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    Manifestantes se frustram com oposição na Venezuela

    YAN BOECHAT
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM CARACAS

    20/08/2017 02h30

    Yan Boechat/Folhapress
    Missa em memória de venezuelanos mortos durante protesto.
    Missa em memória de venezuelanos mortos durante protesto.

    O dia ainda estava claro e quente quando as mesas da Fonte de Soda León começaram a encher no fim da tarde desta sexta-feira (19). O bar ocupa um ponto elevado da rua Castellana, uma das principais de Altamira, bairro de classe média alta de Caracas, e atrai os jovens que trabalham e moram na região.

    Aproveitavam a chegada do fim de semana bebendo cerveja ou misturando doses generosas de rum com coca-cola. Nos cafés, as mesas continuavam cheias ao cair da noite e nos restaurantes em que os pratos em geral custam a metade do salário mínimo venezuelano, os garçons se preparavam.

    Ali, em meio aos últimos resquícios da riqueza caraquenha e no epicentro do antichavismo, nada fazia lembrar que horas antes o Legislativo do país havia, na prática, perdido seus poderes.

    Os dias de luta que marcaram a Venezuela nos últimos meses pareciam ser coisa de um passado distante no final dessa sexta tão importante no desenrolar político do país.

    Yan Boechat/Folhapress
    Willy, membro da chamada Resistência
    Willy, membro da chamada Resistência

    "Eu primeiro choro e depois tenho raiva quando vejo a vida assim normal", dizia Sugey Armas, mãe de Neomar Leander, 17, um dos mais de cem jovens que morreram nos protestos contra o governo de Nicolás Maduro desde abril.

    A centenas de metros dos bares, ela se perguntava: "Será que meu filho morreu por nada, será que sua morte não teve valor algum?".

    Perto dela, uma menina de apenas 15 anos, com fortes traços indígenas, reclamava do fim abrupto dos protestos.

    "Nos disseram que iríamos tirar esse governo lutando nas ruas, mas bastou oferecerem uma eleição para a oposição se comportar como um cordeiro", dizia Willy, a Mascarada, nome de guerra escolhido pela jovem da periferia de Caracas. "Nos abandonaram, essa é a verdade".

    Ao seu lado, dois meninos faziam coro. "Nossos irmãos deram a vida por nada, caíram mortos para nada", dizia Sipo, 17, da favela de Santa Bárbara, no oeste da capital.

    Todos se reuniram com poucas centenas de venezuelanos para celebrar uma missa na Igreja de Chacao em memória aos mortos nas manifestações. Sugey, Willy, Sipo e uma imensa parte das pessoas que foram para as ruas protestar vivem agora um misto de decepção e torpor.

    Não imaginavam que o governo conseguiria, enfim, impor a Assembleia Constituinte e inviabilizar o Legislativo dominado por seus adversários. E esperavam que os partidos da oposição, principalmente os deputados, reagissem de forma mais agressiva.

    A missa já havia começado quando Freddy Guevara, vice-presidente da Assembleia Nacional, chegou à igreja. Logo foi cercado por meninos pobres que cerraram fileiras com a classe média nos protestos e que passaram a se intitular "A Resistência".

    "Precisamos voltar com os protestos, senhor, precisamos voltar para as ruas".

    Um pouco antes de entrar na igreja, foi abordado por um deles. "Estou com fome, preciso de ajuda". Um tanto sem graça, o deputado prometeu procurá-lo após o serviço religioso. A noite de sexta-feira terminou como começou em Altamira: tranquila.

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