Aliança pela Indústria Americana, deixou o posto com a declaração mais amena. Ele escreveu em uma rede social na tarde de terça-feira (15) que "estou deixando a Iniciativa pelo Emprego Industrial porque essa é a coisa certa a fazer, para mim".

    Krzanich, Plank e Frazier expressaram críticas de severidade distinta em suas declarações, e nenhum deles mencionou o presidente nominalmente. Além disso, a insistência de Krzanich e Plank em que são executivos de negócios apolíticos parece dúbia.

    Afinal, os executivos decidiram mergulhar em águas políticas turvas ao aceitar postos no conselho, no começo do ano. Àquela altura, Trump já estava envolvido em controvérsias e havia hesitado, durante sua campanha, em denunciar os grupos de ódio que o apoiavam.

    Os executivos se mantiveram no conselho depois que diversos colegas se demitiram, por conta das restrições de Trump à entrada de visitantes muçulmanos nos EUA e por ele ter retirado o país do Acordo de Paris sobre o clima

    Frazier, que fez a crítica mais vigorosa à maneira pela qual Trump se conduziu quanto aos acontecimentos em Charlottesville, foi imediatamente contra-atacado pelo presidente. Menos de uma hora depois que Frazier, que é negro, anunciou sua saída do conselho, Trump o criticou no Twitter:

    "Agora que Ken Frazier da Merck Pharma renunciou ao Conselho da Manufatura do presidente, ele terá mais tempo para BAIXAR OS PREÇOS EXTORSIVOS DOS REMÉDIOS!".

    Horas mais tarde, Trump voltou a criticar Frazier, recorrendo de novo ao Twitter: "@Merck Pharma é líder nos aumentos cada vez maiores dos preços dos remédios e ao mesmo tempo tira empregos dos EUA. Tragam os empregos de volta e BAIXEM OS PREÇOS!"

    MEDO

    Trump não fez ataques a Krzanich e Plank. É possível que os dois executivos tenham percebido a ira do presidente com relação a Frazier, ao prepararem suas declarações, e que por isso tenham tenham evitado criticar o presidente diretamente.

    Não é difícil acreditar que os executivos temam a peçonha do presidente. Trump intimidou abertamente membros de seu próprio partido, como o secretário da Justiça, Jeff Sessions, e o líder da maioria republicana no Senado, Mitch McConnell, do Kentucky, por ficarem aquém de suas expectativas.

    A inclinação de Trump a humilhar publicamente aqueles que o desapontam parece ter desestimulado os líderes empresariais. Quando Andrew Ross Sorkin, do "New York Times", perguntou ao presidente de uma empresa, cujo nome ele não revelou, por que ele não havia se pronunciado em favor de Frazier e da posição dele quanto ao presidente, o executivo respondeu: "Veja o que ele fez com Ken. Não vou dar a cara a tapa".

    Depois dos tweets de Trump, diversos outros executivos saíram em defesa de Frazier, expressando apoio à sua decisão de deixar o conselho. Paul Polman, presidente-executivo da Unilever, elogiou Frazier por exibir "forte liderança" e "valores morais" positivos.

    Outros, como Meg Whitman, presidente-executiva da Hewlett-Packard, também elogiaram Frazier. "Estou grata por termos líderes empresariais como Ken, que lembram aos Estados Unidos sobre seu lado melhor", escreveu Whitman no LinkedIn.

    "Os norte-americanos esperam que seus líderes políticos denunciem abertamente os supremacistas brancos. O ódio não deve encontrar refúgio na América".

    Em fevereiro, Plank teve um gostinho de como declarações públicas sobre o presidente causam controvérsia. A Under Armour tem um um elenco diversificado de porta-vozes publicitários, entre os quais atletas negros famosos: Steph Curry, armador do Golden State Warriors e melhor jogador da NBA em 2015; o quarterback Cam Newton, do Carolina Panthers, no futebol americano; e Misty Copeland, a primeira negra a se tornar primeira bailarina do American Ballet Theatre.

    Depois de Plank definir Trump como "um verdadeiro ativo" para a nação, ao assumir seu posto no conselho, Curry e Copeland contestaram os elogios de Plank. Copeland divulgou uma declaração no Instagram discordando do apoio expresso por Plank a Trump.

    Krzanich e Plank certamente não são políticos, já que não ocupam cargos públicos. Mas, como Plank, Krzanich exibiu grande entusiasmo por trabalhar com Trump.

    Em fevereiro, o executivo da Intel se reuniu com Trump na Casa Branca. Os dois discutiram política, propostas de política pública e questões de negócios, disse Krzanich à rede de notícias CBNC.

    Depois da reunião, Krzanich anunciou que a Intel investiria em uma nova fábrica no Arizona. Trazer empregos industriais de volta aos Estados Unidos foi uma das grandes promessas de campanha de Trump.

    Em comunicado aos funcionários da empresa, Krzanich justificou a nova fábrica e sua decisão de fazer o anúncio na Casa Branca, apontando que o sistema tributário atual coloca a indústria norte-americana em desvantagem.

    "É por isso que apoiamos as políticas do governo para nivelar a competição em todo o mundo e tornar a indústria norte-americana competitiva internacionalmente", ele escreveu. "As políticas do governo desempenham papel crítico em permitir e sustentar a inovação gerada pelos Estados Unidos".

    Para Krzanich e a Intel, negócios e política sempre estiveram interligados.

    A decisão de Trump de abandonar o acordo de Paris sobre o clima foi outro ponto de inflexão para os executivos. Líderes que não participavam do conselho escreveram uma carta aberta a Trump pedindo que ele não abandonasse o acordo.

    Elon Musk, executivo-chefe da Tesla e membro do Conselho da Manufatura e do Conselho de Negócios de Trump, renunciou aos dois postos; e Robert Iger, presidente-executivo da Disney, renunciou ao seu posto no Conselho de Negócios de Trump, afirmando que suas opiniões sobre a mudança do clima diferiam das opiniões do presidente.

    Em junho, Stevens Perlstein, colunista de economia do "Washington Post" argumentou que era hora de os executivos-chefes de grandes empresas renunciarem aos seus postos no Conselho de Negócios de Trump.

    Ainda que o texto tenha sido escrito semanas antes da violência em Charlottesville, Perlstein previu aquilo que os líderes empresariais devem estar ponderando agora. "A comunidade empresarial vai querer estar do lado certo da História, e vai querer ser vista como tendo estado do lado certo da história", quando o mandato de Trump terminar, ele afirmou.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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