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    Queda na migração para a Europa surpreende especialistas

    JAMES MCAULEY
    DO 'WASHINGTON POST'

    01/09/2017 13h32

    Enquanto os líderes europeus continuavam em seu esforço para conter o fluxo aparentemente constante de imigrantes que cruzam o Mediterrâneo, esse fluxo parecia estar diminuindo até quase cessar, independentemente de seus planos.

    Na terça-feira (29), a Organização Internacional para Migrações (OIM), um órgão da ONU, publicou dados sobre as chegadas recentes à Europa.

    Os números apanharam especialistas e analistas de surpresa: comparados com os 273 mil migrantes que chegaram em agosto de 2016, pouco mais de 121 mil tinham chegado até o final de agosto de 2017. Além disso, não havia evidências de migrantes mortos no Mediterrâneo desde 9 de agosto, relatou a OIM.

    Os meses de verão –quando as águas estão mais quentes e as condições da viagem são mais propícias– geralmente apresentam picos no número de migrantes e solicitantes de asilo que fazem a arriscada travessia para a Europa.

    No passado, o aumento do tráfego foi em geral acompanhado de mais fatalidades no trajeto, sobretudo por causa de barcos virados e da falta de precauções de segurança pelos traficantes de pessoas.

    Isso não ocorreu em agosto passado, segundo os dados. Embora a comparável ausência de mortes nesse mês não acompanhe os números do resto do ano –durante o qual mais de 2.400 migrantes morreram no Mediterrâneo até agora–, esses números recentes sugerem que as condições de um cenário que há muito confunde os políticos europeus podem estar mudando.

    Especialistas rapidamente advertiram contra uma explicação única para a redução nas chegadas e nas fatalidades.

    "É difícil afirmar", explicou Elizabeth Collett, diretora e fundadora do Instituto de Políticas Migratórias da Europa, um importante grupo de pensadores de Bruxelas. "Estamos basicamente examinando os dados de um mês –isso não nos diz muito sobre uma tendência em longo prazo."

    O declínio temporário dos números, acrescentou Collett, poderia ser uma função de vários fatores, incluindo a recente reformulação da guarda costeira da Líbia, ou mudanças nas operações de fronteira no Níger, que tradicionalmente é um ponto de partida para migrantes a caminho da Líbia e depois da Europa.

    Ela também disse que uma rede de milícias em terra na Líbia –que geralmente ajudava no contrabando de pessoas– parece estar trabalhando em conjunto com o governo transitório do país para manter os migrantes em seus lugares, um acordo aparentemente apoiado pelo governo italiano.

    A agência de notícias Associated Press, citando a milícia líbia e autoridades de segurança, relatou nesta semana que o governo líbio pagou às milícias por essas atividades.

    O Ministério do Interior italiano relatou no mês passado que o país teve um grande declínio nas chegadas de migrantes. Cerca de 4.000 chegaram desde meados de julho, o que representa cerca de 20% do número de chegadas processadas no mesmo período em 2016, 2015 e 2014.

    "A escala dos fluxos [de migrantes] depende da boa vontade de pequenos grupos armados que estão dispostos a cooperar. Isso sugere que hoje contamos com pequenos grupos que veem mais lucro no trabalho com o governo transitório e os governos europeus", disse Collett. "Mas também salienta as dinâmicas de poder na região."

    Essas dinâmicas, segundo Marco Funk, um especialista em migrações no Centro de Políticas Europeias, um grupo de pensadores em Bruxelas, não são inscritas em pedra e podem mudar a qualquer momento.

    "Essas milícias buscam o lucro onde quer que possam encontrá-lo", disse ele. "Eu questiono a sustentabilidade dessa queda. Não espero um declínio em longo prazo."

    A OIM divulgou seu relatório um dia depois que sete líderes europeus e africanos se reuniram em Paris na segunda-feira (28) para tratar da atual crise migratória. Os líderes europeus pediram que seus homólogos africanos reforcem as medidas para conter o fluxo.

    Recebidos pelo presidente francês, Emmanuel Macron, os líderes da Alemanha, Itália e Espanha se reuniram com os dirigentes do Chade, Níger e Líbia –países que compõem a rota mais comum de migrantes para a Europa, com frequência para as costas italianas.

    Em geral, os europeus prometeram ajuda ao desenvolvimento significativa a esses países africanos, que muitas vezes servem de pontos de passagem para migrantes que fogem da pobreza e da perseguição.

    Ao estimular o crescimento dos empregos no outro lado do Mediterrâneo, os líderes europeus esperam que menos migrantes se sintam tentados a fazer a viagem.

    Outro objetivo da reunião de Paris foi estabelecer controles de fronteira mais rígidos ao longo dessa rota migratória africana, assim como "pontos quentes" ou centros de recepção.

    A ideia por trás desses centros –há muito defendidos por Macron e pela chanceler alemã, Angela Merkel– é processar os pedidos de asilo dos migrantes e refugiados antes que eles cheguem à Europa, em vez de após sua chegada.

    Algumas formas anteriores dessas propostas foram implementadas, mas os analistas duvidam de sua eficácia continuada, notando que determinados migrantes continuarão encontrando maneiras de entrar na Europa por outros caminhos.

    Foi o que aconteceu no ano passado, quando a rota do Mediterrâneo oriental entre a Turquia e a Grécia foi fechada, disse Funk. Outros migrantes começaram a usar a rota do Mediterrâneo central, que os líderes europeus hoje estão policiando. Há evidências de que uma rota popular poderá surgir no oeste do Mediterrâneo, com a Espanha como destino em vez da Itália, disse ele.

    Segundo dados da OIM, aproximadamente o triplo de migrantes chegaram por mar à Espanha em agosto de 2017 em comparação com agosto de 2016.

    Joel Millman, um porta-voz da OIM, disse à agência de notícias France Presse no mês passado que a mudança para a península Ibérica provavelmente "se deve ao fato de a rota ser considerada segura".

    Em Paris na segunda-feira, Macron rapidamente elogiou a supervisão do governo italiano da guarda costeira líbia. "O que foi feito pela Itália e a Líbia é um exemplo perfeito do que estamos pretendendo", disse ele.

    Mas especialistas em migração insistiram que as últimas estatísticas não indicam que uma solução duradoura tenha sido encontrada.

    "Em termos de políticas, significa que os líderes europeus definitivamente não podem relaxar e dizer que o pior já passou. Pelo contrário", disse Funk. "As origens desse fenômeno estão presentes como sempre, e a busca por soluções deve continuar."

    Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES

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