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    Venezuelanos precisam pagar por dinheiro

    YAN BOECHAT
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM CARACAS

    27/08/2017 02h00

    Marco Bello/Reuters
    Funcionário conta notas de bolívar em posto de gasolina da PDVSA em Caracas

    Acostumados a enfrentar longas filas para comprar produtos tão básicos como pão francês, sabonete e papel higiênico, os venezuelanos agora estão perdendo várias horas ao dia para conseguir ter acesso a dinheiro.

    Desde a semana passada, quando o governo decidiu proibir que lojas, farmácias ou qualquer tipo de comércio repassasse bolívares para seus clientes com cartão de débito, a escassez de papel-moeda se intensificou.

    A falta é tamanha que, nos últimos dias, notas de 5.000, 10 mil ou 20 mil bolívares, as denominações mais altas –e mais raras– eram comercializadas com ágio médio de 20% sobre seu valor de face, e registro de sobrepreço de até 35% em algumas regiões.

    No interior do país, onde o nível de adesão da população ao sistema bancário e de automação de pagamentos é mais baixo, o comércio ameaça entrar em colapso.

    O problema ocorre desde o início do ano, quando o governo passou a emitir notas de maior valor nominal.

    Até 2016, a nota mais alta em circulação na Venezuela era de cem bolívares (R$ 0,02). Pouco antes de o governo iniciar a impressão das novas cédulas, comerciantes haviam decidido passar a pesar os bolívares ao invés de contá-los, tamanho era o volume de papel-moeda necessário para comprar qualquer item –mesmo os de baixo valor.

    A entrada em circulação de notas de 500, 1.000, 5.000, 10 mil e 20 mil bolívares não foi suficiente, porém, para conter a demanda por papel-moeda ante a inflação que, só nos seis primeiros meses do ano, acumulou quase 300%.

    Além disso, o bolívar vem perdendo valor frente ao dólar semana a semana. A moeda venezuelana uma desvalorização de mais de 93% nos últimos 12 meses.

    O resultado é que a denominação mais alta em circulação equivale nesta semana a pouco mais que US$ 1. A mais baixa das novas cédulas, a menos de US$ 0,03. Em alguns casos, o valor de face das novas notas já é menor que seu custo de produção, estimado entre US$ 0,12 e US$ 0,15 a unidade impressa.

    "Houve uma tempestade perfeita, com irresponsabilidade do Banco Central venezuelano, hiperinflação e o constante impacto da ideologia do governo nas políticas econômicas", diz Asdrúbal Oliveros, ex-economista sênior da divisão de investimentos do Banco Santander em Caracas e sócio-diretor da consultoria Ecoanalítica.

    "Na prática, o Banco Central não consegue imprimir papel-moeda suficiente porque não tem dinheiro para acessar a matéria-prima necessária nem para pagar a quem o faça no exterior", diz.

    Para Oliveros, a saída emergencial seria a emissão de denominações mais altas, como notas de 100 mil ou 200 mil bolívares e a simplificação do papel-moeda, considerado de qualidade alta demais para a atual realidade inflacionária e de escassez de moeda forte no país.

    440 NOTAS

    A Venezuela é um dos países campeões em volume de papel-moeda por habitante no mundo. Para cada um dos 31 milhões de venezuelanos, existem cerca de 440 notas de bolívares em circulação.

    No Brasil, essa ordem é de pouco mais de 28 cédulas por habitante. As novas notas emitidas pelo BC venezuelano correspondem a 66% do meio circulante em valor no país, mas, ao mesmo tempo, a apenas 5% do número de cédulas que estão nas mãos dos venezuelanos.

    Na prática, as cédulas que circulam pelo país hoje não valem praticamente nada.

    Sem papel-moeda, os bancos começaram a limitar a retirada diária a 30 mil bolívares (pouco menos que US$ 2) no início da semana. Nesta sexta (25), o limite havia caído para 10 mil bolívares (US$ 0,65) em muitos bancos.

    "Todos os dias eu passo mais de uma hora nessa fila, não consigo viver sem dinheiro, ninguém consegue", dizia o analista de TI Victor Bueno, enquanto esperava na fila do banco estatal Bicentenário.

    Sem dinheiro nas ruas, o papel-moeda se transformou em mais um item negociado no mercado negro. Diversas lojas e quiosques burlam as novas regras e repassam bolívares com ágio.

    O doleiro Pedro Ravera não tem conseguido atender à alta demanda de seus clientes, nem mesmo os mais fiéis, e decidiu tirar uma folga.

    "Já vínhamos pagando suborno a gerentes, subgerentes e funcionários mais baixos dos bancos para conseguir dinheiro para comprar dólares, mas agora acabou, não tem", diz ele.

    "Os bolívares estão se transformando no papel higiênico de alguns meses atrás. Quem tem guarda e só usa o mínimo possível porque não se sabe quando vai se encontrar novamente."

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