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    EUA reformam arsenal nuclear, apesar do risco de corrida armamentista

    DAVID E. SANGER
    WILLIAM J. BROAD
    DO "NEW YORK TIMES"

    29/08/2017 07h00

    Durante seu discurso na semana passada sobre o Afeganistão, o presidente Donald Trump inseriu uma frase que tinha pouco a ver com o combate ao Taleban: "Vastas quantias" estão sendo gastas em "nosso arsenal nuclear e defesa antimísseis", disse ele, enquanto o governo reforça as Forças Armadas.

    O presidente está fazendo exatamente isso. Na semana passada, a Força Aérea anunciou grandes novos contratos para a renovação da força nuclear dos EUA: US$ 1,8 bilhão para o desenvolvimento inicial de um míssil de cruzeiro altamente invisível e quase US$ 700 milhões para começar a substituir os mísseis Minuteman, que já têm 40 anos e estão em silos espalhados pelos EUA.

    Departamento de Energia dos EUA - 25.out.2011/AFP
    Funcionários levam bomba nuclear dos anos 1960 para ser desarmada; Trump quer atualizar arsenal
    Funcionários levam bomba nuclear dos anos 1960 para ser desarmada; Trump quer atualizar arsenal

    Os dois programas foram desenvolvidos na era Obama, mas o governo Trump se apoderou deles, dando pouca importância ao debate sobre se isso é necessário ou sábio.

    Eles são os primeiros passos em uma reformulação mais ampla do arsenal nuclear —e dos bombardeiros, submarinos e mísseis que transportam e disparam essas armas— que o governo estimou durante o mandato de Obama custaria US$ 1 trilhão ou mais.

    Enquanto seu governo estimulava os programas, Obama afirmava que ao tornar as armas nucleares mais seguras e confiáveis seu número poderia ser reduzido, colocando o mundo no caminho para sua futura eliminação.

    Alguns assessores de segurança nacional de Obama, acreditando que Hillary Clinton venceria a eleição presidencial, esperavam profundos cortes no plano de US$ 1 trilhão.

    Trump não falou em redução, seja no número de armas ou no âmbito da reforma, e sua advertência à Coreia do Norte algumas semanas atrás de que ele enfrentará qualquer desafio com "fogo e fúria" sugeriu que talvez não adote a visão da maioria dos ex-presidentes de que os EUA nunca usariam essas armas em um primeiro ataque.

    "Estamos num beco sem saída sobre o controle de armas", disse Gary Samore, que foi um alto assessor nuclear de Obama.

    Enquanto Trump avança a toda velocidade na reforma nuclear —mesmo antes do término da revisão da estratégia nuclear dos EUA, devida para o fim do ano—, os críticos advertem sobre o risco de uma nova corrida armamentista e desperdícios de bilhões de dólares.

    Os críticos do míssil de cruzeiro, liderados por um ex-secretário da Defesa, William Perry, afirmaram que a nova arma será tão precisa e invisível que será desestabilizadora, forçando os russos e os chineses a acelerar seus próprios programas.

    E a reconstrução da frota de mísseis baseados em terra essencialmente obriga os EUA a manter a perna mais vulnerável de sua "tríade nuclear" —uma mistura de armas lançadas por submarinos, bombardeiros e lançadores em terra. Alguns especialistas em controle de armas afirmaram que a força de terra deve ser eliminada.

    O secretário da Defesa, James Mattis, disse ao Congresso em junho que estava aberto a reconsiderar a necessidade dos dois sistemas. Mas em comentários a marinheiros no Estado de Washington há quase três semanas ele sugeriu onde ocorreria uma revisão nuclear.

    "Acho que vamos manter as três pernas de dissuasão", disse ele aos marinheiros.

    Os contratos, e as dicas de Mattis sobre a estratégia nuclear definitiva, sugerem que o acordo de Obama de 2010 de gastar US$ 80 bilhões para "modernizar" o arsenal nuclear —o preço que ele pagou para fazer o Senado ratificar o acordo de controle de armas Novo Começo com a Rússia— terá aberto o caminho para expansões do arsenal nuclear sob Trump.

    "Está claro há anos que os russos só aceitarão diminuir o número se nós impusermos limites à defesa de mísseis, e com a ameaça da Coreia do Norte não podemos fazer isso", disse Samore, que hoje está no Centro Belfer para Ciência e Relações Internacionais em Harvard. "Eu acho que estamos praticamente condenados a modernizar a tríade."

    Está em questão no debate sobre o míssil de cruzeiro e a reconstrução da frota de terra uma discussão sobre a dissuasão nuclear —o tipo de debate que dominou os especialistas em segurança nacional dos EUA nos anos 1950 e 60, e novamente durante a era Reagan.

    Os mísseis de cruzeiro são armas que voam baixo, com asas curtas. Despejados de um bombardeiro, eles ficam perto do solo para evitar radares e defesas antiaéreas. Sues cérebros computadorizados comparam mapas internos do terreno com o que seus sensores relatam.

    A emissão pela Força Aérea na semana passada do contrato para o míssil de ponta nuclear avançada —para a Lockheed Martin e a Raytheon Missile Systems— começa um esforço de 12 anos para substituir um modelo mais antigo. A arma atualizada deverá voar em um bombardeiro nuclear ainda não desenvolvido.

    O plano é produzir mil dos novos mísseis, que são mais invisíveis e mais precisos que os que eles substituirão, e colocar ogivas nuclear revitalizadas na metade deles. A outra metade seria mantida para testes de voos e substituições. O custo total do programa está estimado em US$ 25 bilhões.

    O argumento mais vívido a favor da nova arma veio em um depoimento ao Senado de Franklin Miller, um antigo oficial do Pentágono que ajudou a desenhar a estratégia nuclear do presidente George W. Bush e é consultor do Pentágono sob Mattis.

    A nova arma, disse ele no último verão, ampliaria a vida da frota envelhecida dos EUA de bombardeiros B-52 e B-2, enquanto "as defesas aéreas [russas e chinesas] evoluem a um ponto em que [os aviões] são incapazes de penetrar até seus alvos".

    Os críticos afirmam que a alta precisão dos mísseis de cruzeiro e o impacto reduzido aos civis próximos poderia tentar um futuro presidente a contemplar uma "guerra nuclear limitada".

    O pior, dizem eles, é que os adversários poderiam reagir ao lançamento dos mísseis de cruzeiro porque eles existem nas variedades nuclear e não nuclear.

    Miller rejeita esse temor, dizendo que a nova arma é tão desestabilizadora quanto a que ela substitui.

    Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES

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